sexta-feira, 17 de junho de 2022

Revolver (Sérgio Almeida)

O absurdo da existência assume formas insuspeitas, evocações de algo maior que se esbate na presença da simples realidade, contemplações de outras vozes que ressoam no coração dos tempos e uma fusão de ordem e caos que é, no fundo, a ordem dos dias. É este essencialmente o cerne desta poesia: transformação e finitude, tempo e o fim do tempo.
Feitos maioritariamente de imagens inesperadas, o maior impacto destes poemas resulta provavelmente dos contrastes. Há algo de etéreo, mas também raízes do quotidiano. Contemplações inspiradoras, mas também imagens de puro pesadelo. E há uma voz que é pessoal, mas suficientemente ambígua para criar laços de universalidade com quem a contempla do outro lado do papel.
Outro aspeto a salientar destes poemas tem a ver com a liberdade total em termos de estrutura. Breves ou longos, variados na métrica, na cadência e até na aproximação ao diálogo, cada poema assume a forma que o conteúdo lhe pede. E assim, as palavras fluem com naturalidade plena.
Finalmente, importa destacar a coesão do todo por entre a individualidade das partes. Haverá sempre textos que deixam marcas mais profundas, mas a sensação que predomina é a de que tudo neste livro está lá porque deve estar. 
Tudo somado, o que fica é a impressão de uma voz pessoal que parte da sua própria liberdade para falar ao universal. E que reflete facetas e contrastes num todo complexo, mas coeso e muito cativante. Uma voz singular, em suma, mas fácil de absorver. 

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