Passaram 1600 anos desde o Éden... e o mundo já se transformou num inferno. Dominado pela violência, persiste apenas na sobrevivência dos mais fortes... ou dos mais cruéis. E é neste mundo de sangue e de horror que caminha um homem que não pode morrer. Caim, filho de Adão. Autor do primeiro homicídio. Causa de toda a destruição... e, talvez, da única salvação possível. Deambulando pelo mundo, Caim procura a morte, jamais podendo encontrá-la. E, sob a fachada da indiferença, esconde um coração mais profundo.
Provavelmente o aspecto mais marcante deste livro é o facto de partir de uma narrativa mais que sobejamente conhecida, para fazer dela uma visão bastante menos... inocente. Claro que há violência na história de Caim e Abel, mas esta história vai bastante para além disso. E a visão que temos de Noé e da sua arca será provavelmente bem diferente da que este livro apresenta. O primeiro aspecto a ficar na memória é, pois, este: a visão de um Génesis bem mais negro, violento e apocalíptico do que alguma vez poderíamos imaginar.
Outro elemento que se destaca é o caos, até porque é ele que domina este mundo. Neste aspecto, é naturalmente a arte que se destaca, com as longas cenas de acção, pejadas de pormenores e de amontoados de combatentes, cadáveres e tipo o tipo de destroços a salientar em toda a sua brutalidade a violência desenfreada que se apossou deste mundo. Mas é particularmente interessante o contraste entre esta absoluta desordem e o aparente caos ordenado que envolve a figura de Caim. Por onde passa, deixa sobretudo morte, mas arrasta consigo uma pesada sombra. E essa sombra, surpreendentemente mais visível nos momentos mais pausados, contrasta com o caos geral por ser fruto de uma visão mais profunda. Pode ter sido a origem de tudo, mas é talvez Caim quem mais sente as consequências do inferno que desencadeou. E isso é tão evidente nas ocasionais frases certeiras que lhe saem no momento ideal como na expressão surpreendentemente melancólica que, por vezes, emerge do meio do caos.
Sendo o primeiro volume de uma série, não é propriamente uma surpresa que fiquem questões sem resposta, principalmente tendo em conta a forma como termina a situação com Noé. Ainda assim, e apesar da ligeira curiosidade insatisfeita sobre que forma poderá tomar o futuro, o que fica na memória é sobretudo a intensidade de um final implacável, não só pelo inesperado das circunstâncias, mas sobretudo pelo que reflecte da humanidade - ou falta de - que habita este mundo.
Cruel e caótico de uma forma surpreendentemente eficaz, trata-se, pois, de um livro que, situado em pleno apogeu da violência humana, constrói para os protagonistas bíblicos um percurso bem mais duro e empolgante do que o habitualmente imaginado. Um caos que faz absoluto sentido - e que transborda de intensidade.
Autor: Jason Aaron, r. m. Guéra e Giulia Brusco
Origem: Recebido para crítica
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