segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Não Me Tapes o Caminho em Frente, Mesmo que Não Vá Dar ao Futuro (Fernando Tordo)

Dos monstros e das sombras do pensamento e de viagens que abrem horizontes. De reflexões breves que parecem apenas aflorar a superfície dos dias e de ritmos quase melódicos que avançam para as suas profundezas. De olhares para o exterior e introspeções da alma. E de um presente que é nostalgia de um passado e promessa de futuros possíveis. De tudo isto, em diferentes graus e medidas, é feito este livro.
Parte do que torna esta leitura tão cativante é também parte do que a torna difícil de descrever: a forma como se vai revelando mais através de impressões do que de especificidades concretas. Poder-se-á apontar a estrutura, que vai variando ao longo do livro, mas onde o ritmo é constante, tanto nos textos com rima como nos que não a têm, e onde a cadência das palavras sugere uma voz singular. Poder-se-á apontar a capacidade de evocar imagens precisas, ainda que com um certo lado indefinível, em poucas palavras, e de refletir facetas do mundo atual sem nunca perder o registo intimista. Poder-se-á até salientar o delicado equilíbrio que faz com que, embora cada texto seja um todo completo, o conjunto seja algo mais do que um mero conjunto de poemas, fortalecido pela sua coesão.
Ainda assim, o que marca não é assim tão tangível, pois o que mais fica no pensamento é mais emocional do que racional. Visto após a leitura, é fácil reconhecer os textos que mais marcaram, entender o contraste entre os mais próximos e emotivos e os que se debruçam mais sobre factos e realidades objetivas. Mas, numa leitura sequencial, esta impressão passa para segundo plano, pois o livro funciona quase como uma viagem. Para onde? Para o interior, sobretudo, ainda que para um interior que, a espaços, contempla o mundo, mas que extrai da introspeção as emoções mais fortes.
Assim, a imagem que fica é, de certa forma, dupla. Estruturalmente falando, trata-se de um livro fluido, coeso, carregado de ritmo e capaz de evocar nas palavras certas uma miríade de impressões diferentes. Emocionalmente falando, trata-se quase de uma conversa - ou de uma canção - interior entre as palavras do texto e os sentimentos que elas evocam em quem as lê. Dois aspetos diferentes, mas que coexistem em harmonia.
Breve, mas emocionalmente vasto, e cheio de um sentimento íntimo, sem deixar, ainda assim, de contemplar o mundo exterior, trata-se, em suma, de um livro que é uma viagem singular... ao interior e ao mundo. Ao que descobrimos e ao que nos toca. Muito bom.

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