Vasco vai morrer. Sabe, porque os médicos lhe disseram que não há esperança e que não lhe restam senão escassos meses de vida. E tudo muda à sua volta, ao mesmo tempo que tudo permanece presente. Todos os que o amam andam agora com uma tristeza nos olhos, uma tristeza que lhe pretendem ocultar e que ecoa como um reflexo da sua raiva, do medo, da tristeza que também sente. Por isso escreve, enquanto percorre o tempo que lhe resta, e nessas palavras considera o que é e o que foi, a ausência que teme e as memórias que o definem. A vida que vai deixar de ser.
Uma das coisas que primeiro surpreende é a intensidade de emoções que, desde as primeiras páginas, se faz sentir. Ao narrar a sua história na primeira pessoa, e como que para si próprio, o protagonista revela-se ao leitor de forma muito gradual, quer a nível de identidade, quer da razão das suas circunstâncias. Mas o conhecimento da morte iminente, e a sua forma de considerar o assunto, cedo evocam o ambiente de melancolia que prevalecerá ao longo do livro e que, nascido, em primeiro lugar, de uma quase imediata compaixão para com o protagonista, se alimenta tanto da beleza da escrita como de um muito bom equilíbrio entre introspecção e memória.
Poder-se-ia dizer que a memória é um dos elementos essenciais deste livro, sendo ele, como é, a história de uma vida na iminência da morte. E as memórias de Vasco são bastante completas, recordando não só as pequenas banalidades - que, na perspectiva do fim, se tornam muito mais que isso - e os grandes momentos da vida, mas também evocando referências, recordando factos históricos, pequenas histórias contadas. Esta vasta memória, divagativa e um tanto errática, como se escrita ao ritmo do pensamento, torna-se marcante pela presença constante do conhecimento da morte que se aproxima. Tudo o que Vasco faz ou recorda, e também todos os pensamentos que regista, são como um imenso adeus à vida, um olhar sobre o futuro - ou a sua ausência - que comove, simplesmente, por ser o que é.
Este registo introspectivo reflecte-se na escrita, pausada, dando ao protagonista uma voz muito pessoal, e evocando, por vezes, a poesia que resulta de uma certa saudade, da nostalgia face ao que se perdeu ou vai perder. Esta nostalgia está presente em cada palavra, construindo em cada imagem, em cada uma das muitas frases lindíssimas que sobressaem ao longo do texto, a sensação de partida iminente que é, afinal, o centro deste livro. Assim, escrita e enredo conjugam-se em harmonia perfeita e, mesmo nos momentos em que as divagações se tornam longas, mantêm viva a envolvência e a força emocional da narrativa.
História de uma vida em vias de terminar, mas também da memória que resta, Pretérito Perfeito apresenta uma história que, comovente na sua melancólica ternura, marca desde as primeiras páginas e cativa até ao fim. Vale muito a pena ler este livro, portanto, e não posso deixar de o recomendar. Muito bom.
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