sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Salpicos de Mim (José António Pinto)

Amor, saudade, sombra e inspiração. Poder-se-ia dizer que são estes os protagonistas neste conjunto de poemas em que cada texto é uma individualidade única, mas em que todos formam um todo coeso e mais amplo. Pois uma das primeiras impressões a manifestar-se é precisamente esta: a de que cada poema é em si mesmo uma unidade, mas todos parecem pertencer a uma mesma voz, a um mesmo sujeito que vive, respira, sente. E, assim, lêem-se quase como se de uma história se tratasse: uma história feita mais de sentimentos que de acontecimentos, é certo, mas uma história, ainda assim.
São maioritariamente poemas muito breves e, contudo, não lhes parece faltar nada. É esta, aliás, outra das grandes qualidades deste livro: a facilidade com que, em poucas linhas, se constrói uma imagem completa, seja ela de um instante vivido ou de um sentimento interior. Aqui, a vida acontece em poucas linhas, pois bastam essas para dizer o essencial. E é isso que torna cada poema memorável, pois vai directo ao essencial do sentimento - seja ele amor, atracção, melancolia, saudade ou vazio.
Claro que, sendo a grande maioria dos poemas dedicado ao amor (em qualquer das suas múltiplas formas) pode parecer, a espaços, que o tema se repete. Ainda assim, há um efeito intrigante nesta repetição de aspectos: por um lado, sai reforçada a ideia da força do amor, já que este parece ter de se manifestar múltiplas vezes; por outro, reforça também a coesão do todo, já que é esse mesmo amor o fio de ligação que une todos os poemas.
Trata-se, pois, de uma leitura breve, mas marcante, em que cada poema contém em si um pequeno mundo de sentimentos. E em que o todo, sempre maior do que a soma das partes, proporciona uma agradável e sempre cativante viagem às múltiplas facetas do amor. Gostei. 

Título: Salpicos de Mim
Autor: José António Pinto
Origem: Recebido para crítica

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

O Anjo-da-Guarda (Arto Halonen e Kevin Frasier)

1951. Palle Hardrup entra num banco em Copenhaga com a intenção de realizar um assalto e, quando as suas ordens não são obedecidas, dispara sobre dois funcionários e foge. Não tarda, todavia, a ser detido e o caso parece ter-se resolvido facilmente. Só que não é bem assim. Anders Olsen, responsável pela investigação, cedo começa a achar estranha a atitude plácida do detido e os elementos peculiares não tardam a vir à superfície. Aparentemente, Hardrup estabeleceu, em tempos, uma relação espiritual com um companheiro de prisão chamado Nielsen, a quem deixava que o hipnotizasse. E uma possibilidade começa a ganhar forma: terão os assaltos sido realizados sob a influência de Nielsen? E, se sim, não será este um perigo à solta?
Baseado numa história verídica e com um facto assente desde o início - que há, de facto, influência de Nielsen sobre os actos de Hardrup - , seria de esperar uma certa medida de previsibilidade nesta história. O que surpreende é, então, que essa medida de previsibilidade se cinja precisamente ao facto central: sim, Nielsen é responsável, como sabemos desde as primeiras páginas. Mas como, por que métodos e porquê, além, claro, de como foi que Anders e seus aliados chegaram à prova desses factos... isso já é um caminho de surpresas. Surpresas essas que proporcionam vários momentos intensos, revelações inesperadas... e um final estranhamente adequado.
Também especialmente interessante é a forma como os autores acrescentam ao caso central um conjunto de histórias pessoais e um passado sempre delicado, tendo em conta a data em que o enredo decorre. As relações das várias personagens com os nazis ou a Resistência, as perdas e traições envolvidas e a forma como a ideologia se manifestou em diferentes personagens acrescenta uma perspectiva mais profunda à posição de cada uma delas. E particularmente em Marie e Anders, cuja vida pessoal enquanto casal é particularmente abalada por este caso, sendo eles - mais até do que Nielsen - o verdadeiro núcleo central desta história.
Ficam algumas questões em aberto, principalmente no que toca à relação entre Anders e Marie, e daí uma certa curiosidade insatisfeita sobre a superação - ou não - do abismo que o caso abriu entre ambos. Ainda assim, faz também um certo sentido que assim seja, já que a linha central da história é o caso Hardrup e esse atinge uma completa conclusão. Além disso, fechar a história num ponto entre a divisão e a esperança deixa também uma agradável aura de mistério que, tendo em conta a forte presença da hipnose em todos os acontecimentos, resulta também bastante adequada.
Nem sempre o mistério sobre a identidade do culpado é essencial a uma boa história policial. Neste caso, sabê-la de antemão só torna tudo mais intenso. E assim, a impressão que fica é a de uma leitura com uma premissa previsível, mas imprevisível em tudo o resto. E, por isso mesmo, muito cativante. 

Autores: Arto Halonen e Kevin Frasier
Origem: Recebido para crítica

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Hellblazer: Na Prisão (Brian Azzarello e Richard Corben)

John Constantine cometeu muitos erros na vida e talvez por isso sinta que chegou a altura de pagar. Mas também sabe que a prisão é o seu próprio tipo de inferno e que, para sobreviver, terá que despedaçar as regras instituídas e impor as suas próprias regras. Ora, Constantine é um tipo invulgar: à chegada parece vulnerável e não parece ter um talento especial para fazer amigos. Mas tem também alguns talentos únicos essenciais para a sua ascensão ao poder. Pois quem melhor do que um mágico para impor regras no inferno?
Pertencendo a uma série muito extensa e, consequentemente, a uma muito longa caminhada no que diz respeito à vida do protagonista, um dos primeiros aspectos a destacar neste livro é que, conheça-se ou não John Constantine de outras andanças, é perfeitamente possível tirar o máximo partido da leitura. A história desenrola-se toda ela em ambiente fechado e contém em si um ciclo completo. Além do mais, Constantine é um enigma que chega e parte como tal. Por isso, não fica curiosidade insatisfeita, pois a linha central do enredo encerra de forma satisfatória, mas antes uma vontade irresistível de conhecer mais das suas aventuras.
Também a arte parece ajustar-se na perfeição ao ambiente fechado e opressivo em que o enredo decorre. Da cor às expressões das personagens, passando, é claro, pelos inevitáveis momentos de violência, loucura e caos, tudo parece encaixar da forma certa para transmitir o ambiente sombrio e perigoso da penitenciária e o choque de tensão, conflito e... bem... insanidade aí reinante. Além disso, tendo em conta a precisão cirúrgica dos diálogos e monólogos, que contam apenas o que não é possível captar das imagens, o equilíbrio atingido é algo de delicado e eficiente - ainda que necessariamente também sombrio e perturbador.
Mas voltando a Constantine. Sendo ele uma personagem capaz de "alguns truques", e sendo isto algo conhecido mesmo para quem se está a estrear na série, surpreende a forma igualmente discreta e devastadora que a magia toma para se manifestar. O poder nunca é verdadeiramente afirmado, mas apenas insinuado nalguns diálogos. E todavia, quando se manifesta, o resultado é impressionante. Surge, então, uma visão diferente da magia: menos rituais, menos gestos dramáticos, mas poder e fantasmas em abundância - o que é também um aspecto crucial da história. 
Tudo somado, fica naturalmente a melhor das impressões. A de um livro que, pertencendo a um todo mais vasto, constitui também um todo em si mesmo - e que, cativante em todos os seus aspectos, deixa uma intensa vontade de conhecer os outros volumes. O mais rápido possível, de preferência. 

Título: Hellblazer: Na Prisão
Autores: Brian Azzarello e Richard Corben
Origem: Recebido para crítica

terça-feira, 28 de agosto de 2018

Charlatães (Robin Cook)

Devia ter sido uma cirurgia simples, mas uma sequência de erros e acasos acabou por levar à morte na mesa de operações de um estimado membro do pessoal do hospital. Agora, todos procuram atirar as culpas para outro lado e cabe ao doutor Noah Rothauser investigar e apresentar o caso na conferência de morbilidade e mortalidade. E se bastavam os erros para tornar a situação delicada, os egos envolvidos dificultam-na ainda mais. O cirurgião responsável, alimentado por rancores passados, quer a todo o custo atirar as culpas para cima da anestesiologista, Ava London, com quem Noah sente uma certa empatia. Só que aquela é apenas a primeira de várias mortes relativamente próximas envolvendo a doutora London - e também Noah começa a questionar...
Explorando diferentes possibilidades e aspectos da ética nas boas práticas médicas, uma das principais qualidades deste livro prende-se com as várias questões relevantes que vão surgindo ao longo do caminho. Desde a forma como os interesses económicos moldam a marcação das cirurgias à temática dos suplementos nutritivos, passando, é claro, pelo impacto dos avanços tecnológicos na linha que separa o real do virtual e a verdade da mentira, há todo um conjunto de questões a surgir ao longo do enredo e todas elas são dignas de reflexão. Tantas, aliás, que, por vezes, fica a sensação de uma certa dispersão, já que o evoluir dos acontecimentos acaba por deixar algumas outras facetas para segundo plano.
Esta diversidade de temas tem também o condão de tornar o enredo imprevisível. No início, o cerne parece estar na descoberta de um possível responsável para a morte ocorrida ou na exploração dos problemas do hospital. Mas eis que novas relações se criam e a história desvia-se para um rumo diferente, abordando novos temas e abrindo caminho a novas possibilidades. De súbito, ninguém é quem parecia ser e a posição de Noah torna-se cada vez mais delicada à medida que novas revelações vêm à tona, culminando num final completamente inesperado. 
E é aqui que surgem os sentimentos contraditórios. É que há tantos temas pertinentes e um enredo tão intrigante que a forma como tudo termina, deixando, talvez, demasiado em aberto, acaba por não ser totalmente satisfatória. Fazendo, embora, um certo sentido, e surpreendendo até, pois fecha a história de uma forma que, sendo tudo menos limpa, é também tudo menos previsível.
Envolvente, relevante e cheio de surpresas, trata-se, pois, de um livro onde nem tudo (nem todos) encontra o final desejado, mas que, com o seu enredo intrigante, protagonistas surpreendentes e revelações inesperadas, cativa desde o início e nunca deixa de surpreender. O que é mais do que suficiente para fazer desta uma boa leitura.

Título: Charlatães
Autor: Robin Cook
Origem: Recebido para crítica

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Amor em Blackmoore (Julianne Donaldson)

Há muito que Kate Worthington decidiu que nunca se casaria, apesar das imposições sociais, e nunca se cansou de o dizer aos seus amigos mais próximos. Mas é difícil resistir à pressão constante da mãe e, em desespero, acaba por aceder a um pacto impossível: a mãe deixará que passe uma temporada em Blackmoore, o lar de eleição do mais chegado dos seus amigos. Mas Kate terá de conseguir - e rejeitar - três pedidos de casamento ou ficará à mercê da mãe para tudo o que ela quiser. Ao seu olhar determinado, parece fácil. Mas, quando chega a Blackmoore, a realidade torna-se bem visível. O escândalo que a persegue torna impossível o seu objectivo e a única pessoa que a pode salvar - Henry, o seu amigo de sempre - é também a razão de muitas das suas escolhas...
Misturando inocência, amizade e sentimentos mais profundos numa história onde há tantas personagens a despertar empatia quantas as que despertam aversão profunda, este é um livro que tem na capacidade de emocionar a sua maior qualidade. Diferentes em muitos aspectos, mas amigos desde sempre, Henry e Kate são, em todos os aspectos, personagens complementares e a forma como a história os une, ambos presos, de certa forma, nas suas gaiolas, mas com uma consciência diferente desse facto, cria uma série de momentos comoventes. São também personagens que se entranham desde o início, não só porque vistos em perspectiva (já que as respectivas mães são algo de completamente diferente), mas também pela naturalidade da relação que construíram. Há entre Henry e Kate toda uma série de momentos afectuosos, caricatos e divertidos - e a forma como o amor nasce e se sustenta a partir destas coisas torna o enredo particularmente delicioso.
É também uma história de vulnerabilidade, já que Kate está numa situação especialmente frágil, enquanto Henry se expõe de cada vez que manifesta os seus sentimentos. E esta vulnerabilidade torna o percurso muito mais emocionante, já que é impossível não torcer para que, no fim, as barreiras acabem por desabar. Além disso, e embora não seja particularmente difícil adivinhar de que forma as coisas acabarão para ambos, o caminho até lá está cheio de surpresas, de momentos marcantes - e de um afecto tão profundo e inocente que torna até os mais simples gestos em algo de enternecedor.
Henry e Kate são personagens fáceis de amar. Já as mães de ambos são fáceis de odiar. Mas o curioso nisto tudo é que estes dois lados tão contrários acabam por ser o que torna o enredo tão intenso. Além disso, também nas personagens secundárias há todo um espectro de empatia: personagens que cativam, personagens que surpreendem e personagens que, embora tudo menos cativantes, contribuem, à sua maneira, para realçar a dificuldade das circunstâncias. Faz, pois, todo o sentido esta diversidade de emoções e temperamentos, e a forma como a autora as entretece, com uma simplicidade natural e envolvente, reforma o impacto dos grandes e também dos pequenos momentos. 
Inocência, amizade e amor: eis, pois, as bases centrais desta história. Uma história tão divertida quanto comovente, com um brilhante casal protagonista e todo um conjunto de momentos deliciosos. Cativante, intensa e enternecedora, uma belíssima leitura para quem gosta de histórias de amor. Muito bom.

Autora: Julianne Donaldson
Origem: Recebido para crítica

domingo, 26 de agosto de 2018

Princesa Mecânica (Cassandra Clare)

O seu coração pode estar dividido, mas Tessa está decidida a seguir em frente com o caminho que escolheu. E, sendo Jem tão frágil, quanto mais cedo o casamento se realizar, melhor. Mas a alegre agitação dos preparativos é ensombrada por uma pesada sensação de inevitabilidade. É que Mortmain não desistiu dos seus planos e está disposto a tudo para levar Tessa para junto de si. Pois ela é a arma que lhe permitirá destruir os Caçadores de Sombras - e é esse o derradeiro propósito do Magister e dos seus autómatos.
Volume final da trilogia e também elo de ligação para os outros livros da autora, este é o livro em que todas as pontas soltam se fecham - mas não necessariamente todas as possibilidades. Afinal, Tessa é uma personagem peculiar e, por isso, também o seu caminho teria de o ser. E é precisamente daqui que surgem os momentos mais notáveis da história: do triângulo feito de diferentes - mas igualmente poderosos - tipos de amor que une Jem, Will e Tessa, proporcionando momentos de grande emotividade sem nunca se tornar demasiado previsível. E também os paralelismos e ligações: pois de Tessa e Will, mas também de Cecily e Gabriel e Sophia e Gideon - nascem os ramos que darão forma a outros Caçadores de Sombras. 
É fácil entrar na mente dos protagonistas, e ainda mais devido à intensidade do enredo. Há sempre algo de relevante a acontecer, seja nas relações pessoais, seja no plano mais vasto que põe em campos opostos Mortmain e os Caçadores de Sombras. E é por isso difícil não querer saber o que acontece a seguir, não só devido ao ritmo de constante acção e revelação, mas também pelo impacto dos grandes e dos pequenos momentos. Porque há espaço para tudo: gestos de grande dramatismo, deliciosos momentos de humor e um caminho feito de dificuldades e dor, mas também de amor e superação.
E, claro, há o mundo dos Caçadores de Sombras, que nunca deixa de cativar. Não só pelas diferenças e paralelismos entre o tempo das duas séries, mas principalmente pelas vastas possibilidades. A hierarquia, os rituais, a Lei (e as possíveis transgressões) - em tudo isto há um potencial vastíssimo e a forma como a autora o explora, desenvolvendo-o ao ritmo da história das suas personagens torna tudo mais intenso e fascinante. 
Fecha-se um ciclo neste Princesa Mecânica - mas não a história dos Caçadores de Sombras. E este fim de ciclo, com todas as suas novas possibilidades, tem ainda um muito agradável efeito complementar: a vontade de conhecer novas personagens, de reencontrar algumas já conhecidas, e de continuar a explorar este vasto mundo.
Não é o fim, portanto, mas é um fim de ciclo mais que adequado. E, com a sua vasta emotividade, a sua história intensa e cheia de surpresas e as suas tão memoráveis personagens, encerra em beleza uma trilogia que é toda ela muito cativante. E que se recomenda, claro. 

Autora: Cassandra Clare
Origem: Recebido para crítica

sábado, 25 de agosto de 2018

Teatro Vertical (Manuel Alberto Vieira)

De homens tornados monstros e perdas tornadas ódio, de inocências deixadas num autocarro que parte e abandonadas numa fornalha secreta. Disto se faz Teatro Vertical, que bem podia chamar-se ensaio sobre a crueldade e, das muitas sombras que o povoam, surge um laivo de estranheza e fascínio que prende desde o primeiro contacto e que não deixa de surpreender até ao fim. Pois há verdade e até beleza nas sombras - e a mente humana tem mais sombras do que imaginamos.
Basta pegar neste livro e folheá-lo para descobrir a primeira das várias fontes de fascínio nesta relativamente breve, mas muito intensa, leitura. As ilustrações são deslumbrantes e a estrutura do livro, com os seus tons e imagens a evocar na perfeição o ambiente sombrio das histórias, realça tudo o que nele há de enigmático, intrigante e tenebroso. Porque é, de facto, um teatro de trevas - da escuridão na alma dos seus protagonistas. E basta um olhar às imagens para preparar o caminho - imagens essas que, vistas depois ao ritmo do texto, ganham ainda um novo impacto.
Mas passando às histórias, porque também sobre elas há muito de notável a destacar. Primeiro, vem o choque - pois nenhum dos caminhos acaba onde se esperava e há sombras insuspeitas à espreita mesmo no que parece a mais inocente das situações. Depois, o fascínio - pois há um certo realismo duro na crueldade dos actos destas personagens. E, por fim, a sensação de que toda a estranheza e peculiaridade fazem perfeito sentido, pois representam um lado mais negro e mais oculto, mas nem por isso menos real, da mente humana. Tudo num equilíbrio delicado e eficaz, em que bastam poucas páginas para construir uma história notável, tal é o impacto das circunstâncias e a harmonia da voz que as narra. 
E há mais. Sendo certo que cada uma das histórias pode ser lida de forma independente, há, ainda assim, um factor de coesão que faz do conjunto um todo maior. Lido de seguida, parece formar quase que um romance em fragmentos - onde as figuras e os cenários mudam, mas permanece a mesma protagonista: a escuridão. E, mais uma vez, também as ilustrações contribuem para esta convergência, ao retratar visões inesperadas que parecem funcionar como elos de ligação entre as diferentes personagens.
Sombrio, misterioso e fascinante: assim é este Teatro Vertical. Um livro feito de estranhos habitantes, mas que, em todos os aspectos, fascina e surpreende, gravando-se na memória como uma viagem peculiar. E, naturalmente, altamente recomendada.

Título: Teatro Vertical
Autor: Manuel Alberto Vieira
Origem: Recebido para crítica

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

As Casas Também Morrem (Elsa Guilherme)

Luísa é uma experiente avaliadora imobiliária e está habituada a analisar com olho crítico todas as casas que lhe são apresentadas. Mas, ao partir para Vilar de Fragas numa fase delicada da sua vida, Luísa está longe de imaginar que a espera uma casa completamente diferente. Do ponto de vista profissional, a Casa do Inglês é um achado, mas há um enigma a envolvê-la. E, à medida que vai conhecendo os habitantes da vila, Luísa começa a perceber o verdadeiro significado da casa. Uma casa que guarda pecados antigos, histórias familiares complexas - e que não precisa de ser vendida, mas libertada dos pecados daqueles que lhe estão associados.
Mais que o mistério em si, e este é também muito intrigante, a primeira coisa a despertar curiosidade nesta leitura é o tão bem caracterizado ambiente de meio pequeno, em que todos se conhecem, todos sabem (ou imaginam) a vida dos outros e há figuras que, pelo nome ou pela antiguidade, parecem ou julgam elevar-se acima dos comuns mortais. Isto é interessante, desde logo, porque reflecte a impressão que Luísa sente ao entrar como que num mundo novo, mas também pela forma como realça o impacto de todos os seus enigmas, abrindo caminho às grandes revelações que inevitavelmente sucedem aos grandes segredos.
É, aliás, deste meio fechado que surge a origem do mistério, um enigma que recua até às Invasões Francesas, mas que se estende também pelo presente e pelas muitas e delicadas associações entre as diversas personagens. É fácil, por isso, entrar na pele de Luísa, a estranha que chega para desequilibrar tudo, possivelmente levar-lhes a casa a que todos têm tão grandes pretensões e desvendar algumas das facetas mais sombrias daquela gente. O resultado é, claro, uma discreta teia de intrigas e de segredos - e um percurso feito de mistérios e de surpresas, onde não faltam estranhas crenças, manifestações sobrenaturais e... bem, uns quantos pecadores inesperados.
Ao centrar-se na casa, há uma faceta da história que acaba por passar para segundo plano: a vida pessoal de Luísa. E é aqui essencialmente que surgem os sentimentos ambíguos, não tanto pela situação do filho - que acaba por estabelecer também um notável paralelismo com a história da casa - mas pela relação com o marido, cujo comportamento e exigências nunca chega a ser devidamente enfrentado. Fica, pois, em aberto a grande pergunta do depois, um aspecto que poderia, talvez, ter sido um pouco mais explorado. Ainda assim, sendo a casa quase que a verdadeira protagonista, faz também um certo sentido que os outros aspectos assumam um papel secundário.
Intensa e intrigante, trata-se, pois, de uma história feita de grandes e pequenos enigmas: os de uma casa com um passado a preservar e os pequenos grandes segredos ocultos sob a ideia de um sítio onde todos se conhecem. Uma boa história, portanto, e um bom livro a descobrir. 

Autora: Elsa Guilherme
Origem: Recebido para crítica

Divulgação: A Bandeira do Elefante e da Arara

O livro A Bandeira do Elefante e da Arara reúne dez histórias da série de mesmo nome que já concorreu diversos prêmios internacionais. Atravesse o Brasil Colonial em busca de aventuras com Gerard van Oost e Oludara no novo romance do escritor Christopher Kastensmidt.

“Mais do que original, uma obra indispensável na nossa literatura, sustentada com solidez na pesquisa histórica, na fluência da linguagem e no ritmo da aventura.”
–  Dilan Camargo, autor, poeta e compositor, finalista do Prêmio Jabuti  e vencedor do prêmios Açorianos e AGES.

Este livro vai ser publicado pela editora escocesa Guardbridge Books.

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Malícia e Redenção (J. Kenner)

Lyle Tarpin é um actor de sucesso, mas há uma sombra no seu passado que condiciona todos os seus passos. Por isso, não pode permitir-se um relacionamento normal e encontra a necessária libertação pagando a acompanhantes. Mas tudo muda no dia em que o seu caminho se cruza com Sugar Laine. Sugar precisa do dinheiro e está suficientemente desesperada para arriscar uma tentativa como acompanhante, mas o seu primeiro contacto com Lyle revela um tipo diferente de explosão. E, quando uma fotografia de ambos surge na comunicação social, a única hipótese de manter o segredo é criar um novo: uma relação falsa. Só que nenhum segredo dura eternamente - principalmente quando a farsa ameaça tornar-se real.
Um dos aspectos mais cativantes deste livro - como, aliás, também do anterior - é a forma como a autora consegue criar sensualidade e erotismo numa história que é muito mais do que apenas as cenas escaldantes. Não há, aliás, assim tantos momentos eróticos, mas antes uma intensidade que cresce gradualmente, à medida que uma ligação inicialmente forçada se transforma em algo de mais forte e mais profundo. Além disso, ao fazer assentar nos sentimentos a base da sensualidade crescente, o enredo flui de forma muito mais natural, reforçando o impacto das cenas mais eróticas, mas também - e principalmente - das mais românticas e afectuosas.
Para este impacto contribui também a construção das personagens. Sendo uma história centrada no romance entre os protagonistas, e vista essencialmente da perspectiva de ambos, é apenas natural que sejam Lyle e Laine as personagens mais marcantes. E têm ambos uma identidade muito própria, com um percurso feito de barreiras, mas também de determinação. São diferentes, à sua maneira -  Lyle com o peso do passado aos ombros, Laine com uma necessidade desesperada de preservar as memórias - mas são também complementares. E é por isso que tudo parece fazer tanto sentido: são personagens marcantes e, por isso, também a sua história juntos o é.
Embora fazendo parte de uma série (que, por sua vez, pertence a um universo mais vasto), é um livro que se lê de forma perfeitamente independente. Ainda assim, com as aparições casuais de várias personagens de outros livros, é inevitável uma sensação duplamente agradável: a de reencontrar personagens queridas e a de vislumbrar outras histórias ainda por descobrir. E, sendo uma história independente, é apenas natural que seja um percurso com princípio, meio e fim para Laine e Lyle - mas, dado o aparecimento de outras personagens, fica também a agradável expectativa de os vir a reencontrar noutras histórias.
Intenso e equilibrado, trata-se, portanto, de um livro que mistura as medidas certas de sensualidade, mistério, emoção e humor. Uma história de fama, mas acima de tudo de superação, com um duo de protagonistas memorável e um percurso cheio de surpresas e de momentos marcantes. Recomendo.

Autora: J. Kenner
Origem: Recebido para crítica

Divulgação: Novidade Marcador

Ilha da Jamaica, 1753. Deirdre, filha da inglesa Nora Fortnam e do escravo Akwasi, leva uma vida protegida na plantação da mãe e do pai adoptivo, Doug, que a acolheu como se fosse sua.
Apesar das origens pouco claras da menina, os rapazes da ilha nunca a largam. Deirdre, no entanto, não sente o menor interesse por nenhum deles até que o jovem médico Victor Dufresne pede a sua mão.
Depois de uma esplêndida cerimónia de casamento, o casal recém-casado zarpa para Saint-Domingue, na parte francesa de Hispaniola.
Os eventos que ali têm lugar vão transformar completamente as suas vidas...

Sarah Lark é um pseudónimo de Christiane Gohl. Nascida na Alemanha, vive actualmente em Almería, Espanha. Formou-se em Educação e trabalhou como guia turística, redatora publicitária e jornalista. A inclinação para a escrita marcou todos os empregos por onde passou.
Com uma produção literária vastíssima, alcançou o sucesso de vendas e o reconhecimento literário graças à saga maori. A sua Trilogia da Nuvem Branca (No País da Nuvem Branca, A Canção dos Maoris e O Grito da Terra) atingiu a categoria de bestseller internacional, com um impressionante acolhimento por parte de milhões de leitores, num fenómeno de «passa a palavra» sem precedentes.
Com mais de cinco milhões de leitores em todo o mundo, para ela «escrever romances não é muito mais do que sonhar acordada».

Para mais informações, consulte o site da Marcador Editora aqui.

terça-feira, 21 de agosto de 2018

A Sacred Storm (Theodore Brun)

Abandonando nome, lar e família, Erlan deixou tudo para trás – e, embora isso o tenha levado perto da morte, também lhe conquistou os favores de um poderoso rei. Agora, Erlan é um homem influente na corte de Sviggar. Mas os tempos estão a mudar. Sviggar está velho e um velho inimigo prepara-se para a guerra. E tentar gerar a paz não deixará toda a gente satisfeita. Fazem-se acordos, sim, e com eles algumas escolhas e pesados sacrifícios. Mas o tempo de Sviggar está a esgotar-se e, com ele, a tranquilidade de Erlan. Pois foi previsto o seu caminho de sangue e Erlan fez grandes inimigos pelo caminho. Inimigos que querem vingança. Como também Erlan a quererá.
Um dos aspectos mais impressionantes nesta história de lendas, intrigas e guerra – e nada há nela que não seja impressionante – é o delicado equilíbrio entre todos os elementos complexos que dão forma à história. História essa que é muito mais do que sobre uma guerra nórdica: é uma história de crescimento, de perda, de encontro e perda de amor, amizade e lealdade. E escrita com um tão brilhante equilíbrio entre conflito, emoção, intriga e humor que é impossível não se ser transportado lá para dentro – e seguir com Erlan, Lilla e Kai o seu caminho através de um mundo em mudança.
Há beleza e dor mesmo nos mais pequenos momentos e, assim, lágrmas e sorrisos surgem quando menos se espera. Há uma história tão complexa como avassaladora, um caminho cheio de intensidade e dor. E uma surpresa ao virar de cada página – seja ela um vislumbre do delicioso sentido de humor de Kai, uma perda iminente que finalmente se materializa (quebrando corações pelo caminho) ou uma guerra entre reinos que se torna pessoal devido aos fardos que trouxe consigo.
E há Erlan. Quebrado, constante… e inquebrável Erlan, posto perante os seus maiores pesadelos e os piores tormentos – e, mesmo assim, leal a quem sempre foi. Erlan, cujas circunstâncias geram tão fortes emoções e cuja história transofrma uma batalha muito mais vasta num acontecimento pessoal. Erlan, enfim, que, com a máxima glória, parte o coração a uma pessoa – deixando a fome de mais do seu brilhante e pesaroso caminho.
Tudo parece emergir num equilíbrio perfeito – as complexidades de uma guerra e as negras sombras de uma vida definida pela perda. E tudo flui na perfeição, graças à beleza da escrita, que dá a cada momento uma voz tão impressionante e envolvente que há detalhes de beleza e magia até nos mais ínfimos dos momentos.
Pensava que não podia ser melhor. Estava enganada. Pois este segundo livro eleva tanto a história como as personagens a um novo nível de intensidade, complexidade e devastação emocional. No fim, deixei uma parte do meu coração neste livro – e por isso o estimarei para sempre. A este belo, brilhante e devastador pedaço de génio e de magia. Absolutamente maravilhoso.

Título: A Sacred Storm
Autor: Theodore Brun
Origem: Recebido para crítica

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Zack (Mons Kallentoft e Markus Lutteman)

Zack Herry tem apenas vinte e sete anos, mas ocupa já uma posição bastante sólida na polícia de Estocolmo. O que não lhe conquistou grandes simpatias, até porque há quem pense que o passado sombrio lhe deu uma grande ajuda. Mas não basta o sucesso para viver em paz - não quando os fantasmas do passado lhe toldam o discernimento e o arrastam para os vícios. E, com um caso complexo em mãos, Zack terá primeiro de se controlar a si próprio para descobrir os responsáveis pelo homicídio de seis mulheres tailandesas - e sobreviver ao processo.
Com um registo quase cinematográfico e um cenário surpreendentemente complexo, a grande qualidade deste livro e o primeiro aspecto a sobressair é o delicado equilíbrio que envolve todas as suas facetas. O caso em mãos é delicado e há sempre algo a fazer e algo de novo a acontecer, o que confere ao enredo um ritmo de acção constante. Mas há também memórias do passado, dilemas pessoais e um cenário global feito de teias de influências, o que confere à narrativa uma maior complexidade sem retirar ao enredo nenhuma da sua intensidade.
Também particularmente notável é a construção das personagens, a começar naturalmente por Zack. Zack Herry é uma figura contraditória, com uma história trágica que o levou para o lado dos bons, mas com uma posição perante o mundo que é toda ela em tons de cinzento. Nem sempre se cinge à lei, nem todas as suas relações são imaculadas e, ainda que o quebrar das regras produza resultados, as consequências são também, por vezes, devastadoras. E este protagonista em luta consigo mesmo ganha ainda um maior impacto pelo facto de estar rodeado de figuras igualmente complexas: Deniz, com a sua história difícil; Douglas, com as suas escolhas ambíguas; Sirpa, com as motivações certas e os métodos menos claros. Tudo figuras intrigantes e capazes de acrescentar algo de único ao enredo.
Quanto ao caso em si, são muitos os aspectos notáveis: a brutalidade envolvida, a complexidade do esquema, a forma como a influência dos poderosos acaba por facilitar certos caminhos e a relativa impunidade de que alguns parecem gozar. Tudo isto cria um enredo complexo e marcante, não só pelos acontecimentos em si, mas pelas questões relevantes que emergem desta abordagem. E quanto a Zack... bem, este é apenas o primeiro volume da série (ainda que o caso central encontre resolução), pelo que a muita curiosidade que fica acerca dos seus próximos passos deixa também uma enorme vontade de ler os livros seguintes.
Intenso, complexo e de uma moralidade ambígua que torna tudo mais fascinante, trata-se, pois, de um livro que cativa desde as primeiras páginas e que mantém os seus mistérios até ao fim. Um belíssimo início de série e um protagonista a acompanhar. 

Título: Zack
Autores: Mons Kallentoft e Markus Lutteman
Origem: Recebido para crítica

domingo, 19 de agosto de 2018

Uma Irmã (Bastian Vivès)

De férias com a família, Antoine vê a sua relativa tranquilidade abalada pela chegada de uma amiga da mãe. Sylvie traz consigo a filha, Hélène, que, aos dezasseis anos, deslumbra os pensamentos de Antoine. Afinal, tem treze anos e começa apenas a descobrir-se a si mesmo. Mas aquele Verão na companhia de Hélène será uma revelação em todos os aspectos.
Um dos primeiros aspectos a chamar a atenção neste livro - e basta para isso um primeiro olhar - é a aparente simplicidade do traço. A preto e branco, sem grandes cenários e focado essencialmente nas personagens, parece realçar o essencial, deixando para segundo plano todos os elementos acessórios. O que parece, aliás, adequar-se à história contada, pois o caminho de Antoine e Hélène é também, afinal, aparentemente simples: a história de um amor de Verão, intenso e revelador, mas destinado a ser breve e a acabar.
Mas as aparências iludem, não é? E a simplicidade que pauta, afinal, toda a construção deste livro contém em si todas as complexidades interiores do crescimento e da adolescência. De um Antoine meio perdido num mundo que começa a expandir-se, de uma atracção que é talvez amor (ou talvez apenas atracção) e que o torna intrépido e um pouco inconsciente. De um mundo tão vasto quão fechada foi a infância que está quase a ficar para trás. 
Não são as férias que importa - é o crescimento. E ver Antoine crescer entre as primeiras esperanças e a primeira devastação é algo de estranhamente tocante. Algo que, por entre tudo o que fica em aberto - e o futuro possível que fica por contar - deixa, ainda assim, a sua marca, tanto nos momentos de afecto inocente como na descoberta da sensualidade, na infância ainda firme representada pelo irmão mais novo, em contraste com o crescimento já vivo em Hélène e que começa a manifestar-se no próprio Antoine. 
Simples? Talvez não seja assim tão simples, afinal, ainda que cingido às linhas essenciais da vida. E é esta, no fim, a marca que fica desta leitura: a de uma história efémera, mas intemporal, da descoberta do amor e do crescimento - da passagem para  vida adulta, em suma. Uma bela história. 

Título: Uma Irmã
Autor: Bastian Vivès
Origem: Recebido para crítica

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

O Meu Amigo de Outro Mundo (Ross Montgomery)

Caitlin tem dez anos e o facto de viver sozinha numa ilha com os pais não lhe conquistou grandes vantagens. O único amigo que tem é Frank, o homem que a leva de barco para a escola, e os pais estão sempre demasiado ocupados para ela. Mas a solidão está prestes a acabar. Um dia, após uma chuva de meteoros, Caitlin encontra uma estranha criatura na praia. Tudo indica que será um extraterrestre, mas o que Caitlin vê nele é uma criatura inofensiva e assustada - bem como um potencial amigo. Sem medo nenhum, Caitlin tenta ensiná-lo a comunicar, dá-lhe um nome e cria com ele uma relação de amizade. Só que o Perigeu não pára de crescer e, quando o segredo de Caitlin deixa de ser segredo, o mundo torna-se um lugar perigoso - para o Perigeu e para todos os habitantes.
Narrado do ponto de vista da protagonista e, em consequência, com uma visão bastante inocente das coisas, este é um livro que se define principalmente pela simplicidade. E isto é uma surpresa, não tanto pela inocência com que Caitlin trata do seu novo amigo, mas pela forma como esta visão simples e inocente se mantém mesmo quando as coisas se complicam de forma global. O amor da pequena Caitlin pelo Perigeu não muda quando ele passa a ser uma possível ameaça - e, sendo certo que, nalguns momentos, esta inocência parece ser exagerada, basta lembrar a idade da protagonista, e o coração grande que demonstra ter, para que tudo passe a fazer sentido.
Centrando-se essencialmente na relação entre Caitlin e o Perigeu, faz também sentido que os outros acontecimentos passem para um relativo segundo plano, embora, sendo a possível ameaça algo global, fique uma certa curiosidade insatisfeita acerca da forma como as diferentes forças - o exército, os cultos, os próprios investigadores - estariam a orientar os próximos passos. Além disso, o próprio Perigeu é um enigma, e as respostas que surgem são, inevitavelmente, parciais. Mas também isto resulta adequado, principalmente se tivermos em conta a mensagem subjacente à história: de amizade apesar das diferenças e dificuldades.
É uma história simples, e a simplicidade estende-se à escrita. Capítulos relativamente curtos e uma forma bastante directa de contar as coisas adequam-se ao que seria o pensamento da protagonista. Além disso, esta simplicidade contribui também para reforçar o impacto de alguns momentos, não necessariamente os de maior perigo, mas os mais emotivos ou divertidos. Até porque o pensamento de Caitlin leva-a, por vezes, a chegar a afirmações bastante interessantes.
Assim é, pois, este livro feito de amizades inesperadas: uma história bonita, inocente e cheia de episódios surpreendentes, capaz de cativar leitores de todas as idades. Simples, divertida e, nos momentos certos, comovente, uma boa leitura.

Autor: Ross Montgomery
Origem: Recebido para crítica

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

A Ilha das Mil Fontes (Sarah Lark)

Depois de ver o seu primeiro amor morrer-lhe nos braços, Nora Reed, filha de um influente comerciante, aceita um casamento de conveniência com Elias Fortnam, proprietário de uma plantação de açúcar na Jamaica, na esperança de aí realizar o sonho que nunca viveu com Simon. Mas a realidade é muito mais complexa do que os seus sonhos de juventude. A vida nas plantações implica o recurso a trabalhadores escravos, algo que, embora contrário às suas convicções, Nora tem de aprender a aceitar. E, quando seres humanos se tornam propriedade, seguem-se as crueldades e a revolta. Nora tem de aprender a viver naquele novo mundo, com um marido que não ama e que, a cada novo dia, se revela um pouco mais repulsivo. Mas o amor continua à espreita, mesmo por entre as provações. E talvez seja ali que Nora irá finalmente superar a perda...
Começar a destacar qualidades num livro em que tudo é mágico e todas as suas facetas se conjugam num equilíbrio perfeito não é propriamente fácil, mas, no caso deste livro, há desde logo um ponto que é preciso destacar: a escrita. Sarah Lark escreve sobre tempos e locais longínquos e fá-lo descrevendo tudo ao pormenor. E, todavia, nunca a história se torna demasiado descritiva e muito menos maçadora. É que há na escrita desta autora uma tão maravilhosa fluidez que é fácil visualizar o cenário, imaginarmo-nos lado a lado com Nora Reed ante tudo aquilo que precisa de enfrentar e sentir com as personagens - não só com Nora, mas também com as outras figuras centrais - o impacto daquilo que estão a viver.
É uma magia que começa na escrita - mas que se estende a todos os outros aspectos. O percurso é longo e cheio de tribulações, e a forma como a autora constrói as suas personagens torna praticamente irresistível a vontade de querer continuar a acompanhar esse percurso. Além disso, nunca nada é fácil, mesmo quando as possibilidades são muitas. E este caminho de escolhas difíceis, de duras perdas, de crueldade, de sofrimento e, enfim, talvez de superação está de tal modo repleto de momentos comoventes, angustiantes, ternos e surpreendentes que é impossível evitar que a viagem e seus protagonistas fiquem gravados no coração.
Há, além disso, todo um mundo de questões relevantes neste livro, ou não se passasse grande parte da história numa plantação. A forma como os senhores das plantações vêem os escravos, com toda uma série de argumentos rebuscados para justificar que tudo fique na mesma, e a crueldade que gera novas crueldades, evocam na perfeição o lado mais sombrio da época em que o enredo decorre. E a este cenário global, caracterizado com precisão e sem perder de vista as suas complexidades, a autora vem acrescentar ódios e vinganças pessoais das personagens, numa teia intrincada, mas fascinante, de percursos individuais num todo mais vasto. É uma história de escravos e de senhores - e é a história de Doug, Nora e Akwasi. Uma história feita de crueldades injustificadas, de amor em lugares insuspeitos e, principalmente, de personagens complexas, nenhuma delas perfeita, mas todas profundamente humanas.
É uma estranha magia, pois, a que vive nas páginas deste livro. Um livro relativamente extenso, mas em que mal se dá pelas páginas a passar, tal é o impacto da história, a força dos sentimentos que as personagens despertam e a poderosa vastidão de um cenário onde tudo marca, tudo surpreende... e tudo comove. Maravilhoso.

Autora: Sarah Lark
Origem: Recebido para crítica

Para mais informações sobre o livro A Ilha das Mil Fontes, clique aqui.

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Pollyanna (Eleanor H. Porter)

Enviada para viver com a tia após ter perdido os pais, Pollyanna não teria à partida muitas razões para ficar contente - até porque a sua tia Polly é uma mulher amarga e obcecada pelo dever. Mas, em tempos, o pai ensinou-lhe um jogo e isso fez com que Pollyanna começasse a procurar em toda a parte razões para ficar contente. Agora, chegada à sua nova casa, Pollyanna começa a espalhar alegria por todos aqueles que encontra. E, se todos começam por a ver como uma criança invulgar, a sua persistência na alegria cedo começa a influenciar os outros. E a vida das pessoas começa a mudar...
É provavelmente na inocência que está o aspecto mais cativante deste livro. Na inocência de uma criança que, tendo perdido quase tudo, se agarra a um optimismo quase absurdo que não só a ajuda a lidar com os obstáculos como a leva a querer espalhar alegria por todos. O Jogo do Contente, tão essencial à linha desta história, pode parecer, pelo menos a um olhar adulto, um exagero, pois, por mais motivos que se possam procurar, não basta ficar contente para que os problemas se desvaneçam. Mas há em tudo isto uma inocência enternecedora e uma mensagem muito positiva de optimismo e determinação, pois é certo que também na vida de Pollyanna os problemas não desaparecem pela simples força do pensamento - mas tornam-se decerto mais fáceis de suportar.
É uma história muito simples, tanto nos acontecimentos como na forma como são contados. O problema de Jimmy Bean, o misterioso passado da tia Polly e até o mau feitio do senhor Pendleton - tudo isto contém enigmas que desvendar ou situações para desenredar, mas tudo acontece com a máxima simplicidade. E sim, claro que isto pode deixar, por vezes, a sensação de algumas coisas parecerem demasiado fáceis, mas também faz um certo sentido. Ou não fosse esta a história de uma menina capaz de mudar o mundo com a sua simples alegria.
Talvez não seja uma visão particularmente precisa do mundo, já que o optimismo inabalável de Pollyanna colide com um mundo onde, por vezes, procurar a alegria não chega. Ainda assim, importa lembrar que este é um livro juvenil e, assim sendo, falar de optimismo, de inocência e de procurar forças mesmo nos momentos difíceis não pode senão ser uma boa premissa. Além disso, quando a alegria feroz de Pollyanna colide com a amargura da tia, com o mau humor de John Pendleton ou com a simples confusão das outras personagens, o resultado é também uma série de momentos divertidos, o que acrescenta a toda a ternura e inocência da história o potencial para umas boas gargalhadas.
Percebe-se, pois, o porquê de esta história simples e enternecedora ser considerada um clássico. É que, com a sua mistura eficaz de leveza e inocência, humor e ternura, simplicidade e optimismo, contém em si uma base essencial de valores que tem tudo para cativar leitores de todos os tempos e idades. Basta isso, pois, para que a leitura valha a pena. E já é muito.

Título: Pollyanna
Autora: Eleanor H. Porter
Origem: Recebido para crítica

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Destemidas - Mulheres que Só Fazem o que Querem (Pénélope Bagieu)

Já todos ouvimos falar na história de alguma mulher que mudou o mundo à sua volta - e até mesmo a história do mundo em geral. Mas a verdade é que há muitas mais além dessas figuras mais conhecidas. É dessas que fala este livro: mulheres que viveram a sua vida confrontando todas as barreiras para alcançar um objectivo e que não deixaram que nada as impedisse.
Uma das primeiras coisas a chamar a atenção neste livro é, inevitavelmente, a premissa. A fazer lembrar um formato diferente das Histórias de Adormecer para Raparigas Rebeldes, conta as histórias de um conjunto de mulheres notáveis, e fá-lo de forma simples, cativante e esclarecedora. E basta isto - a importância destas histórias e a clareza com que nos são contadas - para fazer com que a leitura valha a pena.
Mas, naturalmente, há mais. Há um estilo muito próprio, em que tanto a imagem como a própria forma como a história é exposta parecem querer lembrar uma história contada em voz alta. Há a diversidade de épocas, de âmbitos, de percursos, que fazem com que este livro englobe diversas áreas e mentalidades, sem nunca perder de vista a linha central - a da igualdade. E há um contraste surpreendente entre a simplicidade da história e o impacto das imagens que encerram cada uma delas, que, mais do que traçar uma divisão entre as diferentes histórias, eleva a sua beleza ao máximo impacto.
Ao abranger várias pequenas histórias, é também o livro ideal para um regresso ocasional às partes mais marcantes. Além, é claro, de se devorar de uma assentada numa primeira leitura. É que todas estas histórias são notáveis - principalmente pelo facto de serem reais, mas também pela forma cativante como são contadas. E a forma como a autora as constrói, dando a cada uma o ambiente e a cor adequados à época e local em que decorrem, torna tudo mais nítido e marcante.
O título ajusta-se, pois, na perfeição. Pois é de mulheres destemidas que se trata. E de um retrato notável de algumas mulheres que, não sendo talvez as mais conhecidas da História, têm, ainda assim, todas elas um percurso admirável - e que importa, sem dúvida, conhecer. Recomendo.

Título: Destemidas - Mulheres que Só Fazem o que Querem
Autora: Pénélope Bagieu
Origem: Recebido para crítica

domingo, 12 de agosto de 2018

Jessica Jones: Pulsar (Brian Michael Bendis e Mark Bagley)

Grávida e a precisar de dinheiro, Jessica Jones está pronta para iniciar uma nova fase na sua vida: a trabalhar para o Clarim Diário, num novo suplemento surpreendentemente dedicado às histórias dos super-heróis. Só que não importa assim tanto que Jessica tenha deixado de ser super-heroína - as suas ligações continuam presentes, tal como a inevitável tendência a meter-se em sarilhos. Primeiro, a morte de uma jornalista põe-na no caminho do poderoso Norman Osborn. Depois, uma guerra secreta lança-a numa busca frenética pelo namorado. E, por fim, mesmo quando se prepara para ter o seu filho e casar, novos problemas vêm bater à porta dos Vingadores - mesmo quando Jessica mais precisa deles... É que a vida de um super-herói nunca pára. E namorar com um Vingador tem destas coisas.
Uma das primeiras coisas a chamar a atenção neste volume é a diferença de registo. Se, em Alias, o ambiente era mais negro e havia uma maior abundância de cenas pesadas, aqui, há uma maior leveza, que transparece não só nos acontecimentos como também visualmente. Além disso, há mais super-heróis - muito mais super-heróis - e menos investigação, o que, por si só, bastaria para justificar a mudança de registo. Mas há também um equilíbrio entre esta evidente mudança e as ligações vindas do passado. O ambiente pode ser menos sombrio, mas Jessica Jones continua a ser a mesma pessoa, com o seu temperamento peculiar, a sua persistência incessante e a sua visão algo parcial - e menos segura do que deveria ser - de si mesma. O que, claro, apenas reforça a sensação que ficou após o último volume de Alias: que se fechou um ciclo e que esta é uma nova fase.
Também a nível de imagem se notam mudanças evidentes, inclusive entre números. Se a Jessica Jones de Alias mantinha sempre essencialmente os mesmos traços, aqui há uma visão algo distinta - ainda que seja sempre fácil reconhecê-la. E é interessante a forma como, por vezes, quase parece vislumbrar-se a Jessica Jones do passado, enquanto noutras - principalmente quando assume um papel mais discreto, ou uma postura diferente - a imagem se altera, como que ajustando-se às circunstâncias em que se encontra.
Mas voltando aos muitos super-heróis. Já não é novidade para ninguém que super-heróis é coisa que não falta no universo Marvel e muitos deles marcam presença neste livro. Ora, sendo Jessica a figura central, também não é propriamente uma surpresa que muitas destas aparições sejam fugazes - ainda que nunca discretas. Mas o mais interessante nisto tudo é que todos têm algo de fundamental a acrescentar ao enredo, além do muito agradável efeito secundário que é a curiosidade irresistível em conhecer as suas próprias histórias. Até porque, ao longo da leitura, surgem várias referências intrigantes a algumas dessas outras histórias. 
E claro, há outra figura importante nesta história - ou não tivesse Jessica ido trabalhar para o Clarim Diário. A história de Ben Urich, com a sua dedicação ao trabalho e os seus invulgares princípios, está na base de alguns dos momentos mais marcantes do livro, além de acrescentar a uma história repleta de super-heróis um outro tipo de heroísmo: o de fazer o que está certo mesmo quando é difícil.
O que fica então de tudo isto? Uma leitura viciante e cheia de surpresas, e uma janela aberta para um mundo tão vasto que difícil é saber para onde ir a seguir. Intenso, cativante e com um sempre fascinante núcleo de personagens, um livro a não perder. 

Autores: Brian Michael Bendis e Mark Bagley
Origem: Recebido para crítica

sábado, 11 de agosto de 2018

Felizes para Sempre (Kiera Cass)

Vista pelo olhar da protagonista, a história da Selecção deixou para várias das suas personagens muitas questões em aberto. Mas nem só de America vivia a história e, tanto no passado como durante a Selecção, houve momentos que foram narrados de uma perspectiva inevitavelmente parcial. As respostas que faltavam estão aqui, neste livro, onde Amberly, Maxon, Aspen, Marlee e mais algumas personagens assumem a sua própria voz, revivendo momentos já conhecidos - e acrescentando-lhes algo de novo.
A Rainha abre este livro com a história da selecção da rainha Amberly, revelando não só um lado diferente do rei Clarkson, mas também uma história cheia de ternura, esperanças e amor. Leve e cativante, evoca o mesmo ambiente dos outros livros da série, transportando-o para um passado mais distante, ao mesmo tempo que revela facetas diferentes dos protagonistas. Mas há também pistas evidentes para o que virá depois na história de ambos, o que cria também uma certa - e adequada - sensação de melancolia.
Segue-se O Príncipe, que, do ponto de vista de Maxon, acompanha o início da Selecção. Embora não acrescentando muito de novo à história já conhecida, excepto na fase inicial, ver as coisas a acontecer da perspectiva do príncipe confere a alguns momentos um novo impacto, além de realçar a complicada relação de Maxon com o pai. Ah, e claro, o sentido de humor de Maxon e America nunca deixa de cativar.
Depois vem Aspen, em O Guarda, um Aspen ainda apaixonado por America e a tentar encontrar uma forma de remediar o que perdeu. Mais extenso, mais detalhado e com vários momentos de grande intensidade, é este o conto que segue mais de perto a linha dos outros livros, mas também o que, ao abrir a mente do protagonista, mais o complementa.
E a seguir vem A Favorita, provavelmente a mais intensa e comovente das histórias deste livro. A protagonista é Marlee e, embora o essencial da sua história seja já conhecido de quem leu os outros livros, vê-lo da sua perspectiva dá-lhe todo um novo impacto. Além de, como parece ser característica deste livro, revelar também novas e cativantes facetas do comportamento das outras personagens.
Parte do que torna este livro tão interessante é o facto de complementar algumas facetas dos outros livros da série, acrescentando-lhes novas perspectivas, bem como detalhes interessantes. É o que acontece nas Cenas de Celeste, que, apesar de bastante breves, permitem ver a Celeste que, no início da história, parecia não poder existir. Momentos simples, mas surpreendentemente emotivos, que acrescentam à história um pouco mais de emoção.
A Aia conta a história do ponto de viragem na relação de Lucy e Aspen. Um momento relativamente breve, mas repleto de emoção, e que acrescenta uma perspectiva diferente a alguns acontecimentos dos outros livros. 
Continuando a complementar a história principal, vem o que aconteceu Depois de A Escolha. Trata-se de uma cena da vida de America e Maxon enquanto casal, que, além de especialmente enternecedora, permite ver também um pouco mais das relações entre personagens depois do processo de Selecção. Um momento simples, mas muito bonito, e um belíssimo complemento ao enredo central.
E, por fim, uma breve resposta acerca das outras Seleccionadas. Onde Estão Agora? As respostas são sucintas e não propriamente essenciais para o todo, mas reforçam a sensação de fim de ciclo e a ideia de a Selecção ser apenas uma passagem - e não um destino fatal - para as preteridas na escolha do príncipe. Também um interessante complemento.
Chegado o fim, fica a mais simples das impressões: a de um livro que vem dar as respostas que faltaram nos outros volumes da série e apresentar novas perspectivas para alguns dos grandes acontecimentos. Leve, cativante e com vários momentos intensos, um belíssimo complemento e uma leitura a não perder para os fãs da série. 

Autora: Kiera Cass
Origem: Recebido para crítica

Para mais informações sobre o livro Felizes para Sempre, clique aqui.

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Portugal - Os Grandes Momentos da História (João da Cunha Carvalho Portugal)

Contar em poucas centenas de páginas uma história de séculos nunca poderá ser tarefa fácil. São muitos os nomes, as datas e os acontecimentos notáveis - sejam eles batalhas, acordos, alianças ou revoluções. Mas talvez bastem essas poucas centenas para conter o essencial, as linhas básicas de uma história que é, inevitavelmente, mais vasta, mas da qual é possível ficar com uma ideia bastante clara. É nisso que consiste este livro: um conjunto de relatos sucintos que, no seu todo, formam um retrato das linhas essenciais da História de Portugal.
Abrangendo um amplo período histórico e, contudo, resumindo cada acontecimento a um reduzido número de páginas, uma das primeiras características a sobressair neste livro é o registo invulgar. Mais do que narrar factos e enunciar listas de nomes - embora estas sejam, de facto, inevitáveis - parece querer transpor para o momento da leitura o impacto e intensidade dos momentos que descreve. E sendo muitos deles grandes batalhas, esta descrição como que exaltada de vigor patriótico resulta estranhamente adequada, pois como que transpõe para o texto a bravura e o perigo do momento.
Também interessante é a forma como, ao seguir os acontecimentos por ordem cronológica, se fica com a impressão de estar a ler algo mais que um conjunto de episódios. Sim, cada capítulo descreve um momento distinto, mas, ao acompanhar a linha temporal, fica-se com uma visão mais abrangente do todo de que os fragmentos fazem parte e, principalmente, da imensa vastidão desse todo.
Não é, como é óbvio, um livro exaustivo, até porque muitos destes momentos justificariam um livro só a eles dedicado. Mas o essencial está lá, seja no que toca aos intervenientes, às estratégias de batalha, às intrigas, alianças e revoluções e até mesmo às conquistas alcançadas em tempos de paz. Fica a curiosidade em saber mais? Bem, para isso haverá certamente outros livros. Mas, enquanto ponto de partida para uma visão global da História e dos feitos pátrios, o equilíbrio entre brevidade e informação parece ser o adequado.
É esta, pois, a imagem que fica desta leitura: a de um resumo relativamente sucinto, mas bastante abrangente e equilibrado da História de Portugal, realçando essencialmente os seus grandes feitos e grandes figuras de uma forma clara e cativante. Um bom livro, em suma.

Autor: João da Cunha Carvalho Portugal
Origem: Recebido para crítica

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

O Homem nas Sombras (Phoebe Locke)

Diz a lenda que o Tall Man matou a filha por ela ser desobediente - mas que, às raparigas que lhe derem presentes e subserviência, ele pode torná-las especiais. E foi esta lenda a origem de um crime cujas ramificações se estenderiam pelo futuro. Na infância, Sadie e as amigas fizeram um sacrifício ao Tall Man. E, anos depois, quando teve a sua própria filha, a noção de que Amber poderia estar amaldiçoada fê-la fugir para a proteger. Só que as sombras nunca partem verdadeiramente. E, ao regressar a casa, julgando ter deixado o pior para trás, Sadie traz consigo o fardo do seu passado. Porque o Tall Man leva filhas. Mas às vezes precisa de um pouco de ajuda...
Oscilando entre diferentes períodos e também diferentes perspectivas, este é um livro que leva o seu tempo a assimilar. Talvez por os verdadeiros contornos do crime só serem revelados numa fase já muito avançada do enredo, muitas das referências feitas pelas personagens assumem uma certa ambiguidade, o que torna o início um pouco confuso. Além disso, se há coisa que não há neste livro é personagens que despertem simpatia. Todas são contraditórias, imperfeitas. Todas têm segredos e sombras a esconder. E, se é verdade que isso cria uma maior distância - e, no caso de Federica, uma ligeira irritação - também o é que confere à história uma perspectiva um pouco mais realista.
Quanto ao Tall Man, é também um mistério em si. Em parte lenda, em parte superstição e - por vezes - em parte real (pelo menos na mente de algumas das personagens), nunca se chega a saber sobre ele uma verdade absoluta, o que deixa, é claro, uma certa curiosidade insatisfeita. Mas também isto faz sentido, pois, sendo ele um homem de sombras, é apenas natural que a sua verdadeira natureza (real ou imaginária) seja também deixada às sombras da imaginação.
Mas voltando ao enredo. O início é, realmente, bastante pausado, em parte pela sensação de se saber muito pouco e em parte pela distância sentida relativamente às personagens. Mas a história vai-se entranhando aos poucos, à medida que as surpresas vão surgindo, e, se o ritmo nunca chega a ser realmente compulsivo, há ainda assim um crescendo de intensidade que culmina num final bastante forte. E quanto à tal empatia? Nenhuma das personagens se torna subitamente adorável, não - mas tornam-se mais fáceis de entender.
A impressão que fica é, pois, a de um livro peculiar, ainda que não propriamente viciante, em que diferentes momentos e personagens se conjugam para dar forma a um mistério intrigante, surpreendente e com um final particularmente intenso. Gostei. 

Autora: Phoebe Locke
Origem: Recebido para crítica

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

As Vantagens de Ser Invisível (Stephen Chbosky)

Aos quinze anos e introvertido por natureza, Charlie não tem propriamente facilidade em fazer amigos, mas, apesar de não se sentir assim tão desconfortável com a sua invisibilidade, está a tentar "participar". E é isso que o leva a conhecer Patrick e Sam, dois irmãos finalistas que lhe vão abrir as portas do estranho mundo da adolescência - e não só. Charlie não tarda a apaixonar-se por Sam, mas ela é mais velha e é bem clara quando lhe diz que não pode haver nada entre eles. Ainda assim, a amizade desenvolve-se e, com ela, uma série de partilhas, segredos e experiências mais ou menos perturbadoras. É que há razões para Charlie ser como é. E, à medida que cresce, às vezes mesmo sem se dar conta, há elementos de um passado reprimido que ameaçam vir à superfície.
Escrito na forma de cartas a um destinatário desconhecido, uma das primeiras coisas a chamar a atenção neste romance é a forma como a escrita evoca na perfeição o caos interior do protagonista. Aos quinze anos, Charlie está a passar por uma série de mudanças e, além disso, as suas experiências conferiram-lhe uma série de hábitos próprios. Ora, isto transparece na perfeição das cartas, não só pelos acontecimentos nelas narrados, mas pelo próprio registo. E o resultado é a sensação de partilhar um pouco dos sentimentos confusos de Charlie, entrando assim na sua vida e participando das suas dificuldades.
Também interessantes são os muitos reflexos da época em que a história decorre, com objectos como as cassetes a evocar uma espécie de nostalgia. E a própria forma de estar no mundo das personagens, com a maior tolerância ao tabaco e ao álcool, os preconceitos ainda vigentes, mas então ainda mais arraigados, e um sistema de comunicação ainda consideravelmente mais limitado, a fazer lembrar um passado não muito distante, onde tudo parece ser diferente, mas os dramas e dilemas continuam a ser semelhantes.
E depois há o lado sombrio por trás dos aparentes pequenos dramas da adolescência. O grande segredo de Charlie, que ele próprio não lembra, de início, mas também as experiências partilhadas e a profunda disfuncionalidade escondida sob uma aparente normalidade adolescente. Experiências que surgem em tão grande abundância que chega a ficar a sensação de haver demasiado a acontecer numa história que não é assim tão extensa.
No fim, ficam algumas perguntas sem resposta, mas também uma imagem de fim de ciclo. De um ano que termina, para dar lugar a outro, com mais verdades assimiladas e, assim, novas possibilidades. É esta a marca que fica desta história: a de que a vida - e o crescimento - continuam, apesar dos traumas. E o que não mata... às vezes torna-nos mesmo mais fortes. 

Autor: Stephen Chbosky
Origem: Recebido para crítica

terça-feira, 7 de agosto de 2018

O Manuscrito (John Grisham)

Na sequência de um elaborado assalto à biblioteca da Universidade de Princeton, os manuscritos originais dos cinco romances de F. Scott Fitzgerald são roubados e desaparecem sem deixar rasto. De início, os ladrões parecem ter cometido erros evidentes e dois deles são presos quase de imediato. Mas as pistas esmorecem e, sem um rasto a seguir, as atenções voltam-se para o outro lado do negócio. Bruce Cable, proprietário de uma livraria em Camino Island, é conhecido por negociar livros raros e há uma pista que aponta na sua direcção. Mas, sem provas suficientes, exige-se discrição para obter respostas. E é aqui que entra em cena Mercer Mann, escritora em bloqueio criativo e desesperadamente necessitada de dinheiro.
Tendo como ponto de partida o elaborado esquema do assalto, para seguir depois para um cenário distinto e uma outra faceta do caso, este é um livro que surpreende, em primeiro lugar, por abranger tantas e tão diferentes personagens. Da equipa de ladrões à construção da vida de Bruce Cable, passando é claro por Mercer, pelos seus empregadores e até pelos escritores que povoam Camino Island, há todo um conjunto de figuras interessantes e invulgares. Algumas, cativam pelo carisma, pelos sucessos atingidos ou pelo sonho que insistem em alimentar. Outras pelas suas facetas mais bizarras. E, sendo que nenhuma delas é perfeita, todas acrescentam algo de bom ao enredo, ficando até, nalguns casos, uma certa pena quando acabam por passar para segundo plano.
Ora, com tantas personagens, é apenas natural que algumas assumam o protagonismo, enquanto outras se vão esbatendo. E, se fica uma certa curiosidade insatisfeita acerca de algumas dessas figuras, nomeadamente o grupo de escritores com os seus distintos projectos, também é verdade que não são eles o cerne da história. Quanto a esse - os manuscritos de F. Scott Fitzgerald, com o seu roubo e recuperação - nada de relevante fica por dizer. E, se é previsível que haja uma resolução definitiva, já a resolução em si é totalmente inesperada.
O que me leva a outro dos pontos fortes: a capacidade de surpreender. Sendo a linha central da história a aproximação e infiltração no meio de um possível suspeito, é inevitável - pelo menos para a protagonista - que haja uma certa separação entre bons e maus. Só que essa separação não é tão clara como parece e, à medida que Mercer vai descobrindo isso, também as circunstâncias evoluem, com a consequente sucessão de dilemas pessoais, escolhas difíceis e situações surpreendentes.
Trata-se, pois, de um livro intrigante e surpreendente, que mistura o crime e o mundo dos livros numa fusão intensa e delicada. Envolvente, com uma fluidez quase viciante e um enredo cheio de surpresas, uma boa leitura. 

Título: O Manuscrito
Autor: John Grisham
Origem: Recebido para crítica

domingo, 5 de agosto de 2018

Areias Brancas (Geoff Dyer)

Viajar pode ser uma experiência reveladora - mas não necessariamente segundo as expectativas criadas. Às vezes, vai-se a um local onde se passam dias na ânsia de o deixar, e só depois é que a viagem se torna memorável. Outras, tem-se um objectivo em mente e, apesar de todos os esforços, esse fica por concretizar. E outras, descobrem-se locais inexplicáveis, com uma história vastíssima, mas que não são o que pareciam ser. De todas estas experiências - e até de alguns incidentes de percurso - nasce este estranho e cativante livro.
Sendo, essencialmente, um livro de viagens, é apenas de esperar uma considerável componente descritiva. Mas começam logo aqui as surpresas: há, de facto, vastas descrições, tanto de locais, como de experiências, pessoas e elementos históricos, mas num registo bastante peculiar. Nos locais, porque o autor acrescenta-lhe um perspectiva pessoal, que chega até a surpreender, por estar muito longe da sensação de espanto reverente que, às vezes, domina este tipo de livro. Nos restantes elementos, por abrir as suas próprias percepções, não se cingindo ao lado bom da experiência, mas exprimindo também os contrastes e contradições.
Claro que há também uma vasta dose de informação - e um amplo conjunto de referências artísticas - o que, tornando embora a visão mais completa, torna também o texto mais pausado. Ainda assim, é sempre uma experiência interessante descobrir novos locais e personalidades. Além de que, ao acrescentar ao percurso os seus episódios pessoais mais invulgares, o autor torna a viagem mais intensa, peculiar... e, nalguns casos, mais divertida.
E há ainda o que fica depois da viagem: percepções do mundo, pensamentos surpreendentes, laivos de humor por entre uma análise mais vasta e introspectiva de propósitos. Frases notáveis que surgem quando menos se espera e que, mesmo quando o texto parece perder-se um pouco em longas explicações, acrescentam um elemento de surpreendente profundidade. Um olhar pessoal por detrás dos traços do lugares, que torna mais memoráveis as impressões e mais duradouro o seu impacto.
No fim, fica a impressão de um livro de viagens que não é bem um livro de viagens. Uma estranha aventura, pessoal e intransmissível, mas que transmite algo de básico e essencial que vai muito além dos lugares e das pessoas. Estranho, contraditório até, mas muito interessante. E uma boa leitura.

Título: Areias Brancas
Autor: Geoff Dyer
Origem: Recebido para crítica

sábado, 4 de agosto de 2018

Nada é por Acaso (Maria Roma)

Há anos que Maria Pia viu a casa de Sirmione pela última vez, mas, nos seus últimos momentos, decide deixar aos seus mais próximos as revelações do porquê - e um motivo para regressar. Adriana, a neta, será a nova proprietária. Mas o que esta ainda não sabe é que, na casa do lado, cujo antigo habitante significou, em tempos, tanto para Maria Pia, se encontra a promessa de um grande amor. Um incidente delicado leva Adriana a conhecer Stefano e a apaixonar-se. E, à medida que desvendam os meandros do passado, bem como as teias do presente atribulado das suas famílias e relações, o amor que os une torna-se cada vez mais forte...
Escrita em capítulos relativamente curtos e acompanhando os pontos de vista de várias personagens distintas, este é um livro que deixa, por vezes, sentimentos ambíguos. Talvez devido à diferença de perspectivas, ou à personalidade francamente pouco empática de algumas figuras centrais, que, por vezes, as faz cair em comportamentos contraditórios, nem sempre é fácil entender os porquês de algumas das coisas que acontecem. Ainda assim, algo que desde cedo se torna claro é que, mesmo não gostando de algumas personagens, é fácil entrar no ritmo da história, pois a mistura de mistérios e desgostos passados e novos amores a nascer no presente compensa os momentos de maior distância e são também mais as personagens que despertam empatia do que as que despertam verdadeira aversão.
Apesar da relativa brevidade dos capítulos, há uma considerável componente descritiva, o que torna a leitura um pouco mais pausada. Mas é também um elemento que faz sentido, já que os locais - principalmente Sirmione - são parte do que marca o percurso das personagens e, assim sendo, é apenas natural que o cenário seja descrito ao pormenor. Além disso, a história percorre toda uma vastidão de locais, mas é Sirmione o centro para onde tudo converge, daí que seja adequada esta mais extensa caracterização.
Claro que, ao seguir várias personagens, criam-se também várias histórias secundárias à da relação de Adriana e Stefano - e com vários pontos de proximidade. Daí que fique, em certos aspectos, uma certa curiosidade insatisfeita, principalmente no que toca ao futuro de Renata e Julieta. Até porque sendo estas duas as personagens que mais antipatia despertam, seria sempre interessante saber um pouco mais sobre a evolução dos seus percursos.
Ficam, por isso, impressões contraditórias, principalmente acerca das personagens que habitam este romance. Mas fica também a imagem de uma leitura cativante, com várias surpresas notáveis e um interessante equilíbrio entre emoções muito distintas. Uma boa história, em suma.

Autora: Maria Roma
Origem: Recebido para crítica

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Destemida (Lesley Livingston)

Segunda filha do rei de uma tribo guerreira, Fallon preparou-se a vida inteira para ocupar o seu lugar entre os guerreiros do pai. Mas Virico teme perdê-la, como perdeu a filha mais velha, e para o evitar decide dá-la em casamento a um conhecido aliado. Só que Fallon não está disposta a aceitar isso e, quando os acontecimentos se precipitam, Fallon dá por si nas mãos de um mercador de escravos e a caminho da Roma que tanto odeia. Aí, espera-a um destino de brutalidade... ou glória nas arenas. Mas grandes sucessos trazem grandes inimigos - e nem mesmo a protecção de alguns aliados inesperados a poderá proteger nos combates que se avizinham.
Provavelmente um dos aspectos mais notáveis neste livro é a facilidade com que transporta o leitor para o interior da história e do seu mundo. Talvez por ser narrado pela perspectiva de Fallon, já que a sua situação arranca logo num contexto difícil e cada novo desenvolvimento só vem levantar mais barreiras. Ou talvez porque este é o ponto de partida para um percurso de crescimento tão intenso quanto surpreendente, repleto de momentos marcantes, tanto em combate como nos meandros da intriga.
O que me leva outro dos pontos fortes: a intriga. Não é propriamente uma surpresa, numa história que decorre na Roma de Júlio César, que haja amplo espaço para intrigas, traições e pequenas ou grandes conspirações. O que surpreende é a forma como este contexto mais vasto envolve a história particular de Fallon, com os diferentes elementos a surgir precisamente quando são necessários, deixando à jornada individual a linha essencial do enredo, mas manifestando-se quando lhe acrescentam uma perspectiva mais ampla.
E depois, claro, há o aspecto emocional. Fallon é o tipo de personagem que desperta empatia: forte, mas vulnerável, determinada, por vezes teimosa, mas decidida a lutar pelos princípios que valoriza. Mas está longe de ser a única figura notável. Sorcha, Elka, Cai, até mesmo Charon. Todos eles são figuras marcantes, cada um à sua maneira, e a teia de relações que se desenvolve - de amizade, de interesse, de rivalidade ou de ódio - confere à história um ritmo irresistível. Pois há sempre algo de bom a descobrir, seja num laivo de humor, no desvendar de uma intriga ou num simples momento de afecto ou emoção.
Trata-se, pois, de uma história marcante. Intensa no enredo, notável nas personagens e cheia de possibilidades quanto ao que se poderá seguir, uma abertura poderosa para uma série que promete ainda muito mais. Recomendo.

Título: Destemida
Autora: Lesley Livingston
Origem: Recebido para crítica