Há quem diga que o inferno é fogo e enxofre, outros que se trata de uma ausência. Dante dividiu-o em círculos, com diferentes tormentos reservados às várias classes de condenados. E há até quem diga que o inferno são os outros. Neste livro, o inferno é talvez um pouco de tudo isso, pois, para cada círculo, para cada classe de alma, traça novas formas de inferno - tormentos, abismos, vazios - ao mesmo tempo que contrapõe à antiga visão uma nova e muito actual. O inferno... bem, o inferno pode ser tudo. E é precisamente essa percepção que torna este livro tão memorável.
Algo que fica sempre no pensamento ao ler um livro de poesia é o contraste entre a individualidade de cada poema e a imagem global formada pelo conjunto. Bem, este livro vai um pouco mais longe. Todo ele é um todo coeso, um percurso mais ou menos sequencial - ainda que cada poema mantenha efectivamente a sua independência - aos profundos e fascinantes infernos que traça. Parece ter sido pensado como um todo e é precisamente essa a impressão que fica. Nem nós somos Dante nem o autor é Virgílio, mas o caminho é, ainda assim, uma viagem. E uma viagem notável.
Também notável é o contraste entre o actual e o intemporal. O inferno é um mito universal e a sua presença sente-se nos ecos quase lendários que se vão reflectindo em cada poema. E, em contraste com este registo quase mítico, surge uma muito viva contemporaneidade. Elementos do quotidiano confundem-se entre abismos de escuridão possivelmente mental. Infernos de fogo e enxofre dão lugar a infernos interiores de rotina. E tudo parece conviver num equilíbrio perfeito. Tudo é diferente, mas tudo pertence. Tudo faz sentido.
E há ainda um outro ponto que importa destacar. Inferno significa condenação e condenação implica julgamento. É, pois, apenas natural que este tema seja dominante ao longo de todo o livro. Juízo final, claro, mas também os múltiplos julgamentos da vida. Também aqui, presente e intemporal parecem convergir e o resultado é fascinante.
Feito de medidas iguais de contemporaneidade e lenda, bem como de uma fusão perfeita de profundidade e aparente simplicidade, trata-se, pois, de uma descida ao inferno com tanto de sombrio como de estranhamente natural. Belo, evocativo e repleto de palavras marcantes, um livro que fica na memória - e que, logo ao chegar ao fim, apela ao regresso.
Título: Inferno
Autor: Pedro Eiras
Origem: Recebido para crítica
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