Algumas complicações inexplicáveis na sequência de uma cirurgia que devia ter sido simples levam Lucy Barton a passar nove semanas numa cama de hospital. Aí, com saudades das filhas e a sentir-se vulnerável, Lucy acorda uma manhã para uma surpresa: a presença da mãe, que há muito não via, aos pés da sua cama. Durante cinco dias, mãe e filha trocam mexericos e impressões sobre os outros, evitando, tanto quanto possível, falar das suas própria vidas. E Lucy recorda as suas raízes, o que a fez afastar-se da terra que a viu crescer. E as marcas que, antes e depois do tempo passado no hospital, seriam uma presença constante no seu caminho.
Narrado na primeira pessoa e alternando entre diferentes pontos na linha temporal da narrativa, este é um livro que tem como principal peculiaridade a forma como tem tanto de relevante no que é dito como no que é apenas insinuado ou simplesmente deixado por dizer. A vida de Lucy, principalmente na sua relação com os pais e os irmãos, mas, até certo ponto, também no que respeita ao seu próprio casamento, é-nos contada sob a forma do que parecem ser fragmentos de memória, deixando como que nas entrelinhas uma parte da história que apenas se vislumbra ou imagina. E isto desperta sentimentos contraditórios: por um lado, espera-se uma confirmação dos factos que são insinuados; por outro, na forma como a protagonista evita certas memórias e assuntos, sente-se o impacto emocional que estes têm nela.
Ora, isto cria um estranho contraste. Da infância de Lucy, onde pobreza e maus-tratos se misturam, emergem sentimentos ambíguos, que se reflectem também na forma como ela e a mãe interagem no hospital. E ambíguos porque amor e ódio parecem cruzar-se num fio muito ténue, onde os ressentimentos e um amor inabalável parecem, ainda e sempre, coexistir.
O resultado é um equilíbrio delicado, sustentando também pela forma como a narrativa é construída. Ao percorrer os pensamentos e memórias de Lucy, deixando, por vezes, a definição de uma linha narrativa precisa para segundo plano, a autora aproxima-se mais da tal ambiguidade de sentimentos que parece caracterizar a situação da protagonista. E os capítulos curtos, quase que resumidos ao mais simples do essencial, reforçam essa impressão. Importa aquilo que ficou na memória. O resto é secundário.
Fica, sim, uma curiosidade insatisfeita, uma vontade de saber mais sobre a parte da vida que Lucy guardou para si. Mas também isto tem uma certa razão de ser: na vida, nunca temos todas as respostas e há partes que são deixadas algures num sítio de onde dificilmente voltam a emergir. E assim, o percurso mental e emocional de Lucy acaba por fazer todo o sentido. Tal como a sua história - incluindo a parte que fica por contar.
Breve e aparentemente simples, mas com uma delicada teia de contrastes a sustentar as memórias da protagonista, este é, portanto, um livro que facilmente cativa. Deixa, no fim, uma certa vontade de saber mais, é verdade. Mas é também por isso que faz pensar.
Título: O Meu Nome É Lucy Barton
Autora: Elizabeth Strout
Origem: Recebido para crítica
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