Está iminente a guerra entre novos e velhos deuses, e é preciso acelerar os preparativos. Mas há quem procure Shadow com outros fins. Por isso, entre as suas viagens de um lado para o outro para contar os seus aliados, Wednesday manda-o para uma casa em Lakeside, onde, se se mantiver discreto, deverá estar em segurança. Mas são poderosas as forças em movimento. Os novos deuses têm mais poder do que seria de imaginar e há um enigma em Lakeside que deixa Shadow intrigado. As alianças, essas, são frágeis - e nem a palavra de um deus é inviolável.
Um dos aspectos mais cativantes deste segundo volume é a facilidade com que se regressa aos ritmos da história. Isto é particularmente notável tendo em conta a sua complexidade, bem como a relativa dispersão vinda dos interlúdios e dos recuos ao passado. A verdade é que há várias ramificações neste livro e o que as une nem sempre é absolutamente claro, mas a sensação que fica é a de que tudo pertence. Tudo faz sentido, embora nem todos os porquês sejam ainda evidentes. Afinal, a história não acaba aqui. E este percurso de respostas que abrem caminho a novas perguntas tem o condão de gerar uma curiosidade irresistível em saber o que acontece a seguir. Principalmente para quem, como eu, ainda não leu o romance que serve de base a esta adaptação.
Há também uma poderosa empatia no que diz respeito ao protagonista. Shadow é alguém que cometeu vários erros no passado (e continua a cometer alguns), mas que se viu apanhado no meio de algo muito maior do que a sua mera humanidade. Isso torna-o meio perdido e melancólico, além de especialmente vulnerável. E é essa mesma vulnerabilidade que torna o seu percurso tão fascinante: é um homem sozinho no meio de uma guerra de deuses, tão perdido como qualquer outro ser humano.
Não faltam ao longo deste livro frases memoráveis, tanto nos diálogos como na narração. As origens estão, ao fim e ao cabo, num romance. Mas é também algo de impressionante ver a forma como a arte amplifica o impacto destas frases, seja nas expressões de Shadow, na forma como projecta em cor e estranheza as facetas mais oníricas da história ou até no simples contraste entre o que se passa no mundo "normal" e para lá dele.
Finda a leitura, ficam duas impressões notáveis: a sensação de se ter percorrido - e em boa companhia - um fascinante percurso, e uma vontade quase irresistível de descobrir, o mais cedo possível, que destinos se seguem para o solitário Shadow. Belíssimo, intrigante e com uma harmonia incrivelmente certeira entre texto e imagem, individual e global, um livro a recordar.
Título: Deuses Americanos - M. Ainsel
Autores: Neil Gaiman, P. Craig Russell e Scott Hampton
Origem: Recebido para crítica