terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

O Quarto de Jack (Emma Donoghue)

Jack tem cinco anos e o único mundo que conhece é o pequeno quarto onde nasceu e do qual nunca saiu. É lá que come, que dorme, que brinca com a mãe e onde ela lhe ensina tudo o que tem para transmitir. O que Jack não sabe é que o Quarto é na verdade uma cela à prova de som, onde a mãe é mantida presa desde que, sete anos antes, foi raptada. Jack não conhece o mundo exterior, mas a situação é delicada e a mãe precisa dele para os salvar a ambos. Mas será possível viver no mundo lá fora, quando tudo o que se conhece é a aparente segurança da vida entre quatro paredes?
Contado pela voz de Jack e em tudo semelhante ao que deverá ser a voz de uma criança daquela idade, este é um livro em que o primeiro traço marcante está precisamente na forma como Jack, enquanto narrador, realça na perfeição o equilíbrio entre a inocência da criança e o horror desconhecido das circunstâncias em que se encontra. O mundo de Jack é um mundo estranho, e a forma como a autora transmite esse mundo ao leitor, primeiro no que parece ser um ambiente invulgar, mas razoavelmente sereno, para depois ir revelando os contornos mais sombrios da situação, cria um crescendo emocional que se torna, a cada passo, mais comovente. Além disso, a emoção surge nos actos, e não nas palavras, o que faz com que tudo pareça mais natural. A tristeza, o medo, a ternura, a esperança... tudo surge de forma genuína. E é talvez isso o que mais contribui para fazer deste livro uma leitura memorável.
Se Jack, com todos os seus momentos de inesperado brilhantismo, é, por si só, mais que motivo suficiente para que a leitura valha a pena, há também, na sua história, todo um conjunto de momentos e de questões relevantes que, inevitavelmente, se entranham na memória e apelam à reflexão. O cativeiro de Jack e da sua mãe, desde logo, mas também a forma como as pessoas reagem ao sucedido quando a verdade é descoberta. O choque mediático, as diferentes reacções do público, a forma como a própria família lida com a situação. Há muito em que pensar, nesta história, e isso acaba por ser tão importante como os próprios acontecimentos.
E depois há a escrita e a forma como a autora consegue construir tão bem a voz do seu protagonista. Fluída, envolvente, dá corpo a uma personagem que tanto cativa pelos momentos de ternura como pela forma muito própria que tem de interpretar o que está a acontecer. E realça, na aparente simplicidade com que dá voz às coisas complexas, o impacto de uma história em que as pequenas coisas e as grandes revelações coexistem num equilíbrio quase perfeito.
Tudo isto contribui para fazer de O Quarto de Jack uma leitura memorável. Mas mais do que isso, até. Intenso e surpreendente, comovente em todos os momentos certos, mas leve e divertido, também, quando a invulgarmente brilhante personalidade de Jack a isso apela, este é um livro que cativa desde as primeiras linhas. E que fica na memória bem depois de chegar ao fim. Recomendo. 

Autora: Emma Donoghue
Origem: Recebido para crítica

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