Partiu em missão de descoberta e com o objectivo de conquistar a glória - para o reino, para o rei e para si próprio. Cruzou mares tormentosos para encontrar no seu destino tanto de potencial como de hostilidade. E regressou em glória, para depois de descobrir relegado para segundo plano. O heroísmo, ninguém lho negaria. Mas também as fúrias, o lado negro, o temperamento feroz desempenharam um papel no seu caminho em busca da glória. E, se o nome de Vasco da Gama ficou para a história, já menos conhecido é o facto de que, tendo embora sido herói, isso não fez dele um homem sem pecado.
Do muito que este livro tem de interessante, o primeiro aspecto a chamar a atenção é esta premissa base: o retrato de um homem imperfeito (como todos), que gravou o seu nome da história, mas que não deixou por isso de ter as suas fraquezas. E a forma como o autor desenvolve este tema é fascinante, revelando o lado negro do seu protagonista - o temperamento irascível, as crueldades consumadas ou ordenadas, a intriga em nome da glória pessoal - sem retirar o valor aos actos heróicos em que teve intervenção. Herói imperfeito é um termo que vai surgindo - e é, sem dúvida alguma, o mais adequado. Um herói humano, falível, com qualidades tão vincadas quanto os seus defeitos e cujas acções determinam, por vezes, o rumo de grandes acontecimentos.
Também de destacar é a contextualização desta personalidade - e dos actos do protagonista - no seio do pensamento do seu tempo. Nem toda a crueldade advém do carácter intempestivo do protagonista, nem a ele se limita - alguma surge do que é tido como uma necessidade em prol do reino. E há um óbvio cuidado em realçar este facto, em contar as coisas segundo a perspectiva do tempo em que decorrem, o que permite ficar com uma ideia mais vasta e mais clara não só das figuras principais da narrativa, mas do próprio contexto em que se movem.
E depois há a escrita que surpreende, em primeiro lugar, por um forte teor descritivo, mas principalmente pela forma como esta abundância de descrição em nada condiciona a envolvência da narrativa. É tal a fluidez com que tudo nos é contado que tudo parece adquirir a medida certa, seja a descrição de uma complicada manobra naval, seja o diálogo enraivecido de um Gama que se sente desprezado, sejam ainda os preparativos para a glória - ou para a perdição - de alguém. Tudo converge, pois, num equilíbrio perfeito, em que a própria escrita se ajusta aos ritmos daquilo que tem para contar.
Retrato de uma personalidade forte e complexa, vivendo em tempos igualmente complexos, este é, pois, um livro que, rico em pormenores, envolvente na escrita e muitíssimo interessante na história que apresenta, cativa desde muito cedo e nunca deixa de surpreender. Recomendo.
Título: Índias
Autor: João Morgado
Origem: Recebido para crítica
Vasco da Gama me lembra muito Getúlio Vargas, um ex-presidente/ditador no Brasil, que é tido por muitos como um herói. Eu adoraria ler um livro que mostrasse o lado negro, por assim dizer, de Vargas.
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Obrigado pela leitura e pela referência. Um abraço.
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