quarta-feira, 4 de março de 2020

Marionetas sem Fios (Tadea Lizarbe)

Ava acaba de perder o marido, e com ele a sua razão de viver. Bruna é a agente de polícia que lhe levou a notícia. E ainda nenhuma das duas sabe que têm mais em comum do que imaginam. Têm um lado sombrio, que, no caso de Ava, aplaca um pouco os seus instintos suicidas, enquanto no de Bruna lhe permite ser uma agente mais perspicaz e ver o que mais ninguém vê. Mas este lado sombrio atrai também outro tipo de perigos, pois há uma sociedade secreta à espreita a quem as suas capacidades interessam. Uma sociedade que não tem grandes escrúpulos no que toca a recrutar os seus membros - e a eliminar os seus adversários.
Provavelmente o aspecto que mais se destaca neste livro é o equilíbrio entre sombras e leveza que atravessa toda a narrativa. Sombras que vão da perda de Ava ao lado sombrio das duas protagonistas, passando pelas intenções obscuras do Cipreste e pelo lado meticuloso e macabro do planeamento dos crimes. Leveza no humor resultante da estranheza da personalidade de Bruna, do ténue amor que ameaça florescer e das vozes interiores das protagonistas, bem como na naturalidade com que tudo parece encaixar sem dar, ainda assim, respostas absolutas.
É no que toca a essas mesmas respostas que surgem os sentimentos ambíguos. Esta não é uma história que termine com uma ou outra ponta solta, deixa muito em aberto, tanto que fica na dúvida a possível existência ou não de uma sequela. Tal como é, é impossível não ficar com uma sensação de curiosidade insatisfeita, que faz, aliás, algum sentido tendo em conta as facetas ocultas das protagonistas.
Mas é o mistério, com as suas bizarrias, a alma deste livro e, assim sendo, pese embora a impossibilidade de evitar uma certa insatisfação face ao final aberto, é nas movimentações dos múltiplos intervenientes, com as muitas revelações que vão surgindo, que surge também uma das maiores forças deste livro. Ao dividir a narrativa entre os pontos de vista de Ava e Bruna, a autora abre as portas dos pensamentos de ambas, conseguindo, ao mesmo tempo, ir desvendando as pistas sem nunca esbater a aura de mistério. Além disso, toda a intriga em torno do Cipreste - e da sua verdadeira natureza - está repleta de elementos curiosos e ambíguos, o que só vem realçar a tal dúvida sobre a possibilidade de uma continuação para esta história.
Tudo somado, fica a impressão de uma leitura leve quanto baste, mas também surpreendentemente sombria, em que as surpresas se vão sucedendo e a mente das personagens se revela também inesperadamente complexa. Deixa muito sem resposta, é certo, mas cativa da primeira à última página. E isso é mais que o suficiente para fazer com que a leitura valha a pena.

Autora: Tadea Lizarbe
Origem: Recebido para crítica

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