Filha do senhor da terra, Verónica conhece aquele que virá a ser o seu homem num bar e, em menos de nada, dá por si casada, fruto de terem sido apanhados em flagrante no mais delicado dos momentos. A união, ainda assim, não desagrada a nenhum deles e a relação parece fluir com naturalidade. Mas o marido de Verónica guarda grandes segredos e os tempos que se vivem são de revolução. E as escolhas, os actos e os planos traçados na noite terão duras consequências para a vida que ela sempre conheceu.
Narrada pela voz dos protagonistas e centrada essencialmente nos acontecimentos e percepções de ambos, este é um livro que surpreende, em primeiro lugar, pelo registo que adopta, pois, sendo, no fundo, a história de um casal, o romance é, talvez, o mais secundário de todos os elementos que a constituem. Sim, há o encontro, a descoberta, o casamento e a vida depois dele. Mas tudo parece convergir para a revolução em curso, para os planos e para as mudanças e a nova ordem que se instala. E assim, apesar da proximidade das personagens, o enredo acaba por se distanciar um pouco da faceta emocional - realçando antes as diferenças entre os dois mundos em colisão.
Trata-se de um livro relativamente breve e, apesar disso, com um ritmo relativamente pausado. Isto porque, tanto como as experiências e pensamentos dos protagonistas, importa o contexto mais vasto em que estes se movem. As visões diferentes de Verónica e do marido, a forma como entendem a revolução em curso, as ideias que têm a contrapor às dos latifundiários... tudo isto leva o seu tempo a ponderar e, assim sendo, o ritmo da leitura acaba por ser um pouco mais lento. Mas não menos envolvente, já que de tudo isto se retira muito de interessante, não só no que diz respeito ao contexto histórico, mas principalmente na forma como estas percepções moldam a evolução dos próprios protagonistas.
O que me leva ao fim da história, que culmina no que parece ser um ponto de viragem, mas que deixa em aberto várias possibilidades. Deixando alguma curiosidade insatisfeita, mas também a sensação de ser o ponto certo para encerrar a narrativa. De Verónica e do marido, ficam alguns segredos por revelar - não só ao leitor, mas principalmente um ao outro. Mas fica, principalmente, a ideia de um futuro novo, o que, tendo em conta o clima de mudança em que toda a história parece assentar, dificilmente podia ser mais adequado.
A impressão que fica é, em suma, a de uma história simples e cativante, com um olhar bastante preciso sobre as mudanças trazidas pela revolução e uma forma bastante interessante de salientar o choque de mentalidades em tempos de mudança total. Uma boa leitura, portanto. Gostei.
Título: E Ficou a Terra
Autora: Carla Ramalho
Origem: Recebido para crítica
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