sábado, 12 de setembro de 2020

Torpor (Luís Adriano Carlos)

Cadências alucinadas difíceis de descrever, onde se entrelaçam rimas no interior dos versos e paisagens que ora são cenários exteriores, ora são gestos ritualizados, ora ainda são traçados de um interior melancólico. Versos longos, ao ritmo da torrente dos pensamentos, traçando imagens intensas, ainda que nem sempre evoquem correspondentes visuais. Assim são os poemas deste pequeno livro: estranhos, difíceis de descrever, mas estranhamente cativantes.
É o ritmo o primeiro aspecto a chamar a atenção nesta leitura e é também o ritmo que mais fica na memória. Composto essencialmente por poemas longos, constituídos por sua vez por versos também longos, é um livro em que a cadência assume o papel de destaque, ao ponto de cedo se tornar evidente que cada um destes poemas tem outro impacto se for lido em voz alta. Juntemos a isto um uso muito peculiar - e muito intrigante - da rima e o resultado é um ritmo próprio, singular, que facilmente fica na memória.
Vêm depois as imagens e uma outra forma de singularidade. São poemas relativamente complexos, que muitas vezes evocam cenários surreais e até mesmo uma forma de ritualização que é particularmente fascinante. (São, aliás, estes últimos os poemas que mais se demoram no pensamento.) Em tudo há uma certa estranheza, com tanto de surreal como de fascinante. E, assim sendo, é, mais uma vez, difícil descrever as impressões que esta leitura vai deixando na memória. Mas são notáveis, isso é certo.
Importa ainda realçar dois últimos aspectos. Primeiro, o facto de toda esta estranheza e complexidade não implicar necessariamente distância: não faltam os versos memoráveis, capazes de evocar uma estranha proximidade, como se também nós deambulássemos por este mundo estranho. E segundo, o facto de, apesar de cada poema ser um todo completo, haver elos de ligação entre textos que conferem ao livro como um todo uma maior coesão.
Singularmente surreal, mas absurdamente cativante, trata-se, pois, de um livro que esconde na sua brevidade complexidades insuspeitas. E é também por isso que todas as coisas que o tornam difícil de descrever fazem também deste Torpor uma leitura memorável.

Título: Torpor
Autor: Luís Adriano Carlos
Origem: Recebido para crítica

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