Nasceu depois dele, mas sempre esteve lá. Por entre a fé, durante a doença, em cada um dos muitos momentos em que o muito de disfuncional na sua família se revelada... desde que surgiu e até ao fim. É para isso que servem os irmãos. Mas, quando a vida é dura e nada é certo, não é fácil olhar para a vida com outros olhos que não os da escuridão. E, assim, tropeçando nas ideias, ela vai passando pela vida. À procura não sabe de quê - perdendo algo pelo caminho. Incompleta. Imperfeita. Inacabada. Esta é a sua história.
Se há algo que, desde muito cedo, se torna evidente nesta leitura, é que tudo neste livro é estranho. E que, ao longo desse tudo, há também muito de fascinante. E a estranheza (e, até certo ponto, o fascínio) começam logo pela escrita, que, no que pretende ser a voz única e peculiar da protagonista, adquire uma forma tão invulgar e tão surpreendente que, por um lado, exige máxima concentração para assimilar todas as suas particularidades, ao mesmo tempo que incentiva a descobrir de que forma poderá evoluir um tão estranho registo.
Ora, esta voz estranha parece adaptar-se na perfeição à estranheza do que nos tem para contar, uma vida em que praticamente tudo é disfuncional e em que, em consequência, quase tudo foi quebrado. Sente-se a confusão, o destroço mental que é a vida da protagonista. E, tendo em conta o que emerge das suas estranhas visões, torna-se fácil, uma vez assimiladas as tais peculiaridades, vislumbrar o abismo nessa sua história. O que começa por ser um pouco confuso torna-se depois perturbador, num crescendo de intensidade que, emergindo de um enredo que nunca se torna mais fácil de seguir, abre caminho, ainda assim, para um final fortíssimo.
E há muito a considerar nesta estranha viagem, desde a fortíssima - ainda que também disfuncional - relação entre os dois irmãos, ao peso de presenças como a religião e as expectativas da sociedade na forma como a protagonista conduz a sua vida. Passando pela cada vez mais sombria presença da doença e a impressão de inevitabilidade que é, no fundo, o mais perturbador de todos os aspectos desta história. A teia de complexidades que envolve este livro é, no fundo, imensa. E assimilá-la por inteiro exige máxima atenção.
Complexo e exigente, perturbador, mas estranhamente intenso, dificilmente se poderá ver este livro como uma leitura fácil. Mas, na forma como tudo converge, no retrato disfuncional de tantas experiências - de tantas vidas - numa só pessoa, há motivos mais que suficientes para fazer com que o esforço valha a pena. Estranho. E fascinante. Assim se poderia, pois, definir este livro. Uma viagem que vale a pena fazer.
Título: Uma Rapariga é uma Coisa Inacabada
Autora: Eimear McBride
Origem: Recebido para crítica
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