quinta-feira, 31 de maio de 2012

Azul-Corvo (Adriana Lisboa)

De volta aos Estados Unidos após a morte da mãe, Vanja está determinada em encontrar o pai que nunca conheceu. Os seus aliados são Fernando, ex-guerrilheiro e ex-marido da mãe de Vanja, e Carlos, o rapaz de El Salvador que acredita firmemente que o seu lugar é no Colorado. As pistas são as recordações de Fernando, das antigas amigas da mãe de Vanja e os vagos fragmentos da sua própria memória. Mas, ao mesmo tempo que, na busca do pai, Vanja descobre quem é e qual é o seu lugar, há também uma grande revelação no passado de Fernando e do seu papel nos acontecimentos que ditaram uma fase negra da história do Brasil.
Contado na primeira pessoa e com um ritmo que se estabelece pela forma como as memórias da protagonista lhe acorrem à mente, Azul-Corvo não é propriamente um livro de leitura fácil. Isto deve-se principalmente ao facto de não haver uma linha temporal definida para a narrativa, mas antes uma série de recordações de tempos diferentes, que se vão cruzando e revelando com o crescimento da própria Vanja e com o que esta descobre sobre o passado e a forma de ser dos que lhe são mais próximos. 
Mais que a história da busca do pai de Vanja, esta é a história de como o passado e as experiências marcam o percurso de cada vida. Não só a de Vanja, com a quase inocência de alguns momentos a contrastar com o crescimento imposto por cada mudança e cada revelação, mas a do próprio Fernando , com o que o definia enquanto guerrilheiro a dar lugar a um homem bem diferente, como ainda na ingenuidade quase terna de Carlos e na forma como esta equilibra as manifestas diferenças entre o mundo de que Vanja começa a fazer parte e o mundo que Fernando conheceu. Destes três intervenientes maiores na linha da narrativa, sobressaem as diferenças e os contrastes, as mudanças que o tempo e as experiências vividas estabelecem entre eles, mas também a relação de quase ternura que atravessa essa distância. As ligações são fortes, mas não são eternas, e essa percepção cria, nesta história, uma interessante reflexão sobre a efemeridade dos laços que se criam ao longo da vida.
Há dois elementos que se distinguem e se complementam ao longo deste livro: a história pessoal e introspectiva da protagonista e dos que a rodeiam e a caracterização, através das memórias de Fernando, da vida e das acções dos guerrilheiros. E nem só o tempo e os protagonistas de cada evento os separam: a própria escrita acompanha estas divergências, num tom mais poético e contemplativo para as memórias e reflexões de Vanja, que cede, para os elementos históricos, a um relato mais concreto, com descrições precisas, que, nos momentos mais sombrios, chegam a ser perturbadoras.
Duas histórias diferentes, mas com muitos pontos em comum, se conjugam neste livro. Do equilíbrio que se estabelece entre ambas, sobressai a beleza da escrita, a conjugação do lado pessoal com os eventos globais e um enredo que, com a medida certa de ambiguidade, dá forma a toda uma reflexão sobre o crescimento e as relações. Eis, portanto, uma boa leitura.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

O Quarto do Rei (Juliette Benzoni)

Enquanto a corte chora (e o rei nem tanto) a morte da sua rainha, Charlotte de Fontenac desaparece, depois de ter sido vista a entrar no gabinete do rei em estado de grande perturbação. Ante as iminentes mudanças causadas pela morte da rainha e os muitos interesses que esta parece pôr em causa, poucos prestam atenção ao desaparecimento da jovem, mas há, entre os que a conhecem, quem não esteja disposto a desistir sem obter respostas. O que encontram, contudo, é bastante mais complexo do que esperavam e o reaparecimento de Charlotte, em circunstâncias inesperadas e numa condição bastante diferente da que lhe conheciam, vem adensar ainda mais o mistério. Pois a corte é um lugar de intrigas e a queda em desgraça pode dever-se a acontecimentos aparentemente muito simples...
Mistério e intriga são os elementos fundamentais deste livro que, desde logo, surpreende por ter um ritmo ainda mais intenso que o do primeiro volume. As personagens são agora já conhecidas e o ponto de partida deixado pelo final do primeiro volume permite entrar, desde logo, numa linha em que a acção predomina e desvendar o enigma é imperioso. Além disso, a situação delicada da protagonista apela à empatia do leitor, criando uma proximidade com a personagem, e com o seu papel no centro do que é uma vasta teia de intrigadas, uma incessante curiosidade em saber como se resolverão as coisas. 
Tudo isto faz com que esta seja uma leitura compulsiva. Mas há ainda mais alguns aspectos que sobressaem. Para lá de Charlotte e da sua história de amor impossível com o modesto polícia Alban Delalande, há toda uma série de simpatias e ódios de estimação a surgir entre as várias personagens que habitam esta história. Cria-se, assim, toda uma série de relações, que vão de elementos simples e pessoais a ligações que, se quebradas, podem abalar o funcionamento do estado. Isto torna-se ainda mais interessante por nenhuma personagem ser apenas exactamente o que parece a princípio - como demonstram, de resto, as acções de Alban e Adhémar, os dois homens da vida de Charlotte de Fontenac.
Importa ainda mencionar a forma como, sem perder de vista as personagens que são, afinal de contas, o centro da narrativa, a autora consegue apresentar uma visão bastante completa do funcionamento da corte de Luís XIV, sendo particularmente interessante, neste livro, a caracterização bastante detalhada da cerimónia do deitar.
De referir, por último, o crescimento das personagens e, em particular, de Charlotte, cujas circunstâncias delicadas a moldam numa personagem bastante menos ingénua - e bastante mais fascinante - da apresentada no primeiro volume. É, aliás, este crescimento, tanto da parte da protagonista como dos que a rodeiam, que prepara terreno para um final forte, surpreendente e um pouco comovente.
De leitura viciante, com um equilíbrio perfeito entre acção, mistério e emoção e uma caracterização bastante precisa do cenário e dos costumes da época, O Quarto do Rei completa de forma envolvente e surpreendente a cativante história iniciada em Mataram a Rainha!. Muito, muito bom.

Novidade Quetzal


Cinquenta anos de viagens celebrados por uma recolha de textos que formaram Paul Theroux enquanto leitor e viajante – um manual de viagem literário, um guia filosófico, uma antologia de grandes  autores que viajaram, entre eles Theroux. A Arte da Viagem mostra a bagagem  – espiritual ou física  – que levaram e que trouxeram; os lugares por onde passaram, ou que imaginaram; os prazeres e os sofrimentos do viajante, a solidão, o anonimato, o encontro com estranhos; a estrada enquanto vida; as cidades, os comboios, as paisagens; a aventura; e a tradição, a política e a pornografia na viagem; o tempo e o amor na viagem; e a viagem enquanto transformação. Neste extraordinário tributo encontramos, entre muitos, Vladimir Nabokov, Samuel Johnson, Evelyn Waugh, Mark Twain, Bruce Chatwin, Graham Greene, Anton Tchékov, Ernest Hemingway e o melhor de Paul Theroux.

Paul Theroux nasceu em Medford, no Massachusetts, em 1941. Frequenou as universidades do Maine e, posteriormente, do Massachusetts, e o curso de escrita criativa com o poeta Joseph Langland fê-lo descobrir que escrever era o que queria fazer na vida. Passou cinco anos em África antes de partir para Singapura, onde foi professor universitário. Paul Theroux vive actualmente entre o Cape Cod e o Havai. Entre  os livros já publicados pela Quetzal contam-se  Viagem por África,  O Velho Expresso da Patagónia, Regresso à Patagónia e  O Grande Bazar Ferroviário (considerado pelo Telegraph um dos 20 melhores livros de viagens de sempre).

Novidade Bertrand


Sequela da saga familiar  Uma Mulher no Reino,  o presente romance,  Soldado de Acaso, decorre entre duas guerras – a última Guerra Peninsular e a Guerra do Paraguai, passando pelas Lutas Liberais e pela Guerra dos Farrapos.
Num século marcado pelo conflito entre Conservadores e Liberais, desenham-se os percursos românticos de um pai pragmático e de um filho idealista. A violência das guerras e a intensidade das paixões entrecruzam-se numa trama cheia de cor e de suspense, cujo desenlace é verdadeiramente inesperado.
Uma história passada entre Portugal, Brasil e  Inglaterra.

Helena Campos Henriques nasceu em Lisboa, onde completou o curso do liceal e se interessou pelo estudo de línguas estrangeiras. Visitou vários países da Europa e da Bacia Mediterrânica. Sempre se dedicou à literatura e à poesia, tendo publicado, em 1969, um livro de viagens, Ruy e  Concha Fazem um Cruzeiro e, em 1995, um livro de contos para crianças, Grandma's Tales.

João Poole da Costa nasceu em Lisboa, onde se formou. Foi durante muitos anos consultor internacional em projectos e construção de barragens no Brasil e no Peru. Mais recentemente, leccionou na Universidade Nova de Lisboa como Professor Associado Convidado. Viajou desde cedo por vários países onde, em paralelo com a sua actividade profissional, se interessou pela cultura dos povos que conheceu.

Convite


terça-feira, 29 de maio de 2012

Sempre que Dizemos Adeus (Anna McPartlin)

Pela segunda vez, Harri Ryan está prestes a casar-se... e, pela segunda vez, acaba nas urgências de um hospital, devido a um ataque de pânico. A situação é inexplicável, pois Harri ama o noivo, mas sempre teve a sensação de não pertencer no lugar que sempre ocupou na vida. Assim, ao mesmo tempo que James se afasta por julgar que os medos de Harri significam que esta talvez não o ame, a família dela decide que contar a verdade é, agora, inevitável. E a verdade é que a verdadeira Harri morreu e que os seus pais a trocaram pela bebé de uma adolescente que morreu a dar à luz. Exposta a verdade, Harri e o seu (suposto) gémeo têm de aprender a lidar com a mentira dos pais, ao mesmo tempo que, tal como os amigos próximos, encontram a força que define as suas relações... ou as fraquezas que dizem que estas devem terminar.
Reconfortante seria uma boa palavra para definir este livro. Apesar das circunstâncias que lhe definem o enredo, não é uma história particularmente complexa e a mentira central de toda a narrativa conjuga-se com os bons e os maus momentos do quotidiano das relações como base essencial do enredo. A própria escrita é, também, bastante simples sem grandes elaborações descritivas e centrando-se nos acontecimentos e, em relação com estes, nas emoções das diferentes personagens. Ainda assim, há, quer no conjunto das personagens, quer na forma como uma história complicada pelas mentiras que a definem se associa à rotina de uma vida "normal", uma boa dose de empatia a surgir e a forma como as personagens se revelam, quer no seu lado mais cativante, quer nos defeitos ligeiramente irritantes, contribui para as tornar um pouco mais reais.
No fundo, são as emoções o que sobressai neste livro. Mais que o toque de mistério criado pelas origens de Harri, ou até que a interacção desta com os pais depois de revelada a verdade, são as relações entre as personagens e a forma como as emoções definem os seus objectivos (Harri na sua busca de uma forma de encarar a verdade, Sue com o segredo que destruiu o seu casamento, Melissa com a vontade de fazer o marido compreender as suas necessidades) o elemento mais evidente em toda a narrativa. Elemento este que se torna particularmente tocante nas ligações ao passado, estabelecidas através do diário de Liv e da forma como este, do ponto de vista da adolescente cheia de planos que vive numa realidade disfuncional, acaba por representar na perfeição os obstáculos que diferenciam o sonho da realidade.
Trata-se, portanto, de uma história relativamente simples, mas cativante e com momentos de grande impacto emocional. De leitura agradável, com algumas personagens particularmente carismáticas e situações bastante tocantes, uma boa história.

Novidade Quetzal


Do Natural é um poema em prosa sobre o fascínio e o temor pela Natureza, e o que a torna incompatível com a sociedade. 
É também o relato do percurso – a vida, o amor e a morte – de três homens separados no tempo por séculos, cada um tendo vivido, à sua maneira, o doloroso conflito que se trava entre o Homem e o mundo natural: O pintor Matthaeus Grünewald de Aschaffenburg; o explorador Georg Wilhelm Steller; e o próprio autor.
Neste que é o primeiro livro de W.G. Sebald e que se manteve inédito em Portugal até ao momento, encontramos uma poesia atmosférica sobre uma melancólica melodia de fundo  – uma verdadeira obra-prima da linguagem. 

W.G. Sebald nasceu em 1944 em Wertach, na Alemanha, e viveu desde 1970 em Norwich,  no Reino Unido, onde foi docente universitário de Literatura Alemã. Prosador e ensaísta, é autor de grandes marcos da literatura contemporânea como Os Anéis de Saturno,  Austerlitz,  Os Emigrantes ou  História Natural da Destruição. Sebald foi galardoado com os prémios literários Mörike, Heinrich-Böll, Heinrich-Heine e Joseph Breitbach. W.G. Sebald morreu em 2001.
Do Natural inaugura uma série da Quetzal dedicada às obras de W.G. Sebald.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Inxalá - Espero por Ti na Abissínia (Carlos Quiroga)

Longe, à espera do improvável regresso de um amor perdido, um homem conta a sua história. A história do médico galego que se mudou para Lisboa para trabalhar, mas que se cruzou com a morte e com a loucura, num cenário com algo de boémio e muito de inexplicável. Ao mesmo tempo, divaga pelas sombras da mulher que conheceu e que morreu, fala com a tal pessoa amada que se insinua ao longo de cada frase e disserta, ainda, sobre os estranhos conceitos e costumes do lugar que elegeu para refúgio. Esta é uma história complicada... ou várias que se cruzam ao ritmo do pensamento.
Ainda que este seja um livro relativamente curto, dificilmente se poderá considerar de leitura fácil. E a razão principal é precisamente o tom de divagação que percorre todo o texto, alternando entre longas dissertações sobre os usos da Abissínia, fragmentos de recordações que nunca são exactamente explicadas e um lado introspectivo que acaba por espelhar mais de pensamentos e sentimentos que propriamente de eventos a decorrer. É, portanto, difícil acompanhar o ritmo algo errático da narrativa,   por vezes pausada na distante exposição de características de um povo, outras impressionante na intensidade de alguns acontecimentos quase improvável, outras ainda disperso no discorrer de uma recordação quase poética.
Há, de facto, momentos muito bons ao longo do texto, destacando-se o que parece ser a única história relativamente completa no meio de tantos fios que se cruzam. A história de Ondina, de como esta se cruzou com o narrador e do que viria a ser o seu destino final está na base dos momentos mais cativantes do livro e, ainda que deixando muitas perguntas sem resposta, é, de entre todos os que surgem na narrativa, o elemento que mais deixa a sensação de uma história completa. É também, apesar disso, uma história que se desvela aos poucos, perdendo, por vezes, parte da sua força nas dissertações e divagações que surgem por entre os grandes momentos do enredo.
No meio de tudo isto, o que mais marca é a escrita que, se nas exposições relativas à Abissínia adopta um tom distante e explicativo, tem nos momentos mais introspectivos - e até mesmo nos ocasionais momentos de maior acção - a revelação de uma beleza quase poética e muito cativante.
Ficam, pois, sentimentos ambíguos desta leitura, e a impressão de uma história que se perde, por vezes, entre demasiadas divagações. Há, ainda assim, alguns momentos bem conseguidos ao longo do livro, que acabou por se revelar, apesar de tudo, uma leitura interessante.

Novidade Quetzal


Gwyn Barry e Richard Tull são dois romancistas na casa dos quarenta e amigos desde a faculdade. Richard Tull tinha pela frente um futuro brilhante, mas a sua carreira  estagnou e agora tem um emprego medíocre na imprensa e escreve recensões críticas para uma obscura revista literária. Gwyn Barry, por seu turno, sem o talento literário do amigo, fez um romance que alcançou grande sucesso, e lhe granjeou dinheiro e um prémio respeitado.
Tull avança com esforço de fracasso em fracasso, assistindo com inveja ao percurso fácil e radioso do amigo – e irá fazer tudo para lhe destruir a reputação.
Mas estas patéticas manipulações que, no início, significavam para Barry apenas inconveniência passarão, mais  tarde,  a constituir um perigo incontrolável.
Este romance sobre a inimizade literária e, cujos protagonistas, segundo o autor, são inspirados em si próprio, deu origem a excelentes críticas e a grande celeuma no meio editorial e do agenciamento literário – A Informação recebeu o adiantamento mais avultado da história até então, e a mudança de agente provocou  a ruptura pública com  Julian Barnes, amigo de longa data de Martin Amis.

Martin Amis é um dos autores britânicos mais importantes da actualidade. Nasceu no País de Gales e é filho do escritor Kingsley Amis.
A matéria-prima dos seus romances radica no absurdo da condição pós-moderna e nos excessos do capitalismo tardio das sociedades ocidentais; o seu inconfundível estilo é compulsivo e terrivelmente vívido.
Saul Bellow, Vladimir Nabokov e James Joyce são as suas grandes referências literárias. Por seu turno, influenciou uma nova geração de romancistas, como Will Self ou Zadie Smith.
Depois de  A Viúva Grávida,  Os Papéis de Rachel e  O Segundo Avião,  a Quetzal dá continuidade à publicação das obras de Martin Amis com um dos seus mais importantes romances.

domingo, 27 de maio de 2012

O Oito (Katherine Neville)

Uma estranha profecia feita, supostamente, por diversão em noite de passagem de ano é a primeira pista a ligar Catherine Velis a um mistério de séculos. Prestes a partir para a Argélia para elaborar um programa para a OPEP, cedo Cat descobre que a peça de xadrez que um conhecido lhe pediu que recuperasse é apenas um elemento num jogo que se perpetuou durante gerações: a busca pelas peças do xadrez de Montglane. Este, conhecido como sendo o  lendário jogo de xadrez de Carlos Magno, esconde no seu interior o mistério de uma fórmula que, por diferentes razões e objectivos, terá sido cobiçado por muitos ao longo dos séculos. Mas Catherine não sabe que, enquanto se vê arrastada para o jogo da busca das peças, a sua história está ligada à de uma mulher que viveu em plena Revolução Francesa e que sacrificou muito de si para levar a cabo essa mesma demanda.
Com um tom enigmático que, a princípio, deixa uma sensação de estranheza provocada pelas muitas perguntas cujas respostas só são apresentadas numa fase mais avançada, o que cativa, em primeiro lugar, neste livro, é a forma como duas histórias aparentemente independentes (ainda que tendo ambas o xadrez de Montglane como centro) se desenvolvem, complementares e com ritmos e personalidades diferentes, mas ambas com o mesmo tom de mistério que se intensificará quando as verdadeiras relações entre elas se revelam. A história de Mireille e do seu papel na busca e preservação do jogo proporciona, talvez, os momentos mais marcantes a nível emocional, ao mesmo tempo que apresenta uma boa visão do caos da revolução e de uma série de personalidades relevantes da época. Na aventura de Catherine, por outro lado, é mais a acção que se destaca, à medida que os seus caminhos se cruzam com os da equipa inimiga. Em ambas, o enigma do xadrez de Montglane e a fórmula que este esconde são motivos e objectivos, mas as vivências das duas mulheres e o elo que as ligará vêm de rumos tão diferentes como os das escolhas de cada uma delas.
Se as protagonistas são Cat e Mireille e, como tal, é destas que se obtém uma caracterização mais completa, também é certo que há, nos que as rodeiam, algumas figuras particularmente carismáticas. Também aqui, é inevitável não notar alguns paralelismos entre ambas as histórias, principalmente no que toca a Talleyrand e Solarin, ambos com um papel de destaque junto à protagonista, e ambos com algo de misterioso nas suas personalidades. Solarin é, aliás, uma das melhores personagens do livro, deixando, por vezes, a impressão de que mais haveria a dizer a seu respeito, já que está ausente durante uma parte significativa do enredo.
Importa referir ainda as teorias e possibilidades associadas à fórmula escondida no xadrez de Montglane. Não sendo propriamente um elemento invulgar neste tipo de livro, a autora constrói uma interessante série de possibilidades em torno do que se esconde no xadrez de Carlos Magno e, ainda que, por vezes, este mistério acabe por se afigurar algo confuso, a visão global que fica no fim da leitura é bastante interessante.
Misterioso e envolvente, ainda que de ritmo pausado e com alguns momentos um pouco confusos, esta é, em suma, uma leitura interessante, com bastante de acção e algumas personagens muito cativantes. Uma boa história.

Vencedores do passatempo A Cruz de Esmeraldas

E chegamos ao fim de mais um passatempo. Resta-me agradecer aos 88 participantes que enviaram as suas respostas e anunciar os vencedores. Que são...

29. Susana Teixeira (Seixal)
65. Maria João Andrade (Lisboa)

Parabéns a ambas e boas leituras!

sábado, 26 de maio de 2012

Encontra-me em Nova Iorque (Duarte Monteiro)

Incapaz de ultrapassar uma relação que acabou, Edward Grant decide afastar-se da monotonia que tomou posse da sua vida e passar alguns dias na cidade que sempre o encantou. Mas Nova Iorque será mais que apenas um refúgio para o seu sofrimento e a sua vida mudará drasticamente quando, devido ao cancelamento do seu voo, Edward decide visitar o seu melhor amigo ainda uma última vez... para descobrir que ele não é quem julgava. Subitamente, Edward vê-se envolvido no que parece ser uma conspiração para desencadear uma nova guerra nos Balcãs e, entre a organização que quer recuperar a informação obtida por Edward e o FBI que pretende, a todo o custo, impedir a conspiração, Edward encontrar-se-á não só numa luta pela sobrevivência, mas também na descoberta de que há vida para lá do amor perdido.
Com muito de acção e laivos de romance, este livro cativa, em primeiro lugar, pelo ritmo envolvente dos acontecimentos e pela forma agradável como estes são descritos. A acção é, como não podia deixar de ser, o elemento principal e, sendo esta uma narrativa relativamente breve, o rumo dos acontecimentos muda rapidamente com cada nova revelação. Há, ainda assim, um lado introspectivo que, apesar de discreto, cria uma boa medida de empatia para com o protagonista. Edward é, afinal, um homem em busca de um refúgio para a dor e o seu papel no mistério apresentado é, em parte, acidental. Assim, nem só dos passos para impedir a "guerra da Reconquista" vive esta história, mas também das ligações que Edward estabelece na sua estadia em Nova Iorque, bem como, numa fase mais avançada do enredo, das relações complicadas que acabam por estar na base de toda a situação.
Também bastante interessante é a forma como a relação das personagens principais com a cidade é desenvolvida, permitindo uma visão mais pessoal do cenário que serve de base ao enredo. O fascínio que tanto Edward como Danielle sentem pela cidade cria um empatia que cresce também à medida que o lado mais emotivo e pessoal das suas vidas é revelado. Lado pessoal que apresenta também algumas surpresas, principalmente no que toca à família e aos sonhos de Danielle.
Fica, nalguns momentos, a impressão de que mais haveria a dizer, principalmente nos detalhes acerca das motivações e das estratégias dos conspiradores. Não são, ainda assim, elementos que sejam fundamentais à história, até porque esta se centra mais nos dois protagonistas e na relação entre ambos. Fica, pois, uma vaga curiosidade em saber mais, mas sem a impressão de que falte alguma coisa de essencial.
Breve, mas envolvente, de leitura agradável e com um interessante equilíbrio entre mistério e emoção, este é, em suma, um livro interessante, com alguns momentos particularmente bem conseguidos e uma história que prende a curiosidade do leitor. Gostei.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Os Diários de Stefan: Origens


Aos dezassete anos e em plena Guerra Civil, a vida de Stefan Salvatore está prestes a mudar. Sempre obediente à vontade do pai, Stefan está prestes a assumir um compromisso com uma rapariga que não ama quando a misteriosa Katherine entra na sua vida. Mas, ao mesmo tempo que a jovem Katherine exerce o seu fascínio sobre Stefan e o irmão, misteriosos ataques preocupam a população de Mystic Falls. E quando a suspeita passa a ser de que estes ataques sejam de origem demoníaca, também o segredo de Katherine pode estar comprometido... e com ele o futuro dos irmãos Salvatore.
Algo que, desde logo, se evidencia neste livro é que, tendo como base a série Vampire Diaries, há no enredo algumas inconsistências relativamente aos livros que lhe deram origem, o que cria, inicialmente, alguma estranheza para quem leu os outros volumes. Isto porque as diferenças entre livro e série - e, portanto, entre os outros livros e este - são elementos bastante evidentes, como o período da vida humana de Stefan e Damon ou o próprio cenário dos acontecimentos.
Passada esta estranheza, contudo, e tendo em conta apenas a história deste livro, a leitura revela-se envolvente e interessante, com momentos muito bem conseguidos e uma história cativante. Ao narrar os acontecimentos do ponto de vista de Stefan, cria-se uma certa medida de empatia, principalmente quando o protagonista se encontra perante um dilema. Além disso, a caracterização de Damon pelos olhos de Stefan torna-se particularmente interessante pelo retrato de uma relação fraternal que diverge em muito da sua história posterior (e isto aplica-se tanto aos livros como à série).
Não há grandes elaborações a nível de escrita, mas o ritmo é agradável e a narração desenvolve-se com fluidez. Há alguns elementos que poderiam ter sido mais desenvolvidos, principalmente a nível de contextualização, mas não fica a impressão de que falte alguma coisa de essencial. Tanto a história como a escrita são relativamente simples, proporcionando uma leitura leve, mas cativante e com um interessante toque de emoção.
Uma história simples, mas envolvente, com personagens cativantes e de leitura agradável, este é um livro que funcionará particularmente bem como complemento à série televisiva, mas que não deixa de ser interessante, independentemente dos pontos de divergência, para quem leu os outros livros. Leve e cativante, uma leitura agradável.


Novidades Bertrand


Carmine Delmonico regressa em mais um thriller de leitura compulsiva.
Em 1968, a América é um país em convulsão e o subúrbio de Carew está a ser aterrorizado por uma série de violações.  Quando uma  das mulheres arranja finalmentecoragem para falar e se dirige à polícia, o violador passa a matar as vítimas seguintes. Para Carmine, parece ser um caso sem quaisquer pistas. Além de que o Departamento de Polícia de Holloman  se  está  a debater  com os seus próprios problemas.
Enquanto o assassino traça os seus planos, Carmine e a sua equipa têm de usar todos os recursos ao seu dispor para conseguirem desvendar este caso brutal.

Colleen McCullough nasceu na Austrália. Neuropatologista de formação, foi a fundadora do Departamento de Neuropatologia do hospital Royal North Shore, em Sydney, antes de começar a trabalhar como investigadora e professora em Yale, onde permaneceu durante dez anos. A sua carreira como escritora teve início com a publicação de Tim, a que se seguiu o  best-seller internacional  Pássaros Feridos.
Vive em Norfolk, no Pacífico, com o marido, Ric Robinson.


Durante milénios, o triunfo de Cartago sobre Roma na Batalha de Canas em 216 a.C. tem inspirado grande respeito e admiração. Foi uma batalha  que obcecou lendárias mentes militares,  inúmeros exércitos tentaram imitá-la, principalmente na Primeira e na Segunda Guerra Mundial.  Contudo, nenhum general conseguiu chegar aos calcanhares desta inesperada, inovadora e brutal vitória militar de Aníbal, naquele que foi  o mais custoso dia de combate para qualquer exército da História.
Robert L.  O’Connell, um dos nomes mais admirados em História Militar, conta-nos, pela primeira  vez, toda a narrativa  da  Batalha de Canas, dando-nos um entusiasmante relato da batalha apocalíptica da Segunda Guerra Púnica, assim como as suas causas e consequências.
O’Connell demonstra como uma inquieta Roma juntou um gigante exército para castigar o magistral comandante de Cartago, que lhes infligira golpes mortais em Trébia e no Lago Trasimeno. O’Connell descreve a estratégia de Aníbal em cegar os adversários com sol e poeira, envolvendo-os num abraço mortal e fechando-lhes os caminhos de fuga, antes de lançar uma massiva luta de espadas que mataria 48 mil homens.  Aníbal  – Cartago e o Pesadelo da República Romana transmite de forma brilhante de que modo este ponto central da História de Roma acabou por conduzir à ressurreição da República e à criação do seu império.
Pesquisada de forma soberba e escrita com inteligência e erudição, esta obra é o relato definitivo de uma batalha cuja história continua a ressoar.

Robert L. O’Connell foi membro da United States Intelligence Community (IC) durante três décadas. Após a reforma, tornou-se professor convidado na Naval Postgraduate School.  É o autor de quatro livros de História:  Of Arms and Men;  Sacred Vessels;  Ride of the Second Horsemen e Soul of the Sword, a par do romance Fast Eddie. Tem trabalhado como analista no National Ground Intelligence Center, como editor colaborador em MHQ: The Quarterly Journal of Military History, e, mais recentemente, como professor convidado na Naval Postgraduate School.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Promessas de Amor (Sherry Thomas)

Vítima da manipulação e da  tirania do tio, Elissande Edgerton aprendeu a criar uma personagem que a preservasse da crueldade, na esperança, talvez, do dia em que encontrasse forma de sair daquela casa. Mas os meios para o fazer surgem de forma inesperada, quando uma praga de ratos na casa de uma vizinha a leva a hospedar um grupo bastante particular, do qual se destaca o estranho e aparentemente idiota Lorde Vere. Mas Vere tem também os seus segredos e, enquanto Elissande procura nos seus visitantes um caminho para a única fuga possível (um bom casamento), também Vere, o verdadeiro homem por detrás da sua própria personagem, tem uma missão a cumprir naquela casa...
É de esperar, neste género de livro, que os elementos do casal protagonista - e a relação entre ambos - sejam o ponto central da narrativa, mas, curiosamente, não é o romance o que mais se destaca neste livro. Ainda que Vere e Elissande sejam, em grande medida, o centro da história, é o mistério que sobressai na fase inicial, tanto no que diz respeito aos segredos do tio de Elissande como no passado dos protagonistas e nas marcas por ele deixadas. Fica, aliás, a impressão de que o romance surge de forma um pouco brusca, já numa fase relativamente avançada do enredo.
Há, ainda assim, muito de interessante nesta história. A caracterização dos protagonistas está bastante bem conseguida e, apesar de um dos segredos de Vere ser revelado logo nas primeiras páginas, as razões que o motivaram permanecem parte do enigma que o torna cativante. Além disso, as personalidades de ambos complementam-se de forma bastante curiosa, já que, forçados ambos a uma relativa duplicidade, ambos descobrem, com o evoluir da história, a grande diferença entre as expectativas e a realidade - e não são só defeitos o que esta divergência vem revelar.
Para além da história principal e da forma como esta se equilibra entre um mistério inicial e uma fase em que este se junta ao romance, há ainda a referir a história do irmão de Vere. Mais discreto, mas também bastante cativante, quer pela empatia que se sente entre Freddie e Angelica (mais até que entre Vere e Elissande), quer pela forma como estes interagem com o casal protagonista, este enredo secundário vem dar uma visão mais completa do mundo em volta dos protagonistas - visão que se expande ainda com elementos mais secundários (como a presença de Lady Avery) que permitem uma melhor caracterização a nível de costumes e preconceitos.
De leitura agradável e com um conjunto de personagens bastante interessante, Promessas de Amor apresenta uma história envolvente, com uma cativante aura de mistério e um lado emocional que, apesar do seu início tardio, cresce em intensidade na fase final do enredo. Uma boa leitura, em suma.

Novidade Porto Editora


Inglaterra, 1960. Quando Jennifer Stirling, uma mulher de vinte e sete anos, acorda no hospital, após um trágico acidente de automóvel, não tem qualquer lembrança da sua vida passada. Não reconhece o marido, não recorda a sua própria casa e tão-pouco se identifica com a vida que lhe dizem ser a sua. Quando encontra uma carta apaixonada, escrita por um homem que assina apenas «B» e que lhe pede para abandonar o marido, irá a todo o custo tentar descobrir a identidade desse homem, enquanto enfrenta os preconceitos sociais estabelecidos.
Anos volvidos, em 2003, uma outra mulher, Ellie, descobre nos arquivos poeirentos do jornal onde trabalha a mesma carta enigmática. Fica de imediato obcecada pela história, que lhe permitirá escrever um artigo que relance a sua carreira e talvez até a ajude a lidar com a sua própria vida amorosa. Afinal, se aquela história tiver tido um final feliz, quem lhe garantirá que o homem com quem se  envolveu não acabe também por deixar a mulher? 
Uma história de amor apaixonante e arrebatadora, com um final absolutamente inesperado.

Jojo Moyes nasceu em 1969 e cresceu em Londres. Estudou Jornalismo e foi correspondente do jornal The Independent até 2002, quando publicou o seu primeiro romance,  Retrato de Família, e resolveu dedicar-se à escrita a tempo inteiro. Publicou depois Foreign Fruit  (2003),  The Peacock Emporium  (2004),  The Ship of Brides (2005),  Silver Bay  – A Baía do Desejo  (2007),  Um Violino na Noite(2008), The Horse Dancer (2009) e A Última Carta de Amor (2010).
Jojo Moyes foi uma das poucas autoras a ganhar por duas vezes o prémio Romantic Novel of the Year, primeiro com Foreign Fruit e agora com A Última Carta de Amor. Do catálogo da Porto Editora constavam já os seus romances Silver Bay  – A Baía do Desejo, Um Violino na Noite e Retrato de Família.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

A Decadência dos Olfactos (Luís Caminha)

Albanta é uma cidade perfeita - ou assim se define. Ali, onde não há excesso de população e a vida quotidiana se define pelos serviços prestados à cidade, e respectivas recompensas ou perdas associadas,  a existência tem uma data de terminação. Talvez seja por isso, por ser insuportável a ideia de viver com data de morte marcada, que alguns querem deixar para trás a perfeição de Albanta. O problema é que a cidade não está disposta a perder os seus...
Há muito de bom para dizer sobre este livro. Desde a forma como a história se desvela, aos poucos, na sua verdadeira natureza, pela voz de um narrador que, sem o parecer, no início, é também figura principal da narrativa, à caracterização gradual de um sistema tão diferente, mas que ultrapassa a estranheza e consegue parecer quase familiar, passando pela beleza de uma escrita quase poética, por vezes, introspectiva, sempre envolvente na forma como se entranha no pensamento do leitor, todas estas características fazem parte do que define uma obra breve, mas impressionante em todos os aspectos.
Das três personagens que se destacam, é talvez o narrador o que mais chama a atenção, tanto pela multiplicidade dos seus papéis - de fugitivo, de conspirador, de condenado - como pelo que, aos poucos, se revela dos elementos que o caracterizam. Elementos que se conjugam para uma fase final particularmente intensa, em que é quase impossível não sentir empatia ante a muito própria, mas de emotividade universal, exposição das circunstâncias do homem que aguarda perante a morte. É nesse momento que a personalidade de Viktor se expõe na sua totalidade, dando forma aos momentos de máximo impacto emocional, impacto este que é também aumentado pela forma como os segredos das outras personagens - e da sua ligação às circunstâncias do narrador - são finalmente revelados.
Albanta e o seu sistema de controlo demográfico são fascinantes e muito bem construídos, com os vastos detalhes que, aos poucos, são apresentados. Mas, mais que a história de um sistema aparentemente perfeito, mas ditado por imposições e regras estritas, marca, neste livro, a imensa reflexão sobre escolhas e arrependimentos, sobre sonhos e desilusões e, principalmente, sobre traição e morte, que transparece da história de Viktor e de Vilna. Das expectativas frustradas e dos ciclos de fuga e regresso, a empatia sentida para com as personagens liga-se a um lado introspectivo nas dúvidas de cada um deles, mas também a uma interessante ponderação sobre as possibilidades levantadas pelo complexo sistema que é Albanta: quanto seria aceitável perder em nome da suposta perfeição?
Uma história breve, mas intensa e complexa, quer no sistema que apresenta, quer nos pensamentos e emoções das personagens que o habitam, A Decadência dos Olfactos marca tanto pelo cenário que apresenta, como pelos rumos da história, como ainda pela beleza de um estilo de escrita muito próprio e pela conjugação perfeita de empatia e reflexão. A impressão global não podia ser melhor. Maravilhoso.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Divergente (Veronica Roth)

Cinco facções que se definem pela virtude que mais valorizam são a base de um sistema criado com o objectivo de manter a paz e a harmonia entre a população. Mas as coisas não são tão pacíficas como parecem... Beatrice Prior cresceu na facção dos Abnegados, mas a sensação de não pertencer verdadeiramente entre eles levou-a a, chegada a cerimónia de Escolha, deixar para trás a família e o mundo conhecido e a juntar-se aos Intrépidos. O problema é que nem todos os iniciados poderão juntar-se a essa facção como membros efectivos, o que faz da iniciação um processo duro e competitivo. Principalmente para alguém que, como Tris, tem um segredo perigoso a esconder...
Contada na primeira pessoa por uma protagonista forte e carismática, mas que cria empatia também pelas suas vulnerabilidades, esta é uma história que começa por cativar pela perspectiva mais pessoal, centrando-se, no início, na história de Tris e do seu percurso através da iniciação, mas que cresce em complexidade quando os problemas e os segredos do sistema criam no enredo uma série de circunstâncias que vão abalar os rumos da história de uma perspectiva mais global. A história de Tris é, em grande medida, o foco central da narrativa, mas completa-se com os segredos e as intrigas das diferentes facções, evoluindo no sentido de uma fase final particularmente intensa que culmina numa conclusão particularmente poderosa.
Tris é uma personagem cativante tanto pelas suas qualidades, como pelos defeitos: o medo e a coragem, o altruísmo e o espírito de sobrevivência, as inseguranças e a capacidade de resistência contribuem em igual medida para definir uma personalidade marcante e carismática. Mas também entre os que a rodeiam (e nos segredos que guardam) há características interessantes a servir de base para bons momentos, quer de conflito, quer de empatia. Aqui, destacam-se, como não podia deixar de ser, as mudanças na interacção entre Al e Tris, mas, principalmente, a forma como a personalidade de Quatro complementa a de Tris, criando, com os seus diferentes papéis nos Intrépidos e a evolução gradual que lhes define a relação, um interessante equilíbrio de diferenças e pontos em comum.
Importa ainda referir que, ao longo de todo o enredo, a conjugação de acção e emoção nas medidas certas, bem como a contextualização gradual que permite que a história se expanda da iniciação de Tris para algo mais abrangente, toca também uma série de elementos interessantes. Há, nesta história, muito mais para lá do romance (que é, aliás, relativamente secundário). As diferentes facções e as relativas fidelidades a elas associadas servem de base para reflectir sobre os valores que as definem, mas também sobre as diferenças entre a utopia que as motivou e a sua concretização. As interacções de Tris com a família e com os amigos, e também as mudanças operadas sobre estes amigos, reflectem circunstâncias em que o medo ou a sensação de não pertencer podem abalar prioridades que se julgavam seguras. As possíveis marcas de um passado traumático e as escolhas tomadas em consequência dessas marcas estão bem representadas na história de Quatro. E a fase final da história representa na perfeição a forma como princípios e interesses acabam sempre por entrar em colisão.
Com uma escrita envolvente e de ritmo viciante, um sistema com muito de interessante e ainda com muito mais para explorar e, principalmente, boas personagens e uma história equilibrada a nível de acção e emoção, Divergente abre da melhor forma uma série que promete ter ainda muito de interessante para descobrir. Muito bom.

Novidade Porto Editora


Rachel Braun sempre foi uma inspiração para o grupo de amigas, aquela que vivia a vida ao máximo. Antes de morrer, Rachel escreve uma carta para cada uma das três melhores amigas desafiando-as a enfrentarem os seus maiores medos.
Sarah, uma enfermeira da assistência internacional, terá de cruzar meio mundo até reencontrar o único homem que realmente amou.
Kate, a dona de casa e mãe a tempo inteiro, terá de se confrontar com o medo das alturas; o skydiving será uma revelação para Kate em todos os sentidos.
E Jo, a mulher da sólida carreira no mundo dos media, aquela para quem a maternidade não é tema de conversa, fica com a mais aterrorizadora das tarefas: cuidar da filha de Rachel, a pequena órfã Grace.
Ainda mal acreditando no desaparecimento da amiga, as três mulheres percebem que o legado de Rachel vai permanecer nas suas vidas e que ela jamais morrerá nos seus corações.

Lisa Verge Higgins é autora de doze  novelas históricas e românticas, tendo sido finalista do Rita Award (prémio que distingue romances e que é atribuído pela associação Romance Writers of America).
Lisa Verge Higgins tem três filhos e vive em Nova Jérsia.

Novidade Sextante


Quem conhece verdadeiramente Alex? Ela é bela. Excitante. É por isso que a raptaram e torturaram de forma inimaginável?  Quando o comandante da polícia Camille Verhœven descobre por fim o local do sequestro, Alex já tinha desaparecido. Alex, mais inteligente que o seu carrasco. Alex, que não perdoa a ninguém, que nada esquece.  
Um thriller gelado que joga com os códigos da loucura assassina, um mecanismo diabólico e imprevisível, onde nos encontramos com o enorme talento de Pierre Lemaître. Alex foi um dos romances finalistas do Grand Prix de la littérature policière 2011.

Pierre Lemaître nasceu em Paris. Foi galardoado com o Prémio Le Point do Romance Policial Europeu em 2010. Os seus romances foram várias vezes premiados e estão traduzidos em treze línguas. Três deles estão a ser adaptados ao cinema: Robe de mariée, Cadres noirs e Alex.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

O Amor é Para os Fortes (Marcelo Cezar)

De um romântico incurável e da sua mulher cruel, da funcionária farta de aturar a falta de educação da chefe, da família que volta a descobrir a harmonia depois da distância das transgressões... e, no meio de tudo isto, dos espíritos que observam a passagem da vidas, influenciando, positiva ou negativamente, os que, em vida (ou em vidas anteriores) lhes foram próximos. De todos estes elementos se define esta história, onde a acção e a intriga têm tanto destaque como a reflexão e as explicações associadas ao mundo espiritual.
Há dois elementos que sobressaem na leitura deste romance. O primeiro diz respeito às personagens, que, de características bastante vincadas e, nalguns momentos, a demonstrar comportamentos um pouco exagerados, funcionam, em grande medida, como representações bastante claras do bem e do mal. Ainda assim, e se os protagonistas permanecem, no essencial, fiéis às características que o definem, há ainda um segundo elemento a acrescentar a essa tendência de comportamento uma relativa ambiguidade. A intervenção dos espíritos e, inclusive, as mudanças operadas sobre um deles, insinuam para as personagens uma história maior que a que está a ser contada, abrindo possibilidades de mudança e redenção.
Com a presença dos espíritos a tornar-se mais evidente e mais interventiva com o evoluir do enredo, a história evolui também para um tom mais explicativo, em que as crenças associadas ao espiritismo têm um maior destaque na narrativa. Isto implica algum nível de crença ou de curiosidade da parte do leitor, já que são os espíritos a explicação para algumas mudanças ao longo do enredo. Apesar disso, e independentemente de crenças ou teorias, a história nunca deixa de ser cativante e de leitura agradável, havendo momentos de particular intensidade emocional que acabam por ser os mais marcantes do livro.
Interessante e envolvente, com um conjunto de personagens bastante diferentes e com personalidades muito próprias, trata-se, portanto, de uma história cativante, que, ainda que possa evocar alguma estranheza nas partes mais dedicadas ao mundo espiritual, não deixa de ser agradável de seguir. Uma história interessante, portanto, e uma que gostei de ler.

Novidade Quetzal


«Após a morte da mãe, Evangelina, Vanja, decide voltar aos Estados Unidos, onde nasceu, para tentar localizar o seu pai. Em companhia do ex-marido da mãe, Fernando, e de um simpático garoto salvadorenho, Carlos, ela mergulha em recordações alheias para organizar a sua própria história. Neste trajeto, Vanja também toma consciência do passado recente do Brasil, por meio das lembranças de Fernando, o ex-guerrilheiro no Araguaia.
Azul-Corvo é um romance sobre a pertença  – e nesse sentido Adriana Lisboa propõe uma discussão mais do que atual. Todas as personagens estão em trânsito (uma verdadeira diáspora de indivíduos) e os lugares que habitam são provisórios, precários, movediços. Vanja, a certa altura, pergunta-se se “o espaço que uma pessoa ocupa no mundo sobrevive à própria pessoa”. Ora narrando as suas memórias provisórias, feitas de sofrimento sim, mas alicerçadas em amizades sinceras, o livro termina quando a sua vida efetivamente começa, ou seja, quando Vanja passa a ocupar um espaço próprio no mundo. Uma história inesquecível.»
Luiz Ruffato

Adriana Lisboa nasceu no Rio de Janeiro em 1970, onde passou a infância e a adolescência. Mais tarde viveu em Brasília, em Paris e Avignon. Estudou Música e Literatura e foi flautista, cantora e professora. Vive actualmente em Denver, nos Estados Unidos, e dedica-se inteiramente à escrita e à tradução. Publicou uma série de romances, entre os quais  Sinfonia em Branco, galardoado com o Prémio Saramago, e Rakushisha, publicado pela Quetzal em 2009.

domingo, 20 de maio de 2012

Golias (Scott Westerfeld)

De volta ao Leviatã e incerto quanto ao seu papel na aeronave, Alek não sente que esteja a ser de qualquer utilidade para o seu objectivo de acabar com a guerra. Mas tudo muda quando uma mensagem do czar os leva até à Sibéria, onde encontram o excêntrico Nikola Tesla. Este afirma ter construído uma arma capaz de devastar uma cidade à distância e que a existência dessa arma bastará para persuadir as nações à paz. Mas há quem diga que, mais que excêntrico, Tesla é louco e o auxílio prestado por Alek pode vir a deixá-lo numa situação desconfortável. E, como se a situação não fosse já delicada o suficiente, Alek toma, finalmente, conhecimento do segredo de Deryn... e não é o único.
Um ritmo cativante e cheio de acção, mas com bastante atenção aos pormenores que caracterizam o cenário em que as personagens se movem, são, tal como nos volumes anteriores, os principais elementos a destacar-se ao longo da leitura. Mais uma vez, o autor expande o cenário global, introduzindo novos países e as características que os diferenciam relativamente aos já conhecidos, sem por isso perder de vista a história principal e os seus protagonistas. Há, aliás, uma intensidade que vai crescendo ao longo da narrativa e que culminará com um final bastante forte, tanto do ponto de vista da história dos protagonistas, como das mudanças operadas sobre o cenário de guerra. Não é uma resolução definitiva - como não poderia ser, tendo em conta que, independentemente da importância de um deles, são apenas duas pessoas num cenário bastante maior - mas é uma mudança considerável e que, como tal, representa um final satisfatório e adequado.
Há também uma evolução interessante a nível das circunstâncias que ligam os dois protagonistas. A revelação do segredo de Deryn e as circunstâncias complicadas em que este coloca tanto Deryn como o próprio Alek permitem uma maior ligação emocional às personagens, aumentando uma empatia que é já natural pelo que caracteriza as personalidades de ambos. Cria-se, também, com este lado mais emotivo, um interessante equilíbrio para toda a história: ao incerto conflito entre clankers e darwinistas junta-se uma história de improvável e afecto entre um rapaz e uma rapariga que, aparentemente, não poderiam ter mais diferenças a separá-los. Aos elementos do enredo que são mais centrados na acção, juntam-se momentos mais pessoais e emocionais que tornam a história e as personagens mais próximas do leitor.
Envolvente, com um cenário fascinante, personagens carismáticas e uma história que junta as medidas certas de acção, mistério e emoção, Golias encerra em beleza uma série com muito de interessante para descobrir. Um final muito bem conseguido e um livro todo ele muito bom.

Memórias de um Caçador de Vampiros (Ardo Antas)

A perda dos pais quando duas vampiras o escolheram para vítima e a consequente aprendizagem sob a tutela de Jimmy Storm fizeram do jovem Rick Chambers um caçador implacável. Para ele, e para a sociedade a que pertence, o confronto entre humanos e vampiros é uma guerra sem fim e é essa guerra que o leva a percorrer longas distâncias em busca das suas presas. Esta é a história das suas aventuras e de como, a cada nova missão, o jovem assustado que se transformou num caçador temível, sempre encontra algo novo para aprender - e uma dura prova a superar.
Algo que, desde o início, chama a atenção neste livro é a forma como, primeiro na sua história pessoal e depois na concretização das missões, a personalidade de Rick Chambers é apresentada como sempre cativante e constantemente em evolução. Se, da criança que subitamente se vê orfã ao caçador que percorre o país para pôr fim à existência dos vampiros, vai, a nível de força, uma distância considerável, também é certo que os pontos que criam empatia para com Rick nunca se perdem. É, aliás, curioso ver a forma como o protagonista parece querer distanciar-se de tudo o que seja sentimentalismo, sendo, ainda assim, evidente a sua capacidade de empatia e de compaixão. 
Trata-se, portanto, de um protagonista carismático para uma história envolvente e cheia de acção. Mas nem só de Rick vive a história e os aliados que encontra em cada uma das suas aventuras são elementos fulcrais para o seu sucesso. São também uma fonte de informação para o que é, afinal, um sistema bastante mais complexo do que parecia inicialmente. Os vampiros desta história são os clássicos predadores, com pouco ou nada de humano, mas as razões - e até mesmo as crenças - que os regem são bastante mais vastas do que a simples necessidade de alimento. O que me leva ao outro ponto forte deste livro, que é precisamente a forma como o autor cruza uma série de lendas e aspectos mitológicos, para criar um sistema bastante interessante para o mundo dos seus vampiros. Desde os mitos associados aos espelhos à possibilidade de ressuscitação de um vampiro destruído, há muito de interessante para descobrir neste sistema, o que justifica, em certa medida, a necessidade de sociedades secretas para combater um inimigo que é muito mais que um simples predador.
Cativante, com um bom protagonista e uma série de aventuras interessantes, Memórias de um Caçador de Vampiros apresenta uma história envolvente, desenvolvida a um ritmo agradável e com alguns elementos particularmente interessantes. Uma boa história, portanto.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Idades (Ana Wiesenberger)

Um percurso pelas memórias através das diferentes fases da vida, com imagens ora de uma simplicidade enternecedora, ora de uma vaga nostalgia, passando ainda pela percepção das mudanças que o tempo operou sobre o mundo em volta. É esta a linha essencial deste conjunto de poemas, em que as ideias se juntam ao ritmo do pensamento para criar, em torno de um ponto central que é, em suma, a recordação, uma série de imagens interessantes e envolventes.
Ao ter como elementos comuns à vasta maioria dos poemas a memória e a passagem do tempo, é inevitável que estes poemas se destaquem, em grande medida, pelo registo pessoal. São principalmente os sentimentos a sobressair enquanto se reflecte sobre as recordações e as mudanças, o que fica e o que se perdeu. Ainda assim, há também um toque de ambiguidade que faz com que essas mesmas memórias não se tornem demasiado específicas, permitindo a quem lê identificar-se com o sentimento ou com a experiência do sujeito poético. Até porque de aprendizagem e crescimento se fazem todos os percursos de vida e a saudade associada ao acto de recordar é algo de quase inevitável - e que surge também como um elo central ao longo de muitos dos poemas deste livro.
Interessante também é a forma como, sem grandes mudanças a nível estrutural, há um evidente contraste entre a simplicidade de alguns dos poemas (mais centrados no concreto e nas recordações de eventos e cenários) e o lado mais elaborado que, por vezes, evoca imagens completamente inesperadas. Em comum a todos eles, há um lado emocional e introspectivo que traz à memória aqueles elementos familiares com que cada leitor se pode identificar.
Breve, mas agradável e de ler e envolvente tanto pela fluidez das palavras como pela sensibilidade que se evidencia no conteúdo, Idades cativa pelo lado pessoal e, ao mesmo tempo, empático da viagem que percorre no mundo da recordação. Gostei de ler.

Passatempo A Cruz de Esmeraldas


O blogue As Leituras do Corvo, em parceria com a autora Cristina Torrão, tem para oferecer dois exemplares do livro A Cruz de Esmeraldas. Para participar basta responder às seguintes questões:

1. Em que século decorre a acção deste livro?
2. Qual o título da obra que a autora disponibilizou recentemente, em formato electrónico, no seu blogue?
3. Que outras obras publicou a autora?

Regras do Passatempo:
- O passatempo decorrerá até às 23:59 do dia 26 de Maio. Respostas posteriores não serão consideradas.
- Para participar deverão enviar as respostas para carianmoonlight@gmail.com, juntamente com os dados pessoais (nome e morada);
- O vencedor será sorteado aleatoriamente entre as participações válidas;
- Os vencedores serão contactados por email e o resultado será anunciado no blogue;
- Após o envio do livro, o blogue não se responsabiliza pelo possível extravio do livro no correio;
- Só se aceitarão participações de residentes em Portugal e apenas uma por participante e residência.


quinta-feira, 17 de maio de 2012

Somos Todos Um Bocado Ciganos (Manuel Jorge Marmelo)

É difícil pensar no Grande Circo Romani como "o maior espectáculo do mundo", tendo em conta que os artistas não são propriamente os mais fantásticos e que as condições em que trabalham são bastante precárias. Mas a situação está em vias de piorar, com a queda que envia um dos artistas para o hospital e o ataque que leva à morte do burro cantor da companhia. Agora, o futuro do circo é incerto e mais incerto parece aos olhos do adolescente que observa, pequeno como o seu papel na companhia, que tem um sonho que está cada vez mais longe de se realizar e que não compreende quando lhe dizem que se transformou num homem.
Um dos aspectos mais interessantes deste livro é a forma como, numa narrativa que é relativamente breve, é possível discernir várias histórias possíveis. A história do narrador e protagonista, enquanto rapaz em crescimento, com todos os ideais e sonhos impossíveis que se vão desvanecendo com a perda da inocência, cruza-se com a história do circo como um todo, mas também com a de Ricardo e Cristiana e de como o acidente mudou as suas vidas e ainda com a do assassino do burro cantor. Todos estes elementos são desenvolvidos de forma sucinta e, contudo, completa, pois as descobertas do protagonista surgem também em ligação com a história dos que o rodeiam e o resultado é uma narrativa que surpreende tanto pela inesperada complexidade como pela imagem precisa de como o crescimento é não só uma aprendizagem mas também um processo de moldagem da personalidade.
Também a escrita reflecte na perfeição os dilemas e o crescimento do protagonista. Fluída e envolvente, representa com mestria um ritmo de pensamento que parece adequar-se, em todos os aspectos, quer à idade quer ao percurso de descoberta do narrador que conta a sua história. Além disso, a aprendizagem que caracteriza o seu caminho - e, no fundo, grande parte desta história - evolui tanto com as questões que ficam resolvidas em definitivo como com as respostas que nunca chegam a surgir. Como na vida, nem tudo tem uma solução global e ficam sempre coisas por esclarecer, mas todos os pontos essenciais são explorados e as grandes questões da vida estão todas elas presentes ao longo da história. Questões como o preconceito e como lidar com ele, o amor e o sacrifício pela pessoa amada, o impulso e as consequências de fazer justiça pelas próprias mãos... Tudo isto é abordado neste livro e fazê-lo através da visão bastante directa do jovem narrador permite deixar uma impressão particularmente nítida do papel destes assuntos na história.
Este é, pois, um livro que marca tanto pela envolvência da escrita e pela empatia que o protagonista parece despertar como pela forma directa com que as várias possíveis histórias e as principais questões a estas associadas se desenvolvem. Cativante e surpreendente, um livro pequeno, mas muito, muito bom.

Novidade Quetzal


Uma Casa para Mr. Biswas é um dos primeiros e mais importantes trabalhos de ficção de V.S. Naipaul e o romance que mais fez pelo conhecimento geral da sua obra. 

Nascido no lado errado da vida e atirado para o mundo que o acolheu com pouco mais do que um mau presságio, Mohun Biswas passou 46 anos da sua vida a lutar por ser independente. Mas a determinação e o esforço apenas levaram à calamidade. 
Arremessado de um lado para o outro após o afogamento do pai (pelo qual foi inadvertidamente responsável), Biswas anseia por um lugar a que possa chamar a sua casa. Entrave a este desígnio é também a família da mulher que o mantém numa relação de dependência. Mas contra isso também Biswas irá desdobrar-se em trabalhos, lutando arduamente pela compra de uma casa própria – o símbolo da sua autonomia.
Comovente e cómico,  Uma Casa para Mr. Biswas tem sido aclamado um dos melhores romances do século XX. Nele evoca-se maravilhosamente – através da demanda de um homem – o triunfo da resistência, persistência e dignidade num mundo pós-colonial.

V.S. Naipaul nasceu nas Caraíbas (em Trinidad) em 1932, no seio de uma família de origem indiana. Em 1950 foi estudar para Inglaterra com uma bolsa. Após os primeiros quatro anos na Universidade de Oxford, começou a escrever, actividade a que,desde então, se dedica ininterruptamente: entre o romance e o ensaio, Naipaul publicou mais de uma vintena de livros, alguns dos quais serão em breve publicados pela Quetzal (que, em 2011, também publicou A Curva do Rio). Em 1971 V.S. Naipaul foi galardoado com o Booker Prize e, em 2001, com o Prémio Nobel da Literatura.

Novidade Esfera dos Livros


Já não é só por simples curiosidade, interesse ou desejo de aumentar a cultura geral (embora também seja por tudo isso): para compreendermos o mundo aparentemente louco em que vivemos, o conhecimento da nossa história tornou-se uma questão de sobrevivência, um bem de primeira necessidade.
João Ferreira, investigou e descobriu que a história de Portugal e do mundo está cheia de episódios fantásticos, brutais, manhosos, picantes ou mesmo bizarros, capazes de atrair as atenções e de ajudar a perceber como nos tornámos.
Este livro conta algumas dessas histórias, dá nomes e caras aos protagonistas (reis, tiranos, heróis, traidores, espiões, bandidos - tudo gente de carne e osso)e explica o contexto em que decorreram os factos.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

A Mulher-Casa (Tânia Ganho)

Mara é uma modista de chapéus, que, com a mudança para Paris, espera conseguir tornar-se um pouco mais conhecida. Thomas, o marido, acaba de se tornar o responsável pelos discursos do Ministro e espera estar no caminho de uma ascensão fulgurante a nível profissional. Ao chegar a Paris, ambos têm sonhos e inúmeros planos de futuro em mente... Mas a realidade sempre foge ao esperado. Enquanto a carreira de Thomas começa a evoluir no sentido esperado, a de Mara começa a decair. A trabalhar em casa e, em simultâneo, a ter de lidar com as dificuldades de ser mãe, com o temperamento subitamente ríspido do marido e com a sensação de estar sozinha num lugar a que não pertence, o sonho começa a dar lugar à desilusão e a uma solitária melancolia. Mas tudo muda quando o seu caminho se cruza com o de um dos cozinheiros. Matthéo atrai-a, pois permite-lhe sentir o que já não encontra na vida familiar. Mas o que pesa mais: a paixão ou a lealdade?
Esta é uma história em que nada é fácil. Nada é perfeito na vida real e a história de Mara e de Thomas representa isso de forma muito completa. Nem nos protagonistas nem nas personagens que os rodeiam há uma só figura que seja a preto e branco, ou sequer em que os valores se destaquem claramente acima dos defeitos. Na verdade, em algumas delas, o que acontece é precisamente o contrário. Todas as personagens têm elementos de empatia e situações que revelam o seu lado detestável e, no centro de tudo isto, Mara e Thomas representam o máximo detalhe desta inevitável ambiguidade de características. Mara é uma mulher sozinha na companhia da família (o que não é tão contraditório como poderá parecer), em luta para se manter fiel a si mesma, mas duvidando dos que a rodeiam, quando não mesmo de si própria, ao ver os sonhos ruir numa realidade aquém das expectativas. É uma mulher com os seus valores e com as suas transgressões, carismática, mas frágil, capaz, mas falível. Na sua história, as semelhanças e as diferenças que tem para com o marido, por vezes terno, por vezes indiferente a tudo excepto a carreira, ocasionalmente incapaz de aceitar um não, criam um claríssimo contraste de personalidades, ao mesmo tempo que criam um retrato complexo tanto da vida familiar como das dificuldades na vida a dois, com todas as suas complexidades e desvios.
A escrita é envolvente, com um equilíbrio muito bem conseguido entre a caracterização das personagens e cenários, o lado introspectivo associado principalmente a Mara e um retrato particularmente preciso das atribulações da vida política, no qual é impossível não ver alguns paralelismos com situações relativamente recentes da nossa realidade. Há, do início ao fim, uma fluidez cativante nas palavras, um ritmo ora directo, ora poético, que cria, principalmente no tal lado introspectivo, algo com que o leitor se pode identificar. Há, em suma, beleza na escrita, tal como a há no enredo.
Esta é, ainda, uma história de amor, mas bem longe do amor romântico e idealizado. Em A Mulher-Casa, os problemas e os obstáculos são tão evidentes como os sonhos e os ideais. Na história de Mara, há tanto de afecto como de melancolia, de impulso como de hesitação. E é esta complexidade de sentimentos e de situações que a faz uma história tão próxima, tão real, que fica na memória bem depois de terminada a leitura. 

Contos Consentidos (António de Souza-Cardoso)

Histórias dos sentidos, com sentidos e sentimentos presentes, são o que constitui este pequeno livro. Histórias de gestos quotidianos e de vidas que se percorrem em poucas páginas, mas que tanto cativam pelas pequenas surpresas como pela envolvência de uma escrita sucinta, mas em que nada de essencial é deixado por dizer. São contos de vidas que podiam ser reais e basta o breve Prefácio de Miguel Esteves Cardoso para, numa breve visão pessoal da obra, despertar curiosidade para o rumo destas histórias.
E o primeiro conto é A Garça-Real, história da vida e dos amores de um duriense. Centrado no ambiente e nos gestos do quotidiano, é breve o relato dos acontecimentos. Marca, ainda assim, a fluidez com que a escrita reflecte a naturalidade da passagem pela vida, culminando num final enternecedor.
Segue-se Nunca há paz!, história de um triângulo amoroso e da morte de um dos seus elementos. Envolvente, ainda que alguns dos eventos sejam narrados de forma demasiado sucinta, também aqui marca a presença de uma visão da vida enquanto efémera e naturalmente fluída. Seria interessante ver um maior desenvolvimento de alguns acontecimentos, mas é uma boa história, ainda assim.
O Banquete é a história de um cavalheiro com aversão a compromissos e com um invulgar fascínio pela arte de bem comer. Com uma caracterização muito completa, ainda que algo distante, do protagonista e das suas predilecções, este é um conto de ritmo pausado e bastante descritivo, principalmente no que toca aos pormenores culinários. É, apesar disso, uma história sempre envolvente e com um final particularmente marcante.
Lavanda e Malva trata de regressos e das memórias e estes associadas, num sentimento que prevalece através do tempo. Gestos e recordações são descritos em tom de divagação, alternando entre os dois protagonistas, no que se torna uma história de leitura envolvente e com um final muito bom.
Seguem-se os contos mais marcantes do livro. O Silvo, história do crescimento de um órfão, desenvolve-se de forma simples, mas envolvente e evocando uma certa ternura. Cativante e com um final particularmente marcante, representa na perfeição o ciclo da vida, com os pequenos sucessos e as grandes perdas que o definem. Por sua vez, Os Panadinhos tem como base um homem, uma mulher e uma mentira inocente, numa história breve, mas de leitura agradável e com um final surpreendente.
Terminados os contos, surge Sinto muito!, o posfácio em que Manuel Serrão complementa, falando do autor, o que da obra foi dito no prefácio.
O que fica da leitura destes Contos Consentidos é, portanto, a ideia global de um conjunto de histórias relativamente simples, mas que espelham com precisão os lugares e as figuras que os protagonizam, em episódios e vidas que poderiam ser as de qualquer personalidade real. É também isto que os torna interessantes e envolventes. É isto, em suma, que faz desta obra uma boa leitura.

Novidades Planeta para Maio


Enquanto trabalha na restauração do Pórtico da Glória de Santiago de Compostela, Julia Álvarez recebe uma notícia devastadora: o marido foi sequestrado numa região montanhosa do Nordeste  da Turquia.  
Sem o desejar, Julia vê-se envolvida numa intriga ambiciosa  à escala mundial, para controlar duas pedras antigas, que aparentemente permitem o contacto com entidades sobrenaturais, desde uma misteriosa seita oriental até ao presidente dos Estados Unidos.

Javier Sierra  nasceu em Teruel, Espanha, em 1971. As suas obras estão traduzidas em mais de quarenta línguas e são fonte de inspiração para muitos leitores que procuram algo mais do que livros de entretenimento e aventuras. 
Formado em jornalismo, foi director da revista Más Allá de la Ciência durante sete anos, além de apresentador e director de programas de rádio  e televisão. 
Neste momento dedica-se à investigação histórica. 

Prossegue a Guerra Civil. Mas Stefan Salvatore trava aos dezassete anos o seu próprio combate.  
Noivo de alguém que não ama, Stefan apaixona-se por uma misteriosa rapariga chamada Katherine.  
Com os seus caracóis lustrosos  e olhos castanhos maliciosos, Katherine  é bela e sedutora… mas possui também um negro segredo: é vampira. 

Lisa Jane Smith, cujas obras são uma combinação de género de terror, ficção científica, fantasia e romance, obteve o reconhecimento do público com a série Crónicas Vampíricas, cujo primeiro volume é Despertar. 
Publicado nos anos de 1990 e convertido numa referência da literatura juvenil de terror, retoma o clássico tema da luta entre Luz e Sombra, dos seus adorados C. S. Lewis e J. R. R. Tolkien.  
Segundo palavras da autora, «Queria escrever livros onde o Bem enfrenta o Mal e vence. Queria ser Frodo, morto de medo em Mordor, consciente de que o Mal que enfrenta é muito maior e mais poderoso do que ele, e mesmo assim é capaz de reunir a coragem necessária para tentar e chegar a ser um herói. Queria transmitir aos jovens que não devem renunciar à esperança.»
L.J. Smith já escreveu mais de duas dezenas de livros para crianças  e adultos. 

Mandamos os miúdos para a escola  e ficamos obcecados com os resultados que obtêm nos testes e a sua capacidade de se «encaixarem». 
Pomos um anúncio para um emprego  e exigimos experiência, universidades famosas  e um historial de evitar o fracasso.  
Investimos em empresas com base nos resultados do último trimestre, não naquilo que vão fazer no futuro. Então por que motivo nos surpreendemos quando tudo se desmorona? 
A nossa economia não é estática, mas agimos como se fosse. O nosso lugar no mundo  é definido pelo modo como instigamos  e provocamos e por aquilo que aprendemos com os acontecimentos de que somos causadores.  
Num mundo repleto de mudança, é isso que conta – a sua capacidade para criar e para aprender com a mudança. 
Seth Godin, um guru do marketing e dos negócios, considerado o blogger mais influente do mundo, concentra a sua larga experiência neste livro que nos ensina e encoraja a seguir em frente, a ter fibra e paixão de realizar. 
Numa linguagem directa e simples, Tomar a Iniciativa é um estímulo à nossa capacidade de agir, de inventar e de não seguir o status quo. Este livro incita-nos a avançar. 

Seth Godin é autor de doze best-sellers e de um blogue muito popular, além de ser um empresário de êxito.  
Os seus livros estão traduzidos em mais de 35 línguas. É fundador de Squidoo.com, um dos cem websites  mais populares dos Estados Unidos. 
Godin escreve para a Fast Company e para a Harvard Business Revue   e já fez milhares de conferências para empresas, governos e organizações sem fins lucrativos. 

Hessel e Morin, de 94 e 90 anos respectivamente, não perderam a vivacidade do espírito de luta combativa na Resistência, e apregoam a uma só voz «uma política de desejar viver e do reviver que nos arranque de uma apatia e de uma resignação fatais». 
Os dois nonagenários apelam a que se ultrapassem  as barreiras ideológicas para se encontrarem soluções para a Europa saia da crise.  
Através de propostas concretas ensinam como a criação de um governo mundial, a revitalização da solidariedade, a criação de Casas de Fraternidade, o desenvolvimento da economia plural, assim como a implementação da reforma laboral e democratização do ensino e, sempre que necessário, a procura do bem-estar que tem grande importância para as pessoas. 

Stéphane Hessel nasceu em Berlim em 1917, mas viveu sete anos em Paris.  Em 1939, começou os seus estudos na faculdade, mas dois anos depois é mobilizado e mais tarde juntou-se à Resistência. Preso pela Gestapo em 1944, consegue fugir de uma morte anunciada em Buchenwald.  Depois da guerra, tornou-se diplomata, começando a colaborar com as Nações Unidas. Em 1948, faz parte da equipa que elaborou a Declaração Universal dos Direitos Humanos.  
Pioneiro da ONU, embaixador de França, ligado aos Negócios Estrangeiros e depois ao programa das Nações Unidas para o desenvolvimento, Hessel encarna uma espécie de civismo mundial que o leva a empenhar-se alternadamente em prol dos direitos do homem, dos ilegais e dos sem-abrigo, da luta contra as desigualdades e até do conflito israelo-palestiniano.  É autor de Indignai-vos!  e Empenhai-vos! (Planeta, 2011). 

Edgar Morin (Paris, 1921) é um filósofo e sociólogo francês, autor da Teoria do Pensamento Complexo. Na sua juventude juntou-se à Resistência contra a invasão alemã. A maior parte da sua carreira foi no Centro Nacional de Investigação Científica de França. É autor de várias obras de referência. 

terça-feira, 15 de maio de 2012

Agarrem-me ou dou cabo desses palhacitos! (Rafeiro Perfumado)

Cenas de um mundo em mudança, peculiaridades que definem as diferentes gerações, experiências bizarras da vida quotidiana... ou simplesmente episódios muito estranhos. São estes os elementos na base deste conjunto de textos onde a visão um pouco caricatural, mas bastante precisa e muito, muito divertida, dos mais diversos episódios e circunstâncias proporciona, ao mesmo tempo, uma leitura cativante e algo em que reflectir.
São textos relativamente curtos, organizados por tema e com uma numeração de capítulos algo peculiar, mas cada um dos episódios/reflexões apresentados pelo autor tem algo de interessante para descobrir. Havendo ou não algum exagero na caracterização da situação, concordando-se ou não com o ponto de vista (desenvolvido com veemência) pelo protagonista/narrador/personalidade que dá voz ao texto, é difícil não notar que há, em muitos dos textos, algo ou alguém aparentado aos meandros da vida real. 
Exagerando, talvez, num ou noutro defeito das personalidades referidas, são, ainda assim,  particularmente familiares as descrições do ocasional comportamento abusivo - e da forma como este se pode tornar irritante. Mas, para lá deste lado que, sem perder de vista o humor, acaba por reflectir muito bem o lado enervante de certas situações da convivência social, há ainda um outro aspecto que se destaca, e é a forma como o dito narrador se caracteriza também a si próprio nas reflexões apresentadas. Se as figuras que observa são apresentadas no seu mais caricato, importa também notar que o mesmo é feito pelo narrador: aliás, as observações pessoais e a forma como estas encaixam na veemência das opiniões são também parte do que cativa nas particularidades deste divertido livro.
Trata-se, portanto, de uma leitura divertida, com uma visão bastante particular dos aspectos mais... peculiares... do quotidiano e da vida social e que, com leveza e descontracção, levanta, apesar de tudo, algumas questões simples, mas interessantes, sobre a forma como se interage num mundo em que tanto pode mudar. Uma boa leitura.