Que imagem assume a morte para um homem que não acredita em Deus, mas sente a sua falta? E de que forma evolui a percepção da mortalidade e da persistência com o decorrer da vida e a aproximação da velhice aos olhos de alguém que não acredita numa existência após a morte? Eis duas das principais perguntas a emergir da longa e profundamente filosófica reflexão que vai sendo desvendada ao longo deste livro. Um livro que não é exactamente uma autobiografia, mas contém muito da vida e das memórias do autor.
Tendo em conta os temas a que este livro se dedica, não é propriamente uma surpresa que não seja uma leitura leve. Morte, envelhecimento, deterioração de sentidos e memórias, velhice, distanciamento, perda de identidade. Tudo isto está, de alguma forma, presente neste livro, que, tendo o autor que tem, assume necessariamente também uma certa medida de complexidade, tanto na visão como na escrita. Mais surpreendente é a forma como, desta introspecção profunda, complexa e maioritariamente filosófica, emergem não só questões de universalidade, mas sobretudo memórias pessoais. Não é, diz o autor, uma autobiografia. E, ainda assim, são as suas histórias pessoais o que mais fica no pensamento.
Também não é um romance, o que é algo que importa salientar porque toda a estrutura do livro parece realçar a convicção do autor de que a vida não funciona como uma narrativa. Às vezes, quase adquire o tom de uma narrativa, com as histórias de vidas e mortes de autores, familiares e conhecidos. Outras, mergulha a fundo na dissecação científica ou filosófica das questões que rodeiam a memória, o envelhecimento e a morte. E, sendo isto acompanhado por múltiplas histórias, é quase impossível não querer saber mais sobre estas vidas, mas nem todas as respostas estão lá. A vida pode ter princípio e fim - e eis que surge aqui também a questão da possível vida depois da morte - mas tem também muitas pontas soltas. E a própria construção deste livro realça esse facto.
Um último ponto a salientar é que, apesar do ritmo relativamente pausado, inevitável, de certa forma, dada a complexidade dos temas e a profundidade com que são analisados, a escrita nunca deixa de ser fascinante. São muitas as frases memoráveis a reter deste livro e os pensamentos que ficam na memória. Junte-se a isto o recurso frequente ao que parecem ser os escritores de eleição do autor e o resultado é, além de uma meditação profunda sobre a morte e seus companheiros, uma visão da sua inexorável influência na vida e obra de múltiplos autores.
Não é uma leitura ligeira. Exigirá tempo, concentração e talvez até um certo estado de espírito para assimilar esta profunda abordagem à morte e à eternidade em todas as suas facetas. Mas, entre as histórias do autor, a exploração filosófica do tema e o vastíssimo material de reflexão nele contido, trata-se de um livro que justifica todo o tempo, concentração e estados de ânimo necessários. E que fica na memória, não só por aquilo que conta, mas sobretudo pelas questões que deixa atrás de si...
Título: Nada a Temer
Autor: Julian Barnes
Origem: Recebido para crítica
Sem comentários:
Enviar um comentário