Dava pelo nome de Antíoco quando acompanhou Jasão na busca do Velo de Ouro e assistiu à grande tragédia da vida do herói. Séculos depois, retoma o diminutivo que sempre foi o mais querido dos seus muitos nomes e é como Merlim que se dirige ao Lago que Grita, para dele arrancar o espírito do amigo a quem deseja anunciar que os filhos - aqueles que chorou durante setecentos anos - estão afinal vivos. Começa assim uma nova demanda para Jasão e para os seus argonautas. E, mais uma vez, Merlim acompanha-os. Mas nem só os filhos de Jasão sobreviveram à passagem do tempo que os manteve vivos, tão vivos como o próprio Merlim. A mesma mãe que fingiu as mortes dos seus filhos observa e fará de tudo para impedir que eles sejam encontrados.
Muito antes de Artur, e muito antes do suposto auge do poder do seu feiticeiro, O Merlim apresentado neste livro afasta-se em muito da ideia de um conselheiro sábio. Para começar, porque, apesar dos séculos, surge na plenitude de uma juventude conservada pelo seu poder. Além disso, Merlim está longe de ser um poço de virtudes: a mesma sensatez que o leva a racionar o seu uso do poder guia-o, por vezes, a actos egoístas e o excesso de confiança coloca-o, em vários momentos, numa situação delicada ante os seus companheiros. As suas falhas são, aliás, a base num dos acontecimentos mais intensos da fase final do livro, já que a sua falibilidade toma interpretações mais sombrias devido a um certo excesso de secretismo.
Todas estas características revelam um protagonista menos que perfeito. Ainda assim, as suas falhas e indecisões acabam por conferir uma faceta mais humana, tornando mais empática a sua natureza de imortal. As suas capacidades são vastas, mas os traços de personalidade são fundamentalmente humanos, o que, aliado ao tom algo introspectivo com que conta a sua história, cria para Merlim uma imagem mais próxima, mais fácil de entender.
Apesar do seu protagonista, esta história pouco tem de relativo ao mito arturiano (ainda que as ligações ao futuro sejam, de facto, referidas). Este é, de facto, um dos aspectos mais interessantes do livro já que, para além de um Merlim diferente, mais jovem e um pouco mais egoísta, também a história se cruza com a de uma lenda diferente. O cruzamento entre os elementos celtas e a lenda dos argonautas serve de base a uma história que reúne o melhor dos dois mundos, juntando deuses, povos e tempos diferentes numa aventura que, rica em magia e acção, vive também das sombras e demónios das suas personagens.
Várias perguntas ficam sem resposta, ou não fosse este livro apenas o início. Há, ainda assim, muito a ser revelado, quer sobre as personagens e o que as faz avançar, quer sobre o mundo em que se movem - e os poderes que nele se agitam. O resultado é uma história cheia de mistérios, com vários momentos intensos e muitos enigmas para resolver, quer na busca essencial de Jasão, quer nos mistérios do passado do próprio Merlim.
Envolvente, com um mundo rico e fascinante e uma história com as medidas certas de acção, mistério e emoção, Celtika abre da melhor forma a história de um Merlim antes de Artur, mais humano - e, talvez, um pouco menos sensato - mas igualmente fascinante no papel que tem a desempenhar na segunda viagem do Argo e da sua tripulação. Muito bom.
Uma das coisas que gostei neste livro e nas suas sequelas, foi o modo como os mitos se entendiam à realidade como algo completamente natural. Em algumas histórias com mitos essa ligação fica muito artificial.
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