quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Traição (V. S. Alexander)

Natalya Petrovitch sabe que vive num mundo em que qualquer transgressão será severamente punida. Mas o seu tempo como enfermeira voluntária na Rússia revelou-lhe claramente os horrores da guerra e confirmou-lhe a verdadeira face do regime nazi. É com este conhecimento e atraída por alguns laços de amizade que Natalya se vê envolvida na Rosa Branca, um movimento de resistência pacífica que protesta contra as atrocidades do Reich através da distribuição de folhetos subversivos. Natalya sabe os riscos que corre e que há olhos à espreita em toda a parte. Mas a traição pode vir também daqueles em quem julga poder confiar... e, quando vier, as consequências serão terríveis.
Provavelmente o aspecto mais impressionante deste romance está na forma como até as aparentes imperfeições acabam por fazer especial sentido na construção da história. Enquanto protagonista, Natalya mostra-se inesperadamente ingénua, pois, embora ciente dos riscos e da necessidade de confiar, acaba por ser movida também por um certo sentimentalismo. Já quanto à origem da traição, é verdade que o momento tem um enorme impacto, mas quanto à identidade, as suspeitas eram bastante claras desde o início. E o interessante é que nenhum destes dois aspectos prejudica a história. Muito pelo contrário, pois é a convergência das imperfeições destas duas personagens que faz com que o percurso posterior tenha tantos momentos marcantes.
Outro aspecto que sobressai é o equilíbrio entre a construção de um percurso pessoal para a protagonista e os vários elementos e figuras históricas que surgem ao longo do caminho. Destacam-se, claro, a Rosa Branca e os seus elementos, cuja história trágica e fascinante ganha vida ao longo destas páginas. Mas também a experiência de Natalya na prisão e no asilo, bem como num campo de prisioneiros de guerra, mostra um contexto cuidadosamente descrito que acrescenta realismo à história ficcional.
O maior impacto vem, ainda assim, do aspecto emocional. Nem sempre é fácil entender as decisões de Natalya, mas desde o início que a opressão do mundo em que se move é palpável. Além disso, à medida que a história vai evoluindo, vão-se sucedendo momentos cada vez mais avassaladores. Grandes traições e rasgos de coragem, a sombra iminente do fim e o desespero do isolamento, a adrenalina da fuga e a vaga esperança de um fim para o caos... tudo isto ganha forma ao longo deste livro. E tudo isto fica na memória bem depois do fim.
Meticulosamente construído e muito cativante na história que tem para contar, trata-se, acima de tudo, de um livro que emociona. Intenso nos grandes momentos, marcante no retrato que traça de um período negro, e excepcional na sua visão de bravura em tempos desesperados, não é um livro de personagens perfeitas. Mas são precisamente essas imperfeições que o tornam tão bom.

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