Dois dos seus alunos mataram-lhe a filha. Agora, Yuko Moriguchi quer vingança. E, tal como o ódio que sente pelos assassinos da filha, os seus ardis não têm limites. Antes de se retirar do ensino, no seu discurso de final de ano lectivo, Moriguchi anuncia aos alunos que sabe o que realmente aconteceu. E, com a revelação de algo que ela própria fez, põe em marcha os primeiros passos da sua vingança. Uma vingança tão silenciosa como brutal e prolongada, para que os assassinos tenham tempo de ponderar nas consequências dos seus actos. Mas foi um único gesto? Talvez não. E, agora que todos os seus alunos sabem, e que cabe aos dois assassinos viver com o conhecimento do que Moriguchi lhes fez, as consequências começam a manifestar-se, revelando toda a impiedosa dimensão do plano da professora.
Narrado do ponto de vista dos vários intervenientes centrais nesta história, este é um livro que surpreende, acima de tudo, por dois aspectos: primeiro, a real complexidade do mistério, que vão sendo revelada à medida que cada nova perspectiva acrescenta novas informações. E segundo, a forma como, de um relato quase sereno, emerge uma sequência de acções tão sinistra e brutal como a de qualquer policial dos mais sangrentos.
Parte do que torna a vingança de Moriguchi tão impressionante é a forma equilibrada, tranquila e racional com que o plano é levado a cabo. Pois estas mesmas características podem aplicar-se também à construção do livro. Ao seguir as várias personagens nas suas perspectivas do sucedido, a autora vai acrescentado novas camadas de complexidade, aparentes contradições que afinal não o são, personagens que revelam diferentes facetas a pessoas diferentes. E tudo isto se entrelaça numa teia cada vez mais complexa, em que o crime parece ser o cerne de todo o enredo, mas em que há uma estranha calma na forma como tudo é experimentado. Fala-se de morte, de medo, de vingança - e, contudo, quase tudo parece acontecer de forma muito limpa. Ora, isto é, desde logo, uma surpresa. E, além disso, realça o impacto do momento em que os episódios mais sinistros surgem na história. Quando importam. Quando são realmente relevantes.
E tudo isto é escrito na primeira pessoa, o que permite entrar directamente na cabeça das várias personagens. Também aí há muito de perturbador, pois é nos pensamentos dos vários intervenientes que é realçada a verdadeira disfuncionalidade das suas vidas. Claro que, neste aspecto, é a visão dos assassinos o que mais impressiona. Mas de todos se retira algo em que pensar, pois, se há tanto de frio e ponderado como de disfuncional na cabeça destas personagens, então tudo é possível e permitido. E é precisamente essa ideia a orientar a teia de acções de todo o enredo.
Trata-se, pois, de um livro perturbador, onde a suposta inocência dos mais jovens dá lugar a um retrato do mais disfuncional que se pode conceber sobre a natureza humana. Intrigante, intenso, surpreendente, prende desde as primeiras linhas e não larga até ao fim. E, com tanto de fascinante como de sinistro, fica na memória bem depois de terminada a leitura. Muito bom.
Título: Confissões
Autora: Kanae Minato
Origem: Recebido para crítica
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