Visões de um mundo nos seus últimos dias ou da vida em tudo o que tem de disfuncional, traçadas através de uma visão própria, mas pejada de referências. Assim se poderiam definir os poemas deste livro, que, no seu todo, retratam um olhar um tanto sombrio sobre o mundo, ao mesmo tempo que questionam e apontam possibilidades de mudança e renovação. Poemas com uma voz muito própria e que, por tudo o que insinuam e despertam, se revelam como estranhamente fascinantes.
Há dois aspectos a sobressair deste pequeno livro de poemas. O primeiro é a unidade: há uma coesão no conjunto dos poemas, quase que uma temática comum sob a forma da visão algo distópica do mundo actual. Uma visão que se identifica como individual não só pelo definir de pontos de vista muito específicos, mas principalmente pela própria voz da autora, que, encadeando ideias num ritmo peculiar, quase que projecta uma imagem visual do mundo disfuncional que pretende descrever.
O outro aspecto que se destaca é a vastidão de referências que surgem ao longo do livro, a começar desde logo pelos títulos, mas também muito presentes no corpo dos poemas. Livros, cinema, figuras históricas... Há toda uma vastidão de ligações neste pequeno livro. E a forma como a visão da autora se relaciona com todas estas referências, tornando-as, em certa medida, suas, é provavelmente o que mais cativa para a leitura destes textos.
Importa ainda referir a agradável fluidez que se sente, em grande parte, no ritmo dos poemas. É verdade que há alguns versos que soam forçados, principalmente devido às imposições da rima, e isto faz com que os que mais cativam são os que menos se prendem à necessidade de fazer as palavras rimar. Ainda assim, o ritmo envolvente nunca se perde por completo - mesmo quando um verso mais estranho parece introduzir uma quebra. E isso acontece porque as imagens - complexas, peculiares, inesperadas - se sobrepõem muitas vezes à estranheza.
E, assim, a ideia que fica é a de um livro surpreendente, retrato de uma realidade tão disfuncional como real e em que as palavras dão voz a um cenário talvez diferente, mas não tão distante assim. Muito interessante, em suma.
Título: Os Filhos de Marx e da Coca-Cola
Autora: Jéssica Tomé
Origem: Recebido para crítica
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