Vivem-se tempos de mudança e os ideais da revolução estão mais presentes que nunca. Tudo serve de desculpa para falar de reaccionários ou da pequena burguesia. Até mesmo um porco. O porco que Diogo, pai de família, decidiu criar no sétimo andar e que, passados alguns meses, lhe trará a carne por que tanto anseia. Ora, mas isto pode ser mais difícil do que parece. Os vizinhos não estão nada satisfeitos. E quanto aos filhos de Diogo, estes rapidamente se afeiçoam ao porquinho a que chamaram Carnaval da Vitória e que é objecto de todas as suas esperanças. Entretanto, entre fiscalizações, comunicados e confusões, o porquinho lá vai crescendo, alimentado a restos de restaurante de luxo. Mas e quando a data marcada chegar?
Se há algo que desde muito cedo salta à vista neste livro, e que acaba por ser a sua grande força, é a forma como, em menos de cem páginas escritas de forma muito simples, o autor consegue construir uma história tão completa e um tão cativante equilíbrio. Equilíbrio entre a inocência e a ingenuidade da infância, dos irmãos que, com todo o amor tentam salvar o seu porquinho, e o pragmatismo quase cruel da vida adulta. Entre o interesse (e as invejas) que movem os adultos e a solidariedade das crianças que partilham simplesmente uma alegria. E um equilíbrio todo ele feito de contrastes, que, de uma forma tão inocente e enternecedora, reflecte também os enredos e tribulações de uma vida em constante mudança.
Senão, vejamos: desde as decisões e intrigas dos moradores aos muito engenhosos planos das crianças, tudo parece ter subjacente alguma espécie de ideal revolucionário. E, assim, numa história tão simples como a da salvação de um porco (quase que a fazer lembrar, de início, uma Teia de Carlota), emerge uma percepção mais ampla. A de uma sociedade em que afectos e interesses coexistem e por vezes colidem. E em que a esperança nem sempre chega para se conseguir o objectivo pretendido.
Claro que, sendo a história tão breve, há pequenos elementos deixados por esclarecer. A situação da professora, as possíveis consequências de alguns dos planos mais ousados das crianças - o próprio final deixa em aberto tantas possibilidades como as certezas que apresentam. Mas, se isto deixa uma sensação de que mais se poderia dizer sobre esta história e estas personagens, também é verdade que a história, tal como é, serve um propósito. O de realçar o essencial. E fá-lo com uma estranha leveza, envolvente, às vezes até divertida - dizendo as verdades complexas da mais simples e clara das formas. O que acaba por ser, também, uma qualidade.
Trata-se, pois, de um livro breve e simples, mas em que, a partir das pequenas coisas e da inocência dos mais novos, se reflecte também sobre umas quantas verdades da vida. Cativante, muito bem escrita e com um equilíbrio delicioso entre a seriedade e o humor, uma história leve, equilibrada e muito interessante. Gostei.
Título: Quem me Dera Ser Onda
Autor: Manuel Rui
Origem: Recebido para crítica
Sem comentários:
Enviar um comentário