segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Edgar P. Jacobs - O Sonhador de Apocalipses (François Rivière e Philippe Wurm)

Fascinado pela arte antiga, e sobretudo pelo Egito, com uma veia lírica e uma voz de barítono, grandes sonhos e interesses variados, seriam Blake e Mortimer a guiar grande parte do ritmo das suas criações. Mas, sendo certo que a vida se entrelaça na obra, nenhuma vida é apenas a sua obra. Há também as relações, as aspirações, os erros, os sucessos e os desencantos. E é uma vida toda, refletida na soma das partes, que serve de base a esta singular biografia.
Escusado será dizer, tendo em conta o livro de que se trata, que a grande força desta leitura está no retrato que traça da vida do seu protagonista. E força por duas razões: por ser completa, explorando as muitas facetas do seu percurso, ainda que, nalguns casos, em episódios mais breves, e por ser cativante, dando vida à "personagem" mesmo ao revelá-la aos olhos de alguém para quem será, possivelmente, desconhecida. Podemos chegar a esta leitura sem saber grande coisa sobre Edgar P. Jacobs, podemos até reconhecer apenas o nome. Ao fim do livro, esse conhecimento aprofundou-se consideravelmente.
Outro aspeto particularmente marcante é a exploração do mundo da arte em geral e da banda desenhada em particular, com uma visão bastante pormenorizada de como é construída a arte. Pode até chegar a ser um pouco desconcertante aos olhos de um leigo na matéria - como é, mais do que certamente, o meu caso - mas é também um foco de aprendizagem. Também aqui, podemos não saber nada sobre traços, perspetivas, cores e por aí adiante... Chegaremos certamente ao fim a saber um pouco mais.
E claro, como não poderia deixar de ser num livro como este, sobressai... a arte. O percurso pode até suscitar perplexidade, nomeadamente nas facetas menos conhecidas, mas mesmo nos momentos mais desconcertantes, há sempre o deslumbramento dos cenários e os ecos simbólicos que vão surgindo - egípcios, sobretudo, como seria de esperar. Mas não só.
Finalmente, importa salientar um aspeto especialmente marcante, que é o facto de, além de ser a biografia de um artista, ser principalmente a biografia de um homem, o que significa que há mais do que espaço para reflexões, vulnerabilidades e até alguns inesperados rasgos de emotividade.
Pode ser base de aprendizagem, matéria para reflexão, descoberta do mundo da arte e da vida de uma figura singular. Mas é, acima de tudo, uma história: uma história real, povoada por gente real, e que ganha vida e cor nestas páginas, mesmo para quem pouco mais conhecia do que os nomes. Basta isso para que valha a pena? Absolutamente.

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