quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Cão Flash (Antero Barbosa)

A partida, a perseguição, o regresso. A presa em fuga, a corrida da matilha, a sempre constante iminência da morte, concretizada, por vezes, de formas imprevisíveis. Uma caça que se torna visão... visão inefável, talvez. E um ritmo que é, em si mesmo, uma corrida, difícil de descrever, mas estranhamente fascinante. Um flash, deveras. E um flash surpreendente.
Uma das primeiras coisas que importa salientar sobre este livro é que, embora cada uma das partes possa ser lida indepedentemente, a impressão que fica não é a de um conjunto de poemas, mas sim a de um longo e vasto poema que abrange a totalidade do livro. É certo que há impressões distintas, rasgos de introspecção por entre a corrida, deambulações por outras paisagens e outras formas de pensamento. Há, ainda assim, uma unidade de ritmo e de perspectiva, que forma um todo coeso e sucessivo que é quase uma história, sem nunca o ser realmente.
Tem no seu cerne uma cena de caça, o que implica necessariamente uma dose de crueldade. Mas é também este lado mais negro e inevitavelmente sangrento que cria um forte contraste entre os rasgos de brutalidade e outros de quase emoção. A imagem que se forma tanto é a de um caçador que persegue a presa como a de um regresso ao que se deixou por fazer. Tanto retrata a sobrevivência do mais forte como a vulnerabilidade dos que apenas o parecem ser. E, sendo certo que existem momentos de choque, há também surpreendentes rasgos de meditação.
O aspecto mais marcante acaba, ainda assim, por vir da estrutura. Com versos relativamente breves e sem grandes restrições em termos de rima ou de métrica, surpreende pela facilidade com que consegue reflectir no ritmo das palavras a cadência da cena relatada. Todo o conjunto - ou todo o poema, na verdade - se lê como uma corrida, ao ritmo dos passos que descreve. E essa impressão quase sensorial é particularmente notável por se conseguir manter constante ao longo de todo o livro.
Ritmo intenso, contrastes fortes e uma grande coesão: são estas, pois, as grandes impressões que ficam deste relativamente breve - mas surpreendentemente vasto - Cão Flash. Uma leitura de contrastes, mas sempre muito cativante.

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