Em tempos, teve uma vida normal. Uma filha, um companheiro, um emprego, um nome. Agora, tudo isso desapareceu. Reduzida à sua capacidade de gerar filhos, passou a ser simplesmente Defred, uma Serva ao serviço do Comandante e da sua mulher, a quem tem como única missão dar um filho. Mas ainda se lembra de como era antes e, embora possa parecer que tudo foi reduzido ao autoritarismo da fé, Defred não é a única a recordar-se. E a querer resistir, ainda que apenas nas pequenas coisas. Até porque obedecer a todas as regras está longe de ser garantia de segurança.
Sendo a adaptação de um livro brilhante e de uma história que se tornou também conhecida noutros formatos, a primeira pergunta que surge ao partir para esta leitura é inevitável: estará à altura? Bem, está. Supera, aliás, todas as expectativas, ao dar ainda mais vida e intensidade, através da arte espantosa, e do equilíbrio entre singularidade e fidelidade ao original, a uma história que é, por natureza, impressionante.
Tudo o que impressionou no romance original está também presente nesta novela gráfica, desde a impressionante e assustadora construção do sistema à forma como a importância da memória é realçada, passando pela sempre actual e pertinente questão de quão facilmente podem ser perdidos os direitos conquistados que temos como certos. E as próprias palavras são familiares, apesar das diferenças de formato. É fácil reconhecer aqui as frases mais marcantes do romance. E, assim, nada falta em nenhuma das versões, ainda que sejam naturalmente distintas - e naturalmente complementares.
Quanto ao aspecto visual, basta um primeiro folhear para reconhecer o cuidado em caracterizar o mais exactamente possível os vários aspectos desta sociedade. Mas o impacto não fica por aí. As variações na estrutura, associadas ao vermelho que transborda das páginas e a um toque quase onírico que, a espaços, quase parece transformar em imagens os pensamentos da protagonista, fazem com que todo o percurso fique gravado na memória. E não importa se já se conhecia a história ou não, pois, mesmo conhecendo, a impressão que fica é a de uma familiaridade tingida (a vermelho, naturalmente) com algo de singular e de novo.
Simultaneamente familiar e inesperada, mais actual do que nunca nos seus temas intemporais, memorável nas palavras, arrebatadora na arte e fiel ao original, mas capaz de o transformar em algo de novo. Assim é esta versão de A História de uma Serva: a mesma, mas diferente; a mesma, mas intensificada; a mesma, mas magistral de uma forma totalmente nova. Sublime, em suma.
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