Nel tinha uma obsessão pelo Poço das Afogadas e pelos mistérios a ele associados. Estava longe de imaginar que se tornaria também parte do mistério. Mas quando o seu corpo é retirado das águas, as perguntas começam a surgir - e com elas os segredos. Nel podia não ser a pessoa preferida dos habitantes da vila, mas tinha uma boa vida e um projecto que a entusiasmava. Por isso, a hipótese de suicídio não parece ser muito provável. Mas, num meio tão pequeno e onde tantos têm tanto a esconder, as dúvidas e as suspeitas não tardam a manifestar-se - não só na mente de quem investiga a morte, mas também das pessoas mais chegadas a Nel. Afinal, o Poço das Afogadas guarda segredos antigos. E esse tipo de segredos não se revelam sem graves consequências...
Sendo este livro da mesma autora de A Rapariga no Comboio, há, à partida, algumas características que eram expectáveis: a pouca fiabilidade das memórias e declarações das personagens, a teia de segredos e reviravoltas em que cedo se torna claro que ninguém é o que parece, o desvendar de segredos pessoais que implicam consequências perigosas. Tudo isto fazia parte de A Rapariga no Comboio e faz também parte deste novo livro. Mas há um novo elemento - ou talvez uma evolução - que também se torna claro desde muito cedo: o crescendo de complexidade, e ao mesmo tempo de intensidade, que parece definir toda a narrativa deste livro e que, despertando a curiosidade desde muito cedo, não deixa de surpreender até às últimas linhas.
São muitas as personagens que está história acompanha e, assim sendo, muitas as perspectivas para o mistério que lhe serve de base. E, claro, nem tudo o que uma personagem pensa é corroborado pela seguinte, pois cada uma tem interesses próprios a defender. É isto, em parte, que torna a história tão fascinante, pois, não se podendo à partida acreditar no que uma determinada personagem conta ou pensa, o mistério adensa-se, não só quanto ao que realmente aconteceu, mas ao que move cada um dos intervenientes. E, à medida que as respostas vão surgindo, novas perguntas emergem, abrindo caminho a um percurso de descoberta que nunca deixa de fascinar.
Mas, se grande parte da história vive, de facto, do mistério e da surpresa, também na construção das personagens e do ambiente em que se move tem muito de intrigante, não só pelas características mais ou menos peculiares, capazes de despertar empatias e ódios (às vezes, e em diferentes fases, pela mesma personagem), mas também pela forma como as suas motivações lhes moldam os actos. Há todo um conflito de mentalidades latente na base deste mistério e também esse contribui para acrescentar à complexidade do enredo. E, sendo certo que as pessoas talvez não mudem, as possibilidades que estas diferenças representam vêm também tornar tudo mais interessante, fazendo com que, mesmo quando a resposta para o sucedido não é clara, seja possível imaginar a parte que fica por dizer.
E claro, depois há a escrita e a forma como a autora consegue entrar na mente das suas várias personagens, dando a cada uma delas uma voz única e pessoal. Isto é particularmente notório nas partes narradas na primeira pessoa, mas, mesmo nos restantes capítulos, em que a voz não é a da personagem que os protagoniza, há no desvelar dos seus pensamentos uma identidade própria que a distingue de todos os outros.
Intenso, complexo e cheio de surpresas: assim se pode descrever este Escrito na Água, história de um lugar cheio de mistérios e de gente tão misteriosa como os meandros em que se movem. Intrigante desde as primeiras páginas e surpreendente do início ao fim, um mais que digno sucessor para A Rapariga no Comboio. Muito bom.
Título: Escrito na Água
Autora: Paula Hawkins
Origem: Recebido para crítica