segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Manual da Solidão (Tiago Moita)

A existência, no quotidiano e no seu mais místico. A introspecção transmutada em visão surreal da vida, tanto nos gestos mais banais como nos mais poéticos. E uma figura sem data de nascimento que volta às suas introspecções passadas para se encontrar com novos pontos de vista. É esta a base deste livro, uma viagem ao desassossego pessoano que assume uma forma diferente, mais... pessoal.
A primeira coisa que importa referir sobre este livro é que, apesar dos laços assumidos com a figura pessoana de Bernardo Soares (e com o seu Livro do Desassossego), não é propriamente necessário ter algum conhecimento prévio desta obra para captar as ideias fundamentais deste livro. Sim, é fácil reconhecer influências pessoanas (ao ponto de, por vezes, vir ao pensamento a sua enigmática relação com Crowley), mas as ideias e os pensamentos valem por si mesmos, o que significa que, com essas relações ou sem elas, a reflexão continua a ter impacto.
É também um livro surpreendentemente complexo, se tivermos em conta a relativa brevidade. E mais surpreendente ainda pela concisão com que consegue traçar imagens inesperadas e, às vezes, elaboradas, contrastando-as depois com imagens do quotidiano. Claro que, havendo sempre (ou quase) um elemento místico em torno destas perspectivas, o maior ou menor impacto destas visões poderá depender um pouco das crenças de cada um. Ainda assim, não deixa de ser fascinante a vasta construção que emerge de um livro que é, afinal, relativamente sucinto.
O mais interessante é, contudo, mais simples, pois, sendo embora um toco coeso, cada reflexão - se assim lhes quisermos chamar, pois há as que se voltam para o interior e outras que mais parecem contemplar o mundo - é também perfeitamente completa, tendo a surpreendente capacidade de se entranhar na memória, às vezes, em poucas palavras. Crenças à parte, e visões mais místicas ou mais telúricas, o que é certo é que não faltam frases memoráveis neste livro. E é isso, acima de tudo, o que mais fica no pensamento.
Breve, mas surpreendentemente complexo, introspectivo, mas sempre bastante cativante, trata-se, em suma, de um livro difícil de descrever, mas memorável na sua singularidade. Se esta solidão complementa outro desassossego? É possível. Mas defende-se bem sozinha.

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