domingo, 13 de dezembro de 2020

Armazém Central: Confissões | Montreal (Régis Loisel e Jean-Louis Tripp)

Notre-Dame-des-Lacs é um lugar de hábitos fortemente enraizados e de um sentido de comunidade tão sólido quanto... complicado. Existe um conjunto de convenções sociais, de expectativas, por assim dizer, e é por isso que todos esperam de Marie e de Serge que... regularizem as suas vidas e se casem. Só que Serge tem um segredo e só há uma forma de contornar. Quanto ao coração de Marie, terá de o aceitar. O problema é que essa aceitação pode assumir a forma de comportamentos precipitados... e as normas da comunidade podem subitamente tornar-se demasiado pesadas para suportar.
Uma das primeiras coisas que importa dizer sobre este livro é que, correspondendo aos volumes quatro e cinco da série, implica a existência de uma história prévia que, para quem começa por aqui, é totalmente desconhecida. Não é, ainda assim, essencial, porque as linhas gerais são-nos descritas no início e a evolução é bastante específica destes volumes. Ainda assim, e tendo em conta a envolvência do livro, é inevitável não chegar ao fim com uma certa vontade de descobrir também o que está para trás.
Outro aspecto notável não é propriamente fácil de descrever. Sendo essencialmente composto de histórias do quotidiano - e de um quotidiano de local pequeno - não há, à partida, grandes acontecimentos. (Ou, pelo menos, num sentido dramático). Mas há o que são grandes acontecimentos na vida individual de cada um. Amizades, amores, afectos, aproximações, perdas, chegadas, partidas, mortes. E há algo de tão natural e de tão estranhamente intenso neste percurso que, ao longo da leitura, há momentos em que o coração fica estranhamente apertado - ainda que não seja fácil dizer porquê. E um livro que desperta emoções tão profundas - ainda que ligeiramente incognoscíveis - só pode ser bom. Certo?
Em termos visuais, sobressai um aspecto geral e uns quantos pontos particulares. Numa perspectiva mais geral, sobressai a amplitude dos cenários e a forma como, nos seus contrastes, reflectem o pequeno mundo à parte que serve de base a estas histórias. A um nível mais específico, sobressaem as expressões de certas personagens (principalmente aquando de uma ou outra revelação mais drástica), os ocasionais sorrisos que parecem reflectir na perfeição a aura do ambiente e uma pequena - mas deliciosa - dose de fofura na forma de três animais recorrentes e da suas tropelias.
Da comunidade e dos seus dramas. Das convenções e do peso que às vezes têm. E, acima de tudo, de grandes corações numa pequena aldeia. De tudo isto é feito este Armazém Central - e tudo isto o torna memorável. Visualmente marcante, cativante na história e surpreendentemente poderoso nas emoções que desperta, uma belíssima surpresa em todos os aspectos. E uma história a acompanhar.

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