terça-feira, 22 de setembro de 2020

A Pantera das Neves (Sylvain Tesson)

Convidado pelo fotógrafo Vincent Munier a visitar o Tibete, no rasto da misteriosa e cada vez mais rara pantera-das-neves, Sylvain Tesson aceita partir em viagem, longe, talvez, de imaginar o impacto da visão dessa esquiva criatura. Pois, mais que um percurso de viagem, a busca da pantera-das-neves acaba por se tornar um percurso de descoberta. De descoberta interior, sobretudo, tal como este livro bem evidencia.
Uma das primeiras coisas que importa referir sobre este livro é que é bastante diferente do que à partida se espera de um livro de viagens. Os locais não são, muitas vezes, descritos pelo nome, e há uma razão válida para que assim seja, o que torna o percurso mais ambíguo, deixando mais espaço à imaginação. Além disso, o próprio relato que o autor vai traçando tem tanto de visão exterior como de contemplação exterior. E assim, as descrições exteriores - com excepção, naturalmente, dos animais - acabam por ser mais breves do que a ampla poesia e introspecção.
Não se fica propriamente com a sensação de ter viajado ao Tibete, o que, curiosamente, acaba por ser, a espaços, uma qualidade. É que estas descrições relativamente ambíguas, associadas à contemplação quase extática do "absoluto e das coisas", conferem ao percurso uma aura quase lendária, como que de um outro mundo que se insinua por entre a realidade. O que falta em detalhes específicos é amplamente compensado pela introspecção ora poética, ora filosófica, mas sempre muito certeira que marca o verdadeiro ritmo deste livro. E não faltam frases memoráveis para o salientar.
É um livro relativamente breve, o que contribui também para que a viagem não seja descrita de forma muito pormenorizada. Mas não deixa de ser também marcante a forma como a escrita reflecte a aura de fascínio que parece apossar-se do autor durante a experiência. Junte-se a isto a reflexão que emerge sobre o papel do homem no mundo e a sua relação com o ambiente e os animais e o resultado é um equilíbrio eficaz entre viagem interior e exterior, entre visão e reflexão.
Relato de uma viagem onde os locais são o que menos importa, trata-se, pois, de um livro que, ambíguo quanto baste nas descrições, consegue, ainda assim, traçar uma visão precisa da descoberta interior e exterior. Da pantera... e sobretudo daqueles que a contemplam.

Autor: Sylvain Tesson
Origem: Recebido para crítica

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