sábado, 9 de janeiro de 2021

A Rapariga Invisível (Carlos M. Queirós)

Quando chega ao hospital para uma consulta com um neurologista, a quem deverá mostrar os resultados dos exames que fez, Rafael Castro teme já que as notícias possam não ser boas. Mas está longe de imaginar o que o espera. Esquecido na sala de espera em virtude de uma urgência, vê-se inesperadamente acompanhado por uma menina que anda a deambular por ali sem que ninguém se interesse com ela. O problema é que mais ninguém a vê. A explicação mais lógica parece ser uma alucinação provocada por seja qual for o problema que Rafael tem na cabeça. Mas Eva sabe coisas que o próprio Rafael não pode saber. E é esse o primeiro indício de que, seja aquela criança o que for, visão, fantasma ou outra coisa qualquer... o que é certo é que tem uma missão para lhe transmitir.
Com um óbvio elemento sobrenatural, mas caracterizado de uma forma algo diferente do que seria de esperar de uma história envolvendo visões do "além", é nas particularidades deste contexto que está provavelmente a maior força deste livro. Eva é, à falta de melhor palavra, um fantasma, mas a forma como este tema é desenvolvido segue um caminho bastante diferente do das almas penadas, do céu e do inferno. Além disso, a busca de uma possível explicação científica para os acontecimentos invulgares é também uma das forças motrizes da história, o que acaba por dar origem a vários desenvolvimentos inesperados. Assim, é a visão diferente de um tema relativamente comum que torna esta leitura imprevisível, apesar dos aspectos aparentemente familiares.
Há também outro grande tema a pairar sobre toda a história, materializado na forma de Rita e do seu coma alegadamente irreversível. É, aliás, esta situação o cerne da grande missão que move o enredo. Mas, mais do que este sentido de missão e a convergência de factores naturais e sobrenaturais na expectativa de operar o milagre, o que sobressai desta abordagem é a moralidade dúbia que faz com que as personagens tomem, por vezes, decisões que são, na melhor das hipóteses, censuráveis. Além disso, várias das personalidades são, por natureza, contraditórias, o que significa que nem sempre é fácil compreender as suas acções (ainda que faça também um certo sentido, pois também elas não as compreendem).
Tendo em conta os temas, é ainda inevitável um certo lado introspectivo, que faz com que a leitura seja, a espaços, um pouco mais pausada. Ainda assim, os capítulos relativamente curtos, associados aos picos de intensidade de certos momentos e à também inevitável emoção associada às circunstâncias fazem com que a leitura nunca deixe de ser cativante e nunca se esbata a vontade de saber mais, mesmo quando as escolhas das personagens são difíceis de entender.
Tudo somado, ficam alguns sentimentos ambíguos, mas sobretudo a sensação de uma história interessante, surpreendente e com uma boa dose de material para reflexão. Uma boa leitura, em suma, e uma visão diferente do sobrenatural.

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