O sonho de ser escritor não é algo de assim tão invulgar, embora possa ter origens, perspectivas e aspirações diferentes para cada um dos que partilham desse sonho. Mas uma coisa é certa: não será um caminho fácil. Este livro percorre as diferentes facetas do processo criativo, do que se passa depois da escrita e da publicação, bem como dos outros elementos que acompanham a vida de um escritor - antes e depois de ser publicado, no sucesso e no fracasso, nos dias bons... e nos outros. E já sabíamos que o caminho não era fácil, mas há aspectos de que talvez jamais nos tivéssemos lembrado.
A primeira coisa que importa dizer sobre este livro é que, se estão à espera de um simples manual com passos, dicas e outras coisas do género, esqueçam. Não é esse tipo de livro. E, ainda assim, é possível retirar dele várias ideias. Sendo explicitamente orientado para o escritor "literário" - nota-se, aliás, por vezes, como que um ligeiro desdém por outros tipos de livros - aproxima-se também, às vezes, de uma visão algo poética, ligeiramente maldita, até, do escritor. "Condenado à literatura" é, aliás, uma das frases mais notáveis do livro. Mas não deixa de fora os aspectos práticos: edição, publicação, sobrevivência financeira, técnica, enredo, títulos... Tudo isto está presente, de alguma forma, numa visão que é, acima de tudo, subjectiva - como poderia não ser? - mas que tem também muito de pragmático.
É talvez por isso mesmo que, apesar de ser pensado, acima de tudo, para os que querem ser escritores, consegue, ainda assim, ser também uma leitura marcante para os que deixaram essas aspirações e até para os que nunca as tiveram - preferindo a leitura. É que, ao longo deste manual/percurso de sobrevivência, vai surgindo também, aos poucos, a história do seu autor. E há como que uma proximidade que se cria, seja ela de aspirações partilhadas, seja do mero vislumbre do outro lado do que conhecemos como um volume acabado. E, sim, haverá também divergências - de método, de opinião, que importa? A tão presente "Mãe-Literatura" tem também desígnios insondáveis. E há algo de estranhamente sedutor no fascínio que emerge desta enumeração de possíveis dificuldades.
Há ainda um último ponto que fica na memória. A ideia de ler como um escritor é uma das mais presentes ao longo de todo este texto, e escusado será dizer que são muitos os nomes referidos. O resultado, claro, é um reencontro com vários nomes conhecidos e uma pequena lista de outros a descobrir. Mas também a preferência literária é subjectiva, não é verdade? E há um segundo efeito: a de ficarmos com uma ideia, vaga quanto baste, mas muito interessante, das opiniões do autor sobre outros autores. Com as quais podemos concordar ou não.
Chama-se Manual de Sobrevivência de um Escritor - e é exactamente disso que se trata, da experiência pessoal do autor. Claro que é possível extrair dela muitas ideias e conselhos úteis, principalmente para quem ainda quiser ser escritor. Mas o que fica é, acima de tudo, outra coisa: uma imagem precisa e profundamente pessoal da beleza e da complexidade das palavras.
Autor: João Tordo
Origem: Recebido para crítica