quinta-feira, 27 de agosto de 2020

O Conto da Sereia (Onofre dos Santos)

Amor. Da primeira paixão da juventude a uma sucessão de fantasias e aventuras mais ou menos imaginadas, passando pelo fantasma dos últimos dias que tão vincadamente evoca o amor à vida. É o amor o cerne deste livro que, apesar de breve, abrange múltiplas facetas, num registo leve quanto baste, mas suficientemente introspectivo para apelar à reflexão.
Diálogos na Areia, o conto que abre este livro, fala do amor juvenil por uma rapariga mais velha e de todos os devaneios e fantasias de um rapaz que se prepara para amar. Bastante simples e centrado sobretudo nos diálogos, destaca-se essencialmente pela forma como retrata a inocência - e inconsequência - do amor na juventude, feito de sonhos e de promessas sem muito fundamento real.
Segue-se A Mulher Imaginária, história de uma relação virtual unidireccional, que começa por um contacto real, mas se vai aprofundando na imaginação do protagonista. Mais denso e introspectivo do que o conto anterior, cativa sobretudo pela forma como reflecte a solidão das ligações do mundo moderno. O homem que fala para a internet e recebe apenas silêncio é uma forma nova - mas, de certa forma, intemporal - de amor aparentemente não correspondido, virtual, mas cheio de emoção, mesmo assim.
Que Esperas de Mim?, o conto seguinte, fala de uma sedução falhada e de um julgamento mais ou menos imaginado. Peculiar, um tanto ambíguo na linha que separa a realidade da imaginação do protagonista, cativa sobretudo pela cadência da escrita e pela forma como, embora não sendo propriamente a mais carismática das personagens, é, ainda assim, possível sentir alguma empatia pelo protagonista.
Segue-se Um Domingo Feliz, história de uma refeição entre amigos pontuada pela presença de uma mulher (possivelmente) imaginária. Mais uma vez, sonho e realidade confundem-se, num registo relativamente ambíguo, mas também estranhamente envolvente com as suas aspirações aparentemente impossíveis.
Blue Moon situa-se em dia de lua azul (e de eleições) e narra mais um encontro do protagonista/narrador com a sua recorrente amada impossível. Mais uma vez, dominam os sentimentos e o ambiente de quase irrealidade, dando voz a um amor com tanto de impossível como de mil vezes visualizado.
Uma História d'O fala de uma amizade de juventude perpetuada através de uma medalha de elevado valor simbólico. Mantém-se o tema recorrente do amor ao longo da passagem do tempo, agora com uma linha mais clara a separar passado e presente, mas com a mesma envolvência introspectiva e um ligeiro rasgo de inocência que prevalece.
Segue-se Meu Amor em Película, outro amor de juventude, feito de olhares à distância e de contactos desastrados, que depois se transforma em distância e... redescoberta. Relativamente pausado, até porque as descrições são bastante extensas, deixa sobretudo na memória a visão detalhada da amada moldada pelo amor na mente do protagonista.
Papagaio Falador faz de um papagaio invasor o ponto de partida para um primeiro e arrebatador encontro. Caricato na peculiar figura do papagaio, cativante na caracterização das rotinas do protagonista e surpreendente na forma como tudo termina, um conto leve e peculiar sobre o inesperado.
Luanda o Primeiro Dia mergulha na história - mais ou menos imaginada, mais ou menos passada de geração em geração - do primeiro homem a pisar o solo de Luanda. É, como habitual, uma história de amor, mas feita também de paisagens e de avanços e recuos nos séculos que lhe conferem um tom algo mítico.
Segue-se o conto que dá nome ao livro. O Conto da Sereia transporta para o futuro o amor juvenil do início deste livro, traçando para ele novas memórias na já familiar ambiguidade entre o real e o imaginado. Ambíguo nos acontecimentos, mas cativante nas palavras, cria um bom elo de ligação com a história do primeiro conto.
E tudo termina em A Porta, história de uma quinta dimensão que inspira a escrita, mas que esconde também os seus perigos. Mais pausado e também mais introspectivo, distancia-se um pouco para outro tipo de amor, sem com isso perder a envolvência, a que acrescenta um poderoso factor surpresa no final.
Terminada a leitura, a impressão que fica é a de uma leve, mas envolvente viagem aos meandros do amor, explorando sobretudo os efeitos que tem sobre aquele que o sente. Simples quanto baste, mas cativante e agradável, uma boa leitura, em suma.

Autor: Onofre dos Santos
Origem: Recebido para crítica

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