segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

O Livro (Cesário Verde)

Cenas do campo e da urbe. Mulheres delicadas e homens vigorosos. Gestos quotidianos da vida e a presença súbita e inquestionável da morte. Uma poesia de cenários complexos e meticulosamente descritos - e de contrastes, sobretudo, a irromper de entre a descrição. Assim são os poemas deste livro, longos, detalhados e com os seus rasgos de intensidade.
Sendo uma obra sobejamente conhecida  - e, pelo menos no meu tempo, amplamente dissecada na escola - dificilmente este livro será uma novidade. E, mais uma vez, porque amplamente dissecados na escola, poderá não ser necessariamente arrebatadora a primeira impressão que estes poemas trazem à memória. Porquê? Porque no que toca a rimas, métrica e figuras de estilo, estes poemas dificilmente poderiam ser mais abundantes - e, talvez por isso, o que ficou na memória foi essa imensamente meticulosa dissecação.
Mas é também por esta impressão tão vincada que um regresso a estes poemas fora desse contexto de análise é importante, pois acaba por ter um impacto diferente. Lê-los ao ritmo das palavras não esbate esta meticulosidade de pormenores, mas dá-lhes um fluxo diferente. E sendo o deambular pelos cenários uma tão importante parte destes textos, esta leitura sucessiva transmite essa sensação, sem quebras, sem divisões, de deambular por cenários mais ou menos marcantes, mas todos meticulosamente construídos e com os seus rasgos de luz e sombra a emergir.
Há também sempre outro impacto nesta leitura pessoal, pois, mais do que as damas e os homens, e os exaustivamente descritos labores do campo, há um rasgo que às vezes se manifesta e que, a espaços, cria uma certa proximidade. Há morte a vaguear nessas paisagens e a sua presença confere intensidade a um registo que, por vezes, parece muito distante. E reconhecer esses rasgos de angústia no meio dos amplos cenários cria emoção onde ela não parecia existir.
Talvez não seja uma impressão radicalmente nova a desta leitura distanciada da forma - mas não deixa de ser mais próxima, mais cativante. E, entre as extensas descrições destes poemas, é também o encontro da proximidade que permite reconhecer melhor a beleza do resto. Porque há beleza neste livro - e não é só a da contemplação. É a das palavras, a do ritmo - e sim, a das figuras de estilo amplamente dissecadas - mas que formam um todo maior vistas como um todo.

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