Rogério Paulo nasceu no bairro durante um tremor de terra, assombrado já pela morte do primo dois dias antes de nascer. E, sem saber bem como ou porquê, viu-se plantado numa vida da qual parece ser impossível sair - ainda que haja quem os queira expulsar de lá. Cresce entre sombras e sonhos, inocência que se vai tornando implacabilidade, na companhia do amigo diabético que vai desaparecendo, do medo do monstro que frequenta a sua escola, da iminência da tomada de parte do Bairro - do seu Bairro, do único lugar que conhece - por um grupo de novos e ricos habitantes cujas intenções são, no mínimo, duvidosas. E vai-se encontrando na promessa de uma luta inevitável, entre ricos e pobres, sim, e os que estão dispostos a vender-se para conseguir o que querem.
Construído à base de sombras e de inocência, das dores - e desejos - de crescimento entrelaçadas no crescimento da própria paisagem, este não é, desde logo, um livro fácil de descrever. Até porque a voz do protagonista tem, ao longo de todo o percurso, algo de onírico e de surreal que faz com que as fronteiras da realidade se esbatam. Ainda assim, há algo de estranhamente fascinante nesta história ora introspetiva, ora brutal, onde o cruelmente real e o aparentemente impossível se fundem num equilíbrio notável.
Não é propriamente uma leitura rápida, até porque tem um ritmo muito próprio. A história de Rogério Paulo confunde-se, às vezes, com a história do Bairro, o que significa que há uma visão introspetiva - a do crescimento do protagonista - que se entrelaça com a do crescimento do cenário. Mas este início mais pausado, feito das teias do real e do improvável vai crescendo em intensidade à medida que os desenvolvimentos se sucedem. A estranheza inicial dá lugar à curiosidade e depois a uma certa empatia ambígua - como o são as personagens que a despertam - que faz com o final seja particularmente poderoso em termos emocionais. O Bairro e os seus habitantes podem não ser propriamente gente perfeita. (E quem o é, afinal?) Mas, tendo em conta os desenvolvimentos, acabam por surgir rasgos de heroísmo que acabam por ser também inesperadamente marcantes.
E importa, por último, olhar para outra voz. Sendo certo que é a voz do protagonista a contar toda esta história, há na cadência das palavras o eco de uma voz própria que, nos ritmos e na capacidade de suscitar choque, vai para lá do protagonista e parece transcendê-lo. Será a voz do autor a falar através de Rogério Paulo... ou talvez a voz do próprio Bairro. O que é certo é que há uma singularidade na cadência do texto que capta sempre a atenção, mesmo nos momentos em que a distância parece ser um pouco maior.
Pausado mas cativante, surreal, a espaços, mas com uma dose brutal de realidade, introspetivo, mas com uma visão de comunidade que transcende a história pessoal: assim é este Bairro Sem Saída, um livro que exige o seu tempo, mas que vale cada minuto.
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