quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Divulgação: Novidade Porto Editora

Uma mãe por conta própria.
Jess Thomas faz o seu melhor, dia após dia. É difícil lutar sozinha. E, por vezes, assume riscos que não devia. Apenas porque tem de ser...
Uma família caótica.
Tanzie, a filha de Jess, é uma criança dotada e brilhante a lidar com números, mas sem apoio nunca terá oportunidade de se revelar. Nicky, enteado de Jess, é um adolescente reservado, que não consegue sozinho fazer frente às perseguições de que é alvo na escola.
Por vezes, Jess sente que os filhos se estão a afundar...
Um desconhecido atraente.
Ed Nicholls entra nas suas vidas. Ele é um homem com um passado complicado que foge desesperado de um futuro incerto. Ed sabe o que é a solidão. E quer ajudá-los...
Uma história de amor inesperada.
Um mais um – A fórmula da felicidade é um romance cativante e original sobre duas pessoas que se encontram em circunstâncias difíceis.

Jojo Moyes estudou Jornalismo e foi correspondente do jornal The Independent durante 10 anos, até se dedicar a tempo inteiro à escrita criativa. Foi uma das poucas escritoras a receber por duas vezes o prémio Romantic Novel of the Year, primeiro com Foreign Fruit (2003) e mais tarde com A Última Carta de Amor (2011).
É com o romance Viver Depois de Ti que Jojo Moyes alcança os tops de vendas nos 44 países onde o livro está publicado. Com mais de 12 milhões de exemplares vendidos, Viver Depois de Ti vê a sua adaptação ao cinema, para grande alegria dos seus leitores em todo o mundo.
Jojo Moyes escreveu até à data 14 romances, que venderam 20 milhões de exemplares, dos quais destacamos Silver Bay – A Baía do Desejo, Um Violino na Noite, Retrato de Família, A Última Carta de Amor, Viver Depois de Ti, O Olhar de Sophie e Viver Sem Ti, que figuram no catálogo da Porto Editora.

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Maresia e Fortuna (Andreia Ferreira)

Aos dezassete anos, Eduardo só pensa em aproveitar a vida calma que leva, tendo como única preocupação a escolha do curso e da universidade que se seguirão depois das férias. Mas tudo muda quando se cruza pela primeira vez com Júlia. Mais velha, mas muito atraente, chama a atenção de Eduardo desde o primeiro momento. Mas a simpatia de um instante de auxílio não tarda a revelar-se algo mais complexo. É que Júlia está ali por um motivo. No passado, viveu ali um grande amor e perdeu tudo. Agora, nada a impedirá de encontrar as provas de que precisa para mostrar ao mundo que não está louca. E os segredos do seu passado porão à prova muitas vidas. 
História de relações conturbadas e de segredos que se perpetuam ao longo do tempo, este é um livro que cativa, em primeiro lugar, pela forma como equilibra uma história sempre intensa com um cenário emocional em constante mudança. Este é, aliás, um dos traços mais marcantes desta história: a forma como nenhuma das personagens é exactamente aquilo que parece ser ao princípio. De início, vemos Eduardo como o rapaz irreverente, mas de bom fundo, e Júlia como mulher injustiçada. Mas, à medida que os segredos começam a manifestar-se, que as escolhas e acções das personagens se tornam mais questionáveis, a história inclina-se para um registo mais negro. E, além do crescendo de intensidade que isto provoca, também a percepção das personagens se altera, pois cada revelação sobre o passado mostra também uma nova faceta das personagens que nele participaram.
Também muito intrigante é o facto de, embora sendo assumidamente uma história de amor, este livro ter muito pouco em comum com as fórmulas habituais do romance. Sim, há momentos de ternura, paixões a desabrochar, sensualidade em abundância e um certo toque de humor e de loucura. Mas, acima de tudo isto, há os segredos e a forma como esses segredos moldam a evolução do enredo deixa tudo o resto em segundo plano. Os afectos ganham outro tom, a paixão torna-se destrutiva e as verdades difíceis deixam marcas. O resultado é um romance mais sombrio, mais disfuncional - mas, em certa medida, também mais realista.
E depois há a escrita e a forma como a autora parece conferir a cada momento precisamente o tom mais adequado. Nas grandes discussões como nos momentos ternos, nos picos de intensidade como nos instantes de calma, tudo parece fluir com a maior das naturalidades. E isto, associado ao cenário envolvente e a umas quantas frases memoráveis que parecem realçar a intensidade dos acontecimentos, torna viciante uma leitura que chama a atenção desde o início e não deixa de surpreender até ao fim.
Cheia de surpresas e cativante desde a primeira à última página, trata-se, portanto, de uma história de amor diferente, em que os acasos e desventuras da juventude moldam um destino de consequências potencialmente devastadoras. Intenso, sombrio e surpreendente, um livro que não posso deixar de recomendar. 

Título: Maresia e Fortuna
Autora: Andreia Ferreira
Origem: Recebido para crítica

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Carrie (Stephen King)

Filha de uma fanática religiosa e educada segundo os rigorosos fundamentos da fé da mãe, Carrie White tornou-se numa rapariga estranha e, por isso, no alvo da troça de todos os seus colegas. Mas Carrie tem um segredo - tem poderes telecinéticos. E, quando o que devia ser o seu momento de conto de fadas se transforma na derradeira humilhação, Carrie decide que a vingança é tudo o que importa. As consequências serão terríveis. A devastação total. E aqueles que a desprezaram e humilharam terão finalmente o que Carrie julga que eles merecem.
Uma das primeiras coisas a surpreender neste primeiro livro de Stephen King é o facto de, mais que um livro assustador, ser um livro triste. Sim tem sangue, caos e devastação em abundância - mas, no cerne de tudo, está uma rapariga com os mesmos sonhos e aspirações de qualquer outra e que a diferença (e não a diferença causada pelos seus poderes) transformou no alvo de todas as humilhações. E este é um dos primeiros aspectos a sobressair: Carrie não é uma entidade maligna que espalha o terror à sua volta. É uma rapariga que queria viver o seu conto de fadas. E isto cria uma estranha empatia, que se mantém mesmo depois de tudo se complicar.
Também especialmente marcante é a forma como o autor constrói a história, alternando a narração dos acontecimentos (do ponto de vista de várias personagens) com excertos de depoimentos, notícias e livros escritos sobre o acontecimento central desta história. Isto sobressai, em primeiro lugar, porque dá ao livro um registo diferente. Mas, principalmente, porque insinua desde muito cedo que as coisas não vão acabar bem - criando uma aura de mau presságio que faz com que cada pequeno passo ganhe uma maior dimensão.
E, claro, é um livro de Stephen King, o que implica intensidade, choque e muitas, muitas surpresas. E, mesmo não sendo um dos seus livros mais complexos, é fácil reconhecer neste primeiro livro a mesma voz que se perpetuará em muitos outros: uma voz que prende desde as primeiras páginas, que surpreende a cada nova reviravolta e cujas histórias nunca são tão simples como à primeira vista poderiam parecer.
Tudo somado, a impressão que fica é a de uma leitura intensa, sempre cativante e que, além do registo sombrio, surpreende também pelos seus momentos mais comoventes. Marcante, inesperado e viciante, um livro mais do que à altura das expectativas. Recomendo.

Título: Carrie
Autor: Stephen King
Origem: Recebido para crítica

domingo, 27 de agosto de 2017

O Livro do Chá Matcha (Louise Cheadle e Nick Kilby)

Usado pelos monges budistas para melhorar a meditação e por estudantes para reforçar as capacidades de concentração, diz-se do chá matcha que é um superalimento com vários benefícios para a saúde.Mas o que é ao certo? Quais são esses benefícios? E de onde surgiu este ingrediente que, nos últimos anos, conseguiu alcançar novos consumidores? É a estas perguntas - e a mais algumas - que este livro pretende dar resposta.
Talvez não seja o objectivo essencial deste livro, já que a sua estrutura se assemelha mais à de um guia de utilização (sendo que as receitas ocupam mais de metade do livro), mas um dos aspectos mais interessantes neste livro está na breve história que conta sobre as origens e a evolução do consumo de chá. O ritual, a caracterização dos elementos utilizados, a evolução e o próprio processo de produção - há aqui todo um avanço histórico a acompanhar. E, sim, é algo que é descrito de forma breve, pois não é esse o elemento central deste livro. Mas fica-se com uma boa ideia das linhas base - e com muita vontade de descobrir um pouco mais.
Outro ponto forte está no facto de apresentar um elemento que ainda não é assim tão conhecido. Ouve-se muitas vezes falar nos benefícios do chá verde, é verdade. No matcha? Nem tanto. E, sendo também verdade que não é um ingrediente fácil de encontrar (pelo menos, longe das grandes cidades), é interessante notar as muitas possibilidades de utilização que os autores apresentam. 
Importa ainda realçar o aspecto visual, não só porque permite assimilar melhor certos pormenores das explicações que são dadas (nomeadamente sobre o processo de produção e os utensílios utilizados na cerimónia do chá), mas principalmente, porque, sendo grande parte do livro ocupada pelas receitas, as fotografias adquirem uma maior importância. Além disso, tratando-se de um ingrediente invulgar e particularmente colorido, ver o aspecto que confere às diferentes receitas torna a ideia de as experimentar bastante mais interessante. 
Embora o contexto histórico seja uma das partes mais interessantes deste livro, trata-se, acima de tudo, de um guia para a utilização do matcha. E, assim, ainda que os aspectos introdutórios pudessem ter sido mais explorados, a impressão que fica é a de um bom guia para descobrir as potencialidades de um ingrediente novo. Um livro interessante, portanto. 

Título: O Livro do Chá Matcha
Autor: Louise Cheadle e Nick Kilby
Origem: Recebido para crítica

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Mitologia Nórdica (Neil Gaiman)

No princípio, havia o fogo e a neblina. Depois... fizeram-se deuses. Deuses poderosos e sábios, trapaceiros e intriguistas, de inconcebível beleza ou de estranha fealdade. Deuses que perdurariam na memória do mundo e cuja história de um grande fim teria de ser também a de um recomeço. Esta é a história de Odin, de Loki, de Thor, de Freya e de tantos outros - dos deuses que surgiram no princípio e de um despertar há muito previsto. Histórias de afecto, de intriga e de traição que têm como raiz um conjunto de deuses... estranhamente humanos.
Sendo este livro essencialmente um recontar dos mitos nórdicos, não se pode dizer que seja uma história particularmente nova - principalmente se já se tiver algum conhecimento prévio desta mitologia. Mas - e este é um dos primeiros aspectos a cativar neste livro - a verdade é que isso não é assim tão importante. Contadas num tom que faz lembrar o das histórias contadas à volta da fogueira, estas aventuras lêem-se como se tudo fosse novo, como se Loki, o desordeiro, Thor, com o seu martelo, e Odin, o pai de todos, não fossem figuras mais que conhecidas. Porquê? Porque tudo flui com uma naturalidade tão simples e eficiente que tudo o resto se esquece ao entrar na história.
Outro aspecto muito interessante neste livro é a escolha das histórias em si, que parece atingir um equilíbrio particularmente delicado. Por um lado, a mistura de episódios mais conhecidos com outros menos explorados noutras obras permite descobrir algo de novo mesmo quando todas as figuras são familiares. Por outro, o facto de haver espaço para episódios leves e divertidos, bem como para outros bem mais dramáticos e sombrios, cria uma diversidade emocional que faz com não haja nada neste livro que não seja empolgante. E o resultado é um conjunto variado de aventuras, algumas com mais impacto no cenário global, mas todas cativantes e intrigantes.
E depois há as personagens. É certo que muitas das características que o autor confere aos deuses neste livro correspondem às das figuras originais nos mitos nórdicos - mas esta equivalência só faz com que tudo se torne mais real. É fácil reconhecer-lhes as facetas mais benévolas - e as mais sombrias. E o facto de todos terem comportamentos mais e menos nobres, revelando-se no melhor e no pior, realça também a humanidade destes deuses, evidente, acima de tudo, em Loki, tão capaz de meter os deuses em sarilhos como de os salvar dos problemas que causou.
Leve e cativante na sua visão dos mitos nórdicos, este é, portanto, um livro que, partindo de um conjunto de histórias já conhecidas, consegue dar-lhes um toque único e pessoal. Ao mesmo tempo que desperta emoções fortes e alimenta a curiosidade de saber sempre mais sobre este mundo de deuses e monstros - onde cada fim pode ser um novo princípio. Recomendo.

Autor: Neil Gaiman
Origem: Recebido para crítica

Para mais informações sobre o livro Mitologia Nórdica, clique aqui.

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Os 100 - Revolta (Kass Morgan)

Alcançada finalmente alguma normalidade no regresso à Terra, colonos e terrestres pacíficos começam finalmente a coexistir em harmonia. Mas, no momento em que dão início a uma festa, a paz é interrompida pela chegada de um estranho grupo. Vestem de branco e não vêm em paz. Em menos de nada, desencadeiam o caos no acampamento, matam vários elementos e levam consigo outros para parte incerta. Entre eles, Wells, Octavia e Glass. Aos que ficam para trás, resta avaliar os estragos e recomeçar, mas não podem deixar os amigos nas mãos daqueles estranhos. Por isso, Clarke e Bellamy integram um grupo de resgate que deverá seguir o rasto dos atacantes. Mas todas as vantagens parecem estar nas mãos dos inimigos, já que, mesmo no seio do grupo de resgate, a confiança não parece abundar... e a decisão certa não é propriamente fácil de discernir.
Regresso a um mundo de conflitos intensos e de relações difíceis, cedo se torna evidente que este quarto volume da série é um livro em tudo semelhante aos anteriores. Mantém-se a intensidade do registo, ditada tanto pela escrita directa e sem grandes elaborações como pelo ritmo de acção constante que define a evolução do enredo. Mantém-se também a oscilação entre os pontos de vista de várias personagens, o que permite conhecer-lhes os pensamentos dúvidas e vulnerabilidades. E, acima de tudo, mantém-se uma identidade bastante clara das personagens e daquilo que os move.
O que muda? Bem, os perigos são diferentes, as circunstâncias são diferentes (ainda que igualmente difíceis) e a forma com as personagens evoluem abre espaço também a novas interacções. Mas há, acima de tudo, um crescimento da parte de algumas das personagens, que compensa a trajectória circular que outras parecem percorrer. E é verdade que isto desperta sentimentos ambíguos, pois, se há no reafirmar de algumas relações algo de especialmente marcante, também é um pouco frustrante ver algumas das personagens cometer exactamente os mesmos erros do início. Ainda assim, há, de facto, alguma evolução nas personagens e, ainda que a caracterização seja feita ao ritmo dos desenvolvimentos, é possível reconhecer o quanto Wells, Bellamy, Clarke e Glass cresceram desde a sua chegada a Terra. E isso, claro, torna todo o seu percurso muito mais interessante.
Mas, claro, o cerne do livro é a acção. E acção é coisa que não falta nesta história. Desde os primeiros capítulos e mesmo até ao fim, há sempre alguma coisa de empolgante a acontecer, seja um perigo a enfrentar, algo a que resistir, um plano que é preciso conceber ou um obstáculo que é preciso superar. É certo que nem todos eles são inesperados, mas há em cada momento uma estranha intensidade que mantém sempre viva a vontade de saber o que acontece a seguir. E o que acontece pode nem sempre ser uma surpresa, mas nunca deixa de despertar emoções fortes.
Trata-se, portanto, de mais um livro à imagem e semelhança dos anteriores. Isto é, intenso e viciante, cheio de acção e de momentos de perigo, e com as medidas certas de emoção e de mistério. Mais uma boa história, em suma, para um conjunto de personagens que já se tornaram familiares.

Título: Os 100 - Revolta
Autora: Kass Morgan
Origem: Recebido para crítica

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Socorro, o que Me Está a Acontecer!? (Annalisa Strada e Pedro Aires Pinto)

A adolescência é uma fase complicada, em que não é só o corpo que sofre mudanças. E, quando tudo muda, pode ser difícil lidar com todos os stresses e dificuldades que acompanham essas alterações. Este livro é um pequeno guia para percorrer esse caminho da forma mais calma e natural possível, explicando as mudanças - e a melhor forma de lidar com elas - de uma forma acessível e agradável de ler.
Sendo este um livro sobre as mudanças da adolescência, não é propriamente difícil identificar o público a que se destina. Mas há um aspecto particularmente interessante nesta leitura: é que, ao centrar-se em outros aspectos para além das mudanças físicas, é possível encontrar neste livro uns quantos conselhos - principalmente no que toca às relações e à auto-estima - que, transpostos para outro contexto, podem ser bastante úteis a leitores de todas as idades. Além disso, lembrar os dramas da adolescência na idade adulta traz também consigo umas quantas memórias - o que não deixa de ser também um efeito agradável.
Bem, mas voltando ao objectivo do livro, que é explicar aos adolescentes as mudanças que têm pela frente, um dos aspectos que mais se destaca é a clareza das explicações. Há um evidente esforço em tornar tudo o mais claro possível, realçando as coisas que são normais, ainda que não pareçam, como o facto de nem todas as experiências serem iguais. Além disso, e mais uma vez, ao não se cingir às mudanças físicas, é possível retirar deste livro uma percepção mais ampla das relações: consigo mesmo, com os amigos, com o primeiro amor. A mudança é muito mais que apenas hormonal e o cuidado de realçar isto faz com que a leitura seja muito mais esclarecedora.
E, além de esclarecedora, é simples e apelativa, não só pelas ilustrações divertidas que acompanham o texto, mas também pelo registo leve do próprio texto - do qual se destacam os pequenos episódios que, protagonizados por um muito interessante núcleo de personagens, exemplificam as questões mais relevantes. Tudo para tornar a leitura mais interessante, permitindo assim aprender e assimilar de uma forma mais envolvente.
Agradável e divertido, mas com uma perspectiva bastante esclarecedora das mudanças que ocorrem durante a adolescência (e que, no aspecto emocional, se podem prolongar muito para além dela), trata-se, portanto de um livro breve, mas muito útil, não só para adolescentes, mas também para quem queira relembrar como foi passar por essa fase. Muito interessante, em suma. 

Título: Socorro, o que Me Está a Acontecer!?
Autores: Annalisa Strada e Pedro Aires Pinto
Origem: Recebido para crítica

domingo, 20 de agosto de 2017

Do Berço ao Trono (Elizabete Agostinho)

A sua eleição como papa marcou o início de grandes mudanças nas normas e protocolos e chamou novamente para a igreja muitas atenções que se tinham desviado. Mas a história da sua vida não começou nesse dia e, no percurso de Jorge Mario Bergoglio antes de se tornar Francisco, estão bem presentes as marcas que moldariam o seu caminho enquanto papa. É esta a história que a autora aqui percorre, desde a infância à descoberta da vocação e ao longo e marcante percurso que se viria a seguir. 
Ainda que o mais importante de um livro seja sempre o conteúdo, e este não seja excepção, uma das primeiras coisas a chamar a atenção para esta breve biografia é o aspecto visual. Trata-se de um livro bonito, em que o dourado das páginas lhe confere uma certa individualidade, ao mesmo tempo que as abundantes fotografias complementam o texto com um registo visual da história. E, por isso, basta folheá-lo para ficar com vontade de o ler - o que não pode deixar de ser um óptimo ponto de partida.
E, chamada a atenção para o objecto, passamos então ao conteúdo. Não é - nem parece que pretenda ser - uma biografia exaustiva, centrando-se essencialmente numa exposição simples e acessível dos elementos fundamentais. Traça um percurso bastante claro dos passos essenciais da vida do seu protagonista e expõe, em linhas gerais, os seus pontos de vista. E assim, permite conhecer melhor o homem e as ideias, sem grandes divagações, mas reforçando os pontos fundamentais do seu percurso.
Claro que isto pode ser visto de duas formas: por um lado, a leitura é, de longe, mais cativante do que se se tratasse de uma daquelas biografias longas e muitíssimo detalhadas. Por outro, há aspectos, principalmente de contexto, em que fica uma certa curiosidade insatisfeita, já que, só sobre a questão das mudanças de regime na Argentina, haveria certamente muito mais a dizer. Ainda assim, não é esse o foco do livro e, ainda que fique a tal vontade de saber mais, todos os traços essenciais do retrato que se pretende traçar estão bem presentes.
Retrato sucinto, mas preciso e esclarecedor, do papa que "continuou a ser Jorge", trata-se, em suma, de um livro breve, mas cativante e com uma construção muito bem pensada. Uma boa leitura, portanto.

Título: Do Berço ao Trono
Autora: Elizabete Agostinho
Origem: Recebido para crítica

sábado, 19 de agosto de 2017

Tempo de Dizer Adeus (S.D. Robertson)

William Curtis prometeu à filha que nunca a abandonaria, mas o acidente que lhe tira a vida demasiado cedo fez com que essa promessa se tornasse impossível de cumprir. Agora, Will vê-se morto e perante uma decisão inevitável: passar para o outro lado ou manter-se presente enquanto espírito para acompanhar a filha, como sempre prometeu que faria. O problema é que a decisão não é assim tão simples: não só o tempo que tem para decidir é limitado como as suas tentativas de comunicar com a filha podem influenciar o futuro de forma irreversível. E, invisível aos olhos de todos excepto os da filha, Will pergunta-se de que forma poderá tomar a decisão certa - principalmente quando os segredos da família começam a vir à superfície.
História de morte e de vida para além da morte, este é um livro que tem como principal ponto forte a capacidade de emocionar. Por um lado, o dilema de Will perante a promessa que fez à filha de seis anos, desperta, desde logo, uma certa empatia para com a sua situação. E depois, à medida que novas revelações vão surgindo e a vida familiar dos que ficaram começa a moldar-se às circunstâncias, também as outras personagens - e as dificuldades que têm de atravessar - começam a despertar simpatia e compreensão. 
Isto não quer dizer que todas as personagens sejam igualmente empáticas. Sendo certo que há nesta história várias figuras marcantes, com particular destaque para a pequena Ella, também as há que não chegam a revelar verdadeiramente os seus melhores traços, como é o caso de Hardy. Neste caso, fica inclusive uma certa sensação de curiosidade insatisfeita, pois teria sido interessante ver o que foi que o transformou na figura que é. Ainda assim, há um aspecto que sobressai na construção das personagens, e que contribui em muito para o impacto final. Mais ou menos carismáticas, mais ou menos vulneráveis, há uma coisa que todas as personagens têm em comum: nenhuma delas é perfeita. E isso faz com que seja possível assimilar os progressos da sua jornada, os momentos de colapso e de crescimento, de revolta e de compreensão. Torna-as humanas, portanto. Torna-as reais.
Quanto ao enredo propriamente dito, sobressaem dois aspectos: primeiro, a capacidade de construir uma história sobre a vida após a morte sem se cingir demasiado aos dogmas de um sistema específico de crenças; e depois, o potencial de evolução das personagens ao longo do enredo. Todo o percurso de Will e da família é uma história de perdas e de superação, em graus e contextos diferentes. E, a cada nova descoberta, a cada novo passo rumo à decisão (de Will e não só), há algum tipo de crescimento a acontecer. Will aprende a aceitar o que lhe aconteceu e a ver para lá de si mesmo para fazer a melhor escolha. E esse percurso estende-se também à sua família, que descobre a união para lá da perda e dos segredos.
A impressão que fica é, portanto, a de uma história terna, cativante e inocente quanto baste. Uma história de amor para além da morte e uma lembrança de que, na vida, as coisas mais importantes nem sempre são as que julgamos. Gostei.

Título: Tempo de Dizer Adeus
Autor: S.D. Robertson
Origem: Recebido para crítica

Divulgação: Novidade Presença

Neil Gaiman
Colecção: Via Láctea nº 139
Tema: Infantis-Juvenis
Título Original: Norse Mythology
Tradução: Maria João Ferro
ISBN: 978-972-23-6071-5 
Páginas: 248

As lendas nórdicas sempre tiveram uma forte influência no universo de Neil Gaiman. Neste novo livro, o multipremiado autor regressou às suas fontes para criar quinze contos relacionados com a grande saga dos deuses escandinavos, que inspiraram a sua obra-prima Deuses Americanos. Da génese do mundo ao crepúsculo dos deuses e à era dos homens, eles readquirem vida: Odin, o mais poderoso dos deuses, sábio corajoso e astuto; Thor, seu filho, incrivelmente forte mas turbulento; Loki, filho de um gigante e irmão de Odin, ardiloso e manipulador... Orgulhosas, impulsivas e arrebatadoras, estas divindades míticas transmitem-nos a sua apaixonante - e muito humana - história.

Neil Gaiman começou por trabalhar como jornalista freelancer até que em 1987 se tornou conhecido ao criar com Dave McKean a novela gráfica Violent Cases. Devido ao excelente acolhimento da obra, abandonou o jornalismo e em 1988 iniciou a publicação da série Sandman, que o transformou num autor de culto. A sua carreira tem sido extraordinariamente prolífica e a sua arte tem obtido um justo reconhecimento, quer do público quer da crítica, o que lhe valeu diversos prémios prestigiados. Alguns dos seus livros foram adaptados a grande ecrã com grande sucesso, como é o caso de Coraline e a Porta Secreta e Stardust - O Mistério da Estrela Cadente, ambos já publicados pela Presença. Neverwhere - Na Terra do Nada, uma brilhante fantasia urbana, foi inspirada numa minissérie que escreveu para a BBC. Mitologia Nórdica tem direitos de tradução vendidos para cerca de 30 países.

Para mais informações consulte o site da Editorial Presença aqui.

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Respire (Rebecca Dennis)

Respirar é algo natural - não precisamos de pensar para o fazer. Mas a forma como respiramos pode ter impacto nas nossas emoções. Quando estamos nervosos, a respiração acelera. Respiramos fundo para nos acalmarmos. Às vezes, suspiramos quando nos sentimos tristes. Mas será que respiramos da forma certa? O que este livro propõe é um olhar sobre a forma como a respiração influencia as emoções e permite ultrapassar marcas passadas e preocupações com o futuro - moldando o agora ao ritmo de uma respiração mais consciente. 
Se tivermos em conta a premissa deste livro, uma das primeiras impressões a surgir é, quase inevitavelmente, de uma certa estranheza. Afinal, respirar é algo que se faz sem pensar nisso - não tem nada de assim tão transcendente. Mas, à medida que se avança na leitura, e as ideias da autora se tornam mais claras, é possível acompanhar o desenvolvimento de um método com bastante potencial. Não, não resolve todos os problemas - nem parece que seja esse o objectivo. Na verdade, nem sequer é um método de passos estritos e definidos, mas antes um conjunto de possibilidades a cada leitor se pode ajustar. E é isso que torna este livro tão interessante, pois não exige nem uma orientação estrita, nem uma fé cega, deixando ao leitor a possibilidade de experimentar e de se ajustar ao que de bom pode retirar das orientações da autora.
Também bastante interessante neste livro é a forma como a autora complementa a exposição das suas ideias com partes da sua história pessoal, histórias de alguns dos seus clientes, citações de outros autores e vários exercícios de respiração. Os exemplos práticos permitem assimilar melhor as possibilidades que a autora apresenta ao expor as suas teorias. As referências a outros autores abrem caminho a quem quiser aprofundar conhecimentos sobre o tema. E a ampla variedade de exercícios permite que cada leitor retire do livro aquilo que mais se lhe adequar.
Claro que não se trata de nenhum método milagroso - mais uma vez, nem parece ser esse o objectivo. E, ao ler as histórias de vários dos clientes da autora, fica uma certa curiosidade em saber mais ao pormenor de que forma é que as sessões influenciaram a forma como as várias pessoas lidaram com os seus diferentes problemas. Ainda assim, a impressão que fica é, no essencial, positiva, já que, pelo menos no que toca à calma, é fácil reconhecer de que modo os exercícios apresentados podem ser úteis.
A imagem que fica é, portanto, a de um livro interessante, com vários exercícios úteis e um conjunto de boas ideias e perspectivas sobre a forma como a respiração exerce influência sobre a saúde e o bem-estar. Gostei. 

Título: Respire
Autora: Rebecca Dennis
Origem: Recebido para crítica

terça-feira, 15 de agosto de 2017

A Mulher Desaparecida (Sara Blædel)

Agora que o passado de Louise finalmente ficou para trás, ela e Eik parecem estar a construir uma relação mais sólida. Mas tudo muda no dia em que, se dar qualquer explicação, Eik desaparece subitamente. Pouco depois, descobrem que foi detido em Inglaterra enquanto tentava invadir a casa onde uma mulher foi assassinada. Tudo começa a fazer sentido quando descobrem que a morta é Sofie Parker, a namorada que Eik deu como desaparecida dezoito anos antes. Mas saber quem ela é não desvenda quem a matou. E, se o comportamento de Eik é, no mínimo, suspeito, então cabe a Louise descobrir a verdade.
Centrado essencialmente num caso com ligações ao passado, mas não se cingindo a elas, este é um livro que surpreende, em primeiro lugar, por ser possivelmente o mais leve dos três. E isto é inesperado, em primeiro lugar, pelas circunstâncias misteriosas do passado, já que o desaparecimento de Sofie deixou marcas poderosas em Eik, mas também pelo tema complexo que emerge das pistas que vão sendo descobertas. Ainda que seja o caso o cerne da narrativa, há grandes ligações à vida pessoal das personagens e, assim sendo, surpreende, até certo ponto, a forma como estes laços vão ficando para segundo plano.
Ora, isto deixa alguns sentimentos ambíguos, pois, se as descobertas iniciais abalam a relação de Louise e Eik, a forma rápida como tudo se resolve deixa uma certa curiosidade insatisfeita. Teria sido interessante ver um pouco mais da forma como Louise lida com as questões privadas, até porque a situação com Eik não é o único problema pessoal que Louise tem nas mãos. Ainda assim, tendo em conta a evolução do caso, faz algum sentido que estes aspectos tenham ficado um pouco para trás.
O que me leva ao grande ponto forte deste livro: as motivações do caso. Há na história de Sofie Parker, no passado e nas acções a que este passado a motivou, uma teia interessantíssima de questões pertinentes, não só quanto à viabilidade das suas escolhas como no que diz respeito às questões éticas subjacentes. E a forma como a autora aborda o tema, tendo o cuidado de realçar, ao longo do caso, pontos de vista divergentes, faz com que tudo pareça bastante mais realista - ainda que fiquem algumas perguntas sem resposta.
E depois há a escrita, claro, e a forma como a autora consegue entrelaçar pequenos fragmentos do passado com o enredo do presente, de modo a apresentar uma perspectiva mais clara das motivações de Sofie. Estão nesses pequenos momentos alguns dos episódios mais marcantes de todo o enredo e vê-los de uma perspectiva diferente torna o impacto da história um pouco maior.
Tudo somado, fica a imagem de uma narrativa inesperadamente leve e centrada principalmente no caso a investigar, mas em que a complexidade do tema e os vislumbres de uma vida pessoal para lá do mistério tornam tudo mais intenso e intrigante. Mais uma boa leitura, portanto, numa série que vale a pena descobrir.

Título: A Mulher Desaparecida
Autora: Sara Blædel
Origem: Recebido para crítica

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

A Serpente do Essex (Sarah Perry)

Cora Seaborne acaba de perder o marido e o que sente em nada corresponde ao que as convenções ditam que devia sentir. Pela primeira vez, sente-se livre de viver como julga melhor e de explorar a sua paixão pelo passado. Quando ouve pela primeira vez a história da serpente do Essex, um monstro que, aparentemente, deambula pelo estuário do Blackwater, Cora sabe que tem de investigar, pois julga ter ali a sua oportunidade de encontrar um fóssil vivo e conquistar o seu lugar na história. O que não sabe é que o que a espera em Aldwinter é algo de diferente. Aí, encontrará a mais invulgar das amizades na figura do reverendo William Ransome. E esse afecto abrirá caminho a todas as respostas - e a mudanças que nenhum deles sabe explicar.
Ainda que Cora Seaborne pareça ser o ponto para que todas as linhas do enredo convergem, uma das primeiras coisas a chamar a atenção neste livro é que, mais que uma única protagonista, há um conjunto de personagens igualmente relevantes que, no seu conjunto, dão forma a uma narrativa complexa e sempre intrigante. Até a própria serpente do Essex pode ser vista como uma personagem, tal é a forma como influencia o comportamento de todos os que conhecem a história. E isto, este núcleo de figuras centrais cujas relações e interdependências dão forma a um percurso cheio de estranhas descobertas, faz parte do que torna todo este enredo tão fascinante.
Claro que, tendo isto em vista, a narrativa flui a um ritmo relativamente pausado, não só pela necessidade de acompanhar várias personagens, mas também devido ao próprio ritmo do mistério. A influência das coisas e das pessoas é algo que se manifesta gradualmente e conhecer as personagens e o que as move é crucial para a compreensão desta influência. Mas, há algo mais nessa relativa lentidão, algo que parece reforçar a percepção do ambiente. É que a vida em Aldwinter, em oposição, por exemplo, às experiências de algumas das personagens em Londres, é também ela de relativa tranquilidade - excepto no que toca à serpente, claro. E, assim sendo, este ritmo brando da passagem do tempo acaba por fazer todo o sentido, pois é esse o ritmo a que as personagens se movem.
Mas há ainda um outro aspecto que sobressai e a forma como a autora constrói a narrativa realça bem esta característica. Mais do que a história de uma misteriosa serpente, este livro fala, acima de tudo, de pessoas. Pessoas que amam e odeiam, que alimentam esperanças e sofrem com os seus medos, que crêem ou questionam e que, perante os mistérios da vida, se assumem também como os seus próprios mistérios. E assim, ninguém se revela por completo a não ser na complexa interacção com os outros. Interacção essa que é a verdadeira magia num enredo todo ele cheio de mistérios.
Da soma de tudo isto, resulta um livro pausado, mas sempre cativante, em que os verdadeiros mistérios não vêm de uma serpente monstruosa, mas das almas que o medo e a esperança parecem moldar a cada nova descoberta. Complexo, marcante e com uma escrita belíssima, um livro memorável de uma autora a seguir.

Título: A Serpente do Essex
Autora: Sarah Perry
Origem: Recebido para crítica

domingo, 13 de agosto de 2017

A Espada do Destino (Andrzej Sapkowski)

Enquanto bruxo, Geralt de Rivia é tido como um simples caçador de monstros, menos que humano e desprovido de sentimentos. Mas a verdade nunca é assim tão simples e Geralt é movido por um código que que impõe grandes limites morais aos monstros que está disposto a perseguir. E, a cada aventura, a morte segue-o, passo a passo, mas Geralt recusa-se a olhar para trás. Percorrendo o mundo sem destino, enquanto o seu destino o aguarda...
Tal como já acontecia no livro anterior, esta não é propriamente a narrativa de uma aventura com princípio, meio e fim, mas um conjunto de histórias em que a intervenção de Geralt, ou o seu próprio percurso pessoal, mudam o rumo das coisas. E, também à semelhança do livro anterior, mas agora de forma mais evidente, cada uma destas histórias parece querer abrir caminho para o que virá a ser uma história maior - a da predestinação de Geralt, que não acredita na predestinação. Ora, o que torna interessante este conjunto é precisamente isso: a sensação do muito potencial que ainda está para vir, conjugada com um conjunto de aventuras que são também muito cativantes. Como que uma janela para conhecer melhor personagens que têm um grande papel pela frente.
E, falando em personagens, claro que quem mais fascina em tudo isto continua a ser Geralt, com a sua natureza de bruxo - e o que dela os outros pensam - a contrapor-se ao que as acções realmente demonstram e a uma verdade que é maior do que a crença de quem observa. Geralt é um mistério, um enigma por natureza - e, porém, há tanto nos seus actos de espantosamente humano (no melhor sentido da palavra) que é difícil não querer saber que mais coisas o esperam no seu longo caminho. 
O que me leva às histórias e à forma como, apesar de continuar presente a impressão de que a maior parte deste mundo permanece por revelar, cada um destes episódios permite ficar a conhecer melhor as personagens, os traços distintivos dos diferentes seres e também o mundo e o contexto em que se movem. Além, é claro, de proporcionarem belos momentos de leitura, com os seus momentos intensos, divertidos ou até comoventes. 
Ah, e há pequenas coisas... Na forma como a história está escrita, na visão que algumas personagens têm das outras e na própria percepção que Geralt tem de si mesmo estão presentes pequenas grandes questões que, transpostas para a realidade, dão muito material para reflexão. Porque é que os bruxos, por serem bruxos, não têm sentimentos? Porque é que todos os ananicos são iguais? E será mesmo assim, ou o preconceito está na mente de quem os observa? Há muitas questões relevantes escondidas neste mundo de fantasia, e é também isso que torna a leitura marcante.
Tudo somado, a impressão que fica é, mais uma vez, a de uma introdução a uma história que promete ser muito mais vasta. Mas também a de um conjunto de aventuras cativantes, com um protagonista forte e memorável e um mundo tão cheio de potencial como as personagens que nele se movem. Vale a pena conhecer Geralt de Rivia. Vale mesmo muito a pena. 

Autor: Andrzej Sapkowski
Origem: Recebido para crítica

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Don't Close Your Eyes (Holly Seddon)

Robin e Sarah são gémeas, mas não podiam ser mais diferentes. Quando eram pequenas, Sarah era a boa menina e Robin a rebelde. Agora, Sarah fez algo terrível e não sabe para onde se virar. E Robin vive isolada em sua casa, a dormir debaixo da cama e com medo de sair à rua. Em comum, têm um passado que lhes perturbou os sonhos, afastou-as de várias maneiras… e moldou-as nas mulheres que agora são. E agora, precisam de ultrapassar isso, se têm alguma esperança de resolver a confusão em que as suas vidas se tornaram.
Narrado a partir de vários pontos de vista e oscilando entre o passado e o presente, este é um livro que tem na aura de mistério a sua maior força. Primeiro, porque todas as verdades, presentes e passadas, são reveladas gradualmente e, assim, o impacto de cada uma dessas verdades muda a percepção de tudo o que se segue. E também porque altera a perspetiva de quem são as protagonistas e do quanto cresceram.
Também intrigante é o facto não haver nenhum grande crime ou investigação na narrativa. A história concentra-se na vida das protagonistas – e, sim, principalmente nas coisas más que as mudaram – mas os grandes segredos, as revelações mais importantes, não vêm de nenhum crime sinistro, mas mais do impacto do passado sobre o presente. E isto é uma boa surpresa, porque a força da história vem de como as personagens são – e, assim, as muitas revelações ao longo do caminho convergem numa evolução diferente.
Há muitos fios (principalmente do passado das gémeas) a convergir nesta história, sendo esta talvez a razão do seu início pausado. Porém, à medida que elas se dão a conhecer, o ritmo intensifica-se e as últimas páginas são simplesmente viciantes. Vale a pena o avanço lento pelas primeiras pistas para descobrir as verdades por detrás das vidas conturbadas de Sarah e Robin. E, ainda que algumas das personagens não sejam propriamente fáceis de entender (e outras sejam simplesmente odiosas), elas servem um propósito na forma como moldam a vida das gémeas – e, assim, contribuem também para o forte impacto da surpreendente conclusão.
Intrigante, intenso e cheio de surpresas, trata-se, portanto, de um livro que leva o seu tempo a alcançar o passado. Mas, com uma boa história, personagens fortes, mas falíveis, e uma intensidade que cresce até ao fim, é também um livro que não desilude. Uma boa leitura, em suma.

Título: Don’t Close Your Eyes
Autora: Holly Seddon
Origem: Recebido para crítica

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Marta (PJ Vulter)

Há vinte anos, uma onda levou a vida de Marta... mas o seu fantasma ficou. Agora, espera-se da sua irmã mais nova, Teresa, que seja tudo o que Marta não foi, e essa expectativa faz com que todos os olhares da vila estejam presos nela. Vivem-se tempos conturbados, pois a mudança que afectou outros países começa a querer fazer-se sentir também em Portugal, mas a mão do regime é pesada para aqueles que o ousam desafiar. Ainda assim, Teresa aspira a algo diferente da prisão do casamento arranjado que a espera em Peixelim, e, com a ajuda dos primos, espera alcançar o sonho de uma vida livre noutro lugar. Mas há grandes segredos no passado da sua família e os únicos que podem realmente ajudá-la têm também problemas seus a resolver...
História de segredos familiares em tempos de "moral e bons costumes", um dos primeiros aspectos a cativar neste livro é Marta. Marta, que apesar de dar nome ao livro, não é propriamente a sua protagonista, mas antes o nome do passado que influencia todas as personagens mais relevantes. E isto é interessante por duas razões: primeiro, pela forma como a história de Marta influencia todo o percurso das restantes personagens. E, segundo, pela forma como essa mesma história é contada, prolongando o mistério até às últimas páginas e insinuando possibilidades que só mesmo no fim serão confirmadas ou desmentidas.
Claro que também há uma contrapartida: é que a história de Marta é tão interessante como a de Teresa e dos seus aliados. E, ao ser contada numa retrospectiva relativamente breve, deixa uma certa impressão de que mais haveria para dizer. Seria interessante conhecer as emoções e apreensões de Marta da mesma forma que as de Teresa são desenvolvidas, o que acaba por deixar alguma curiosidade insatisfeita. Ainda assim, o essencial da história está lá e, quanto à influência que esta exerce nos restantes... bem, dificilmente poderia ser maior.
Há ainda um outro aspecto que se destaca: a forma como o que parece ser apenas um caso familiar, ainda que de contornos invulgarmente complexos, se entrelaça, com o desenrolar dos acontecimentos, nas acções subversivas e de resistência ao regime em que várias personagens parecem estar envolvidas. Ora, isto é interessante, desde logo, porque acrescenta um lado mais duro à imagem inicial de uma adesão severa às normais sociais. Mas também tem outro efeito curioso: é que há personagens que, vistas à luz dos seus comportamentos, despertam tudo menos empatia - mas que, nos momentos complicados, acabam por revelar uma nova faceta. Faceta essa que não os absolve, mas que, de certa forma, realça a sua humanidade, mostrando-os como algo mais do que simples vilões.
Tudo somado, fica a impressão de um livro relativamente breve, mas muito cativante na sua teia de mistérios. Intrigante, surpreendente e bastante emotivo, podia ser talvez um bocadinho mais longo, mas não deixa por isso de ser uma boa leitura. 

Título: Marta
Autor: PJ Vulter
Origem: Recebido para crítica

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Amor às Claras (Laura Kaye)

Desde que se conheceram no elevador que a proximidade entre Caden e Makenna não parou de crescer. Mas os fantasmas do passado continuam a pesar sobre os ombros de Caden e, quando o encontro com a família de Makenna traz consigo um antigo namorado dela, Caden sente as suas inseguranças reforçadas. No fundo, sabe que os traumas nunca desapareceram realmente e a existência de um outro homem, resolvido e bem-sucedido, no passado de Makenna, leva-o a perguntar-se se ela não merecerá mais. E com esta pergunta vêm outras - e uma espiral cada vez mais sombria de pensamentos negativos, que Caden terá de ultrapassar se não quiser perder o melhor que alguma vez lhe aconteceu. 
Relativamente breve e, à semelhança do livro anterior, centrado fundamentalmente no percurso emocional dos protagonistas, este é um livro que surpreende, em primeiro lugar, pela notável evolução em termos de desenvolvimento das personagens. É verdade que já havia muita emoção e empatia em Corações na Escuridão, mas é aqui que a verdadeira alma das personagens se revela, num percurso emocionalmente atribulado e cheio de momentos marcantes. Pois, se a relação entre Caden e Makenna continua a ser o cerne do enredo, neste segundo volume é possível ver muito mais do que eles são enquanto entidades individuais - e, particularmente no caso de Caden, essa identidade é muito mais complexa do que à primeira vista seria de esperar. 
A própria premissa deste segundo livro é, em si, muito cativante, pois, se o fim de Corações na Escuridão poderia facilmente funcionar como um final positivo, este expandir da história torna tudo muito mais realista. Caden tem um passado que deixou marcas e isso é algo com que ambos precisam de lidar. E a forma como a autora traça esse caminho permite uma visão mais natural de toda a história, dificuldades e obstáculos incluídos.
E, claro, tudo isto gera emoções fortes, seja perante uma decisão errada, um duro caminho rumo à redenção ou pura e simplesmente um momento de afecto que atenua todas as tribulações. Há momentos na história que são simplesmente memoráveis, e isso aplica-se tanto aos grandes pontos de viragem como aos pequenos instantes de paz ou de inesperada descoberta. No fundo, há muito nesta história que comove - e é isso precisamente que a faz gravar-se na memória.
Cativante, emotivo e enternecedor em todos os momentos certos, trata-se, portanto, de um livro que nada perde com a relativa brevidade. Com uma escrita envolvente, personagens marcantes e uma belíssima história de superação pessoal, supera amplamente todas as expectativas. Muito bom. 

Título: Amor às Claras
Autora: Laura Kaye
Origem: Recebido para crítica

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Domina (L. S. Hilton)

Judith Rashleigh julga ter deixado o passado para trás. Sob um nome falso, construiu uma nova identidade enquanto galerista e está a viver a vida que sempre esperou conseguir conquistar em Veneza. Mas o passado não parece querer ficar para trás e as pontas soltas que Judith deixou põem-na de novo em risco. Alguém sabe o que ela fez e quer acertar contas com ela. E o que começa com alguns objectos mudados de posição não tarda a transformar-se numa teia de intriga e morte com graves consequências para todos os envolvidos.
Se uma das primeiras coisas a cativar em Maestra tinha sido a forma como a autora partira de um enredo erótico e sedutor, para depois fazer surgir uma narrativa bem mais sombria, o que acontece neste segundo volume é um elevar deste estranho equilíbrio a um novo nível de intriga e perigo. Claro que, tendo em conta os acontecimentos anteriores, não era propriamente de esperar que Judith se safasse assim tão facilmente, mas o que, em Maestra, era uma teia tecida ao ritmo da necessidade, ganha em Domina novos níveis de planeamento. E o resultado é uma história talvez um pouco mais pausada, mas mais complexa a nível de planos e de intrigas - e, claro, sem nunca perder de vista o equilíbrio entre mistério e sensualidade em que toda a história parece assentar.
Há também uma outra evolução curiosa em comparação com o livro anterior. Antes, Judith transformou-se de rapariga inocente em mulher sem escrúpulos, perdendo, pelo caminho, as suas facetas mais empáticas. Curiosamente, agora parece acontecer o contrário, pois, apesar de não ter limites no que toca a defender a sua posição, Judith começa a revelar partes de vulnerabilidade, que, apesar de todos os crimes e intrigas, permitem uma visão mais compreensiva do que a faz andar. Além disso, tendo em conta a forma como tudo termina neste segundo volume, esta estranha e crescente empatia contribui em muito para a imensa vontade que fica de saber o mais cedo possível o que acontecerá a Judith a seguir.
Mas voltando aos acontecimentos e ao tal equilíbrio entre sensualidade e mistério. Neste ponto da narrativa, não é propriamente surpreendente a capacidade de Judith de fazer seja o que for para defender a vida e o que nela julga mais importante. Mas, e mesmo sabendo disso, nunca deixam de surpreender os novos planos e acções que vai concebendo a partir de circunstâncias particularmente delicadas. E, sendo a história contada pela voz de Judith, este desenrolar de planos e subsequentes concretizações, abre caminho a um percurso cheio de surpresas e de momentos cada vez mais intensos - que culmina num final particularmente forte.
Ora, num mundo em que todos se movem principalmente segundo os seus próprios interesses, a verdade é que nenhuma das personagens é propriamente aquilo a que se poderia chamar uma "boa pessoa", o que faz com que a empatia leve algum tempo a construir. Ainda assim, o impacto dos grandes momentos e a inesperada evolução de Judith compensam amplamente esta distância inicial, deixando as melhores expectativas para o que poderá ser a conclusão desta história.
A impressão que fica é, pois, a de um segundo volume que, longe de ser apenas um livro de transição, traça uma muito interessante evolução para a sua protagonista e os meandros sombrios em que se move. Intenso, intrigante e cheio de surpresas, cativa desde muito cedo - e deixa muita, muita curiosidade em saber o que virá a seguir.

Título: Domina
Autora: L. S. Hilton
Origem: Recebido para crítica

Para mais informações sobre o livro Domina, clique aqui.

domingo, 6 de agosto de 2017

Florença Renascentista por Cinco Florins ao Dia (Charles FitzRoy)

Ano da graça de 1490. Sob a considerável influência de Lourenço, o Magnífico, Florença é uma cidade próspera e radiante, que transborda de obras de arte, de cultura, de edifícios monumentais... e que se sustenta numa teia de interesses e ambições capazes de mover o mundo. Ao visitante, aconselha-se cautela nos assuntos que aborda e no que ousa dizer sobre determinadas personagens e políticas do meio. Mas, desde que o faça, poderá desfrutar de uma cidade incomparável - principalmente se munido das muito úteis indicações deste guia.
Um dos primeiros aspectos a cativar neste livro - como, aliás, em toda a colecção - é a ideia de um guia turístico para um passado já distante. Claro que há coisas, principalmente no que toca a monumentos e obras de arte, que permanecem na actualidade, mas a ideia de vislumbrar, além do que ficou da Florença renascentista, o modo de vida e os hábitos dessa época, torna a premissa deste livro particularmente irresistível. 
De uma tão boa premissa, espera-se uma concretização à altura. E é exactamente isso que este livro oferece. Dividido entre diferentes aspectos - arte, religião, política, locais a visitar... - permite ficar com uma imagem bastante clara da Florença do ano de 1490 (com umas poucas e muito breves incursões ao futuro próximo) e da forma como se vivia nesse tempo. Além disso, à escrita precisa e acessível, que transporta o leitor para o tempo e para o local que descreve, junta-se um vasto conjunto de imagens que complementam o texto, contribuindo também para que tudo fique ainda mais claro e interessante.
Claro que, sendo uma época de prosperidade e de grandes vultos, surgem, ao longo do percurso, vários nomes que ficaram para a história, e é talvez, neste aspecto, que fica uma certa curiosidade insatisfeita. Só sobre Lourenço de Médicis haveria certamente mais a dizer, e são muitas mais as figuras relevantes. Mas, claro, não são eles o tema central deste livro e, por isso, faz sentido que o que deles é contado seja apenas o que um visitante atento precisaria de saber para se mover com segurança pela cidade. O resto, caberia a esse mesmo visitante descobrir - por sua conta e risco.
Tudo somado, fica a impressão de um guia original, que permite ao leitor a muito agradável sensação de ser um turista no passado, ao mesmo tempo que aprende mais sobre as figuras e obras essenciais desse tempo e lugar. Muito interessante e cativante, uma boa leitura.

Título: Florença Renascentista por Cinco Florins ao Dia
Autor: Charles FitzRoy
Origem: Recebido para crítica

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Magarias (Amadú Dafé)

Magarias leva consigo os seus espíritos, que o seguiram quando um acto de desonra o obrigou a deixar para trás a sua terra e a deambular pelo mundo. Espíritos que o abandonarão também, na sequência de novas escolhas que o tornarão salvador de um povo cujos demónios ele mesmo ocultou e soberano dessa mesma gente posteriormente resgatada. Aí voltará a encontrar Sidjánia, testemunha do dia em que ele secou um rio, suma beldade e grande contadora de histórias. E, das histórias de ambos, nascerão novos feitos heróicos e acasos - ditados por espíritos secretos - capazes de dar forma a novas desonras...
Não é propriamente fácil falar deste livro, pelo menos no que ao enredo diz respeito, pois, se os protagonistas facilmente se identificam, já a linha das suas histórias e da forma como os seus percursos se entrelaçam é tudo menos linear. Ao longo do livro, há avanços e recuos temporais, acontecimentos cuja única explicação possível é o sobrenatural e mistérios e relações que permitem várias interpretações. E, assim, a primeira impressão é de perplexidade, de uma estranheza que se prolonga ao longo de todo o livro e que, ainda que assente num ritmo muito próprio, deixa, ainda assim, mistérios por desvendar.
Trata-se de um livro surpreendentemente complexo, principalmente tendo em conta as suas pouco mais de cento e trinta páginas. E o mais curioso é que, apesar de toda esta estranheza e de todas as peculiaridades inerentes a história, personagens e contexto geral, também o ritmo da narrativa acaba por se tornar estranhamente cativante. Parecendo fluir ao ritmo da memória - ou da inspiração de um contador de histórias - o enredo avança e recua entre tempos, lugares e pensamentos. Mas há algo de fascinante neste desvelar de memórias e, principalmente, nos momentos inesperadamente marcantes que, aos poucos, emergem da estranheza dos costumes. E é isso, principalmente, que fica na memória: a de um mundo inevitavelmente estranho, mas onde os sentimentos essenciais acabam por ser os mesmos.
Não é propriamente uma leitura compulsiva, pois os muitos pormenores invulgares, bem como as mudanças que parecem percorrer a vida das personagens, exigem tempo e concentração para serem assimiladas. Ainda assim, a leitura nunca deixa de cativar, em parte pela aura de mistério que resulta de toda a estranheza envolvente, mas principalmente porque, à medida que as personagens se tornam familiares, aumenta a curiosidade em saber mais.
Breve, mas estranhamente fascinante e de inesperada complexidade, trata-se, portanto, de um livro surpreendente, em que os enigmas das personagens parecem moldar o caminho de um mundo igualmente misterioso. Intrigante e invulgar, uma boa surpresa. 

Título: Magarias
Autor: Amadú Dafé
Origem: Recebido para crítica

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

As Aventuras de Pinóquio (Carlo Collodi)

Tudo começa quando o velho Geppetto decide fazer um boneco capaz de dançar e de dar piruetas com o qual possa ganhar a vida. E começa porque o pedaço de madeira que usa para o esculpir é bastante... especial. Mal acaba de esculpir o boneco e logo este sai de casa a correr e a fazer traquinices. Mas Geppetto ama o boneco como a um filho e, por isso, não basta a primeira tropelia para o demover dos seus afectos. Só que Pinóquio não é apenas um boneco irrequieto - é também mandrião, pouco aplicado e facilmente se deixa influenciar pelas más companhias. E, por isso, apesar do seu bom coração, os sarilhos sucedem-se... e Pinóquio dá por si, uma e outra vez, arrependido... mas pronto a cair numa nova tentação.
Não é necessário, à partida, dizer muito sobre esta história - e, principalmente, sobre este curioso protagonista - para o fazer lembrar a leitores de todas as idades. Todos conhecemos o Pinóquio, numa ou noutra versão. Mas, se olharmos para a versão da história com que crescemos... bem, talvez não seja bem a original, pois não? É esta a primeira ideia a sobressair desta leitura - a de que, com o passar do tempo e as múltiplas versões, a história de Pinóquio foi sendo moldada e reajustada, ao ponto de certas partes da história não serem assim tão fáceis de reconhecer.
Mas, seja qual for a versão da história que conhecemos, é fácil identificar os traços característicos do pequeno Pinóquio: a traquinice, a tendência para se deixar levar por maus caminhos, a teimosia. Ah, claro, e o nariz que cresce com as mentiras. E descobrir a história na base das mil e uma adaptações permite também uma nova perspectiva da história. O Pinóquio de Collodi pode ter, no fundo, bom coração, mas também consegue ser bastante cruel e as consequências das suas escolhas são também, por vezes, bastante duras. Talvez por isso, a lição subjacente às suas aventuras saia muito mais vincada desta versão original do que de qualquer das versões mais leves da história.
E, bem, as lições de moral são mais que evidentes. Mas a história é muito mais do que isso. É um conjunto de aventuras empolgantes e caricatas, em que muitos dos acontecimentos podem - aos olhos de um leitor adulto - parecer altamente improváveis, mas não deixam por isso de ser deliciosamente cativantes. E, num livro onde tudo parece igualmente estranho e maravilhoso, as aventuras de Pinóquio, conseguem, na sua inocência e rebeldia, acordar sorrisos e gargalhadas, comover nos momentos certos e, enfim, fazer lembrar tempos mais inocentes, sem perder de vista que tudo na vida tem consequências.
Tudo somado, a impressão que fica desta leitura é a de um regresso a uma história conhecida - que é também uma revelação, pois há partes da história que não são assim tão familiares. E esta mistura entre o novo e o semelhante, aliada ao simples facto de se ter nas mãos uma boa história, torna ainda mais cativante esta tão divertida aventura. Improvável, mas estranhamente delicioso, um óptimo livro para leitores de todas as idades.

Título: As Aventuras de Pinóquio
Autor: Carlo Collodi
Origem: Recebido para crítica

terça-feira, 1 de agosto de 2017

Amarga como Vinagre (Anne Tyler)

Kate Battista sabe que não está a viver a vida que imaginava, mas, sem se dar conta, deu por si a tomar conta da casa para o pai e a irmã mais nova. E, como se não bastasse, agora o pai tem planos para ela. É que o projecto de investigação do doutor Battista, que se prolonga há anos, parece estar no limiar de uma grande descoberta. Ou então de um grande impasse, pois Pyotr, o seu assistente, está em vias de ser deportado e a única forma de resolver o problema é que Kate aceite casar com ele. Confrontada com o que lhe parece ser a humilhação final, Kate não se sente propriamente disposta a ceder à vontade dos dois homens. Mas, quando a persistência cansa e as vulnerabilidades se tornam óbvias, Kate começa a pensar seriamente na hipótese. Afinal, é só temporário. Ou não?
Apesar de ser uma recriação contemporânea de A Fera Amansada, de William Shakespeare, esta é uma história com vida própria - ou seja, que se acompanha facilmente sem ter de pensar nas relações associadas à peça que lhe serviu de inspiração. E, com tempos e contextos tão diferentes, é preciso considerá-la enquanto tal, já que a ideia de um pai que tenta forçar um casamento para a sua filha é agora vista de forma diferente. 
É, aliás, este mesmo ponto que começa por gerar sentimentos ambíguos, já que, entre o pai distraído que só se lembra da filha para a casar com o assistente, o dito assistente, cujas dificuldades linguísticas parecem esconder uma intenção de dominar e a posição de Kate, de uma recusa pouco segura, é, por vezes, difícil compreender a posição das personagens. Assim, o que cativa no início é mais o caricato da situação, já que as personagens não despertam assim tanta empatia. 
Mas, claro, com o avanço da narrativa, algumas destas percepções mudam. Continuam os episódios constrangedores, os comportamentos difíceis por parte de algumas personagens. Mas, à medida que as vulnerabilidades ocultas começam a revelar-se, que as cedências de parte a parte começam a insinuar-se no enredo, as personagens começam a tornar-se mais cativantes - ainda que nunca chegue a ser fácil compreendê-las. E ainda que a brevidade deixe a sensação de que mais haveria a dizer sobre elas, no fim, fica a recordação de bastantes sorrisos ao longo da leitura - e isso é uma das melhores coisas que um livro pode proporcionar.
Quanto ao enredo em si... bem, divertida seria uma boa palavra para definir esta sequência de episódios caricatos que oscilam entre as discussões ferozes, as trapalhadas mais ou menos acidentais e os pequenos grandes momentos de afecto que fazem com que tudo ganhe uma nova perspectiva. Tudo isto num registo sempre envolvente e em que é, às vezes, nas pequenas coisas que surgem os laivos de maior impacto.
Leve, cativante e muito agradável de se ler, trata-se, portanto, de um livro em que, da estranheza das personagens e da peculiaridade das suas circunstâncias, surge um olhar inesperadamente doce sobre as relações familiares - e como o afecto pode manifestar-se das mais variadas formas. Gostei. 

Título: Amarga como Vinagre
Autora: Anne Tyler
Origem: Recebido para crítica