Longe vão os tempos da sua vida quase normal em Praga. Agora, depois de ter visto o que restou de Loramendi, o único papel que resta a Karou é o de ressurreccionista do seu povo, cumprindo as vontades da mesma quimera que em tempos a mandou executar. Ciente daquilo que Akiva fez, e do que isso faz de si perante as quimeras, Karou já não tem esperança de ver realizado o sonho que em tempos partilharam. Mas, nos últimos dias de uma guerra sem tréguas que se transformou em massacre, tanto Karou como Akiva voltam a ver-se na necessidade de questionar a ordem das coisas e as decisões de quem comanda os dois lados de conflito. Pelo sonho de um mundo melhor. E pela esperança... em algo que pode muito bem ser impossível.
Dando continuidade aos acontecimentos narrados em A Quimera de Praga, mas sem necessariamente seguir um rumo linear, este é um livro que corresponde em pleno às expectativas geradas pelo volume anterior. Partindo dos mesmos pontos fortes - a harmonia da escrita, o carisma das personagens, o sistema fascinante e a forma como os sonhos e expectativas das personagens moldam a forma desse mundo - a autora expande o seu mundo para uma nova situação, acrescentando às forças já conhecidas um conjunto de novas possibilidades, sem por isso perder de vista o que há de pessoal e de invulgar na história dos seus protagonistas.
É este, aliás, o ponto de partida para uma história que, igualmente cativante e com o mesmo delicado equilíbrio entre conflito, intriga, um toque de humor e momentos de grande impacto emocional, expande para uma perspectiva mais vasta as circunstâncias das suas personagens. Os caminhos individuais de Karou e Akiva abrem portas para um conhecimento mais aprofundado dos mundos das quimeras e dos serafins e o muito que há para descobrir sobre ambos os lados é fascinante. Tanto no que muda como no que já existia, mas é agora mais desenvolvido, a autora acrescenta ao seu mundo uma nova complexidade, sem com isso perder a envolvência que torna incrivelmente fácil imaginar tanto o cenário como as personagens que o povoam.
Também um ponto interessante para manter essa envolvência é a forma como a autora conta a história, alimentando o mistério com referências veladas a coisas por acontecer ou a acontecimentos que, sendo do conhecimento das personagens, ainda não foram revelados ao leitor. Esta forma de contar a história, revelando gradualmente as coisas para criar uma aura de mistério, mas sem se tornar demasiado vaga, cria também ainda um outro ponto de equilíbrio, já que mantém acesa a vontade de saber mais, ao mesmo tempo que dá o devido destaque às coisas que, em cada momento do enredo, são mais importantes.
Quanto à história de Akiva e de Karou, os desenvolvimentos são, acima de tudo, surpreendentes na forma como encaixam no cenário global. É que, ainda que a história siga mais para o conflito entre os dois lados e para o papel que cada um deles tem na situação, há, ainda assim, uma ligação que, alimentada por episódios breves, mas de grande intensidade, transparece em todas as escolhas dos protagonistas. E que não só define os seus dilemas e acções como confere uma perspectiva mais pessoal a uma guerra que é, apesar de tudo, mais vasta.
Intenso e surpreendente, com uma escrita fluída e harmoniosa e uma história em que cenário, personagens e acontecimentos são igualmente interessantes e cativantes, Dias de Sangue e Glória mistura acção e intriga, humor e emoção, afectos e conflitos, numa história que cativa, comove, diverte e surpreende em todos os momentos certos. Marcante, equilibrado e memorável... Brilhante, em suma.
Sem comentários:
Enviar um comentário