domingo, 10 de novembro de 2019

A Filha Esquecida (Armando Lucas Correa)

Há uma verdade dura à espreita nas vidas de Amanda e Julius Sternberg, bem uma certeza cada vez mais premente: quem começa por queimar livros acabará por queimar pessoas. É esse o cenário em pleno apogeu do nazismo e, embora o casal tente resistir à partida, se torna evidente que esta é inevitável. Mas nesse momento é já demasiado tarde. Julius é levado e Amanda fica sozinha com as duas filhas e um conjunto de instruções para a salvar. Fazê-lo, porém, significará enviá-las sozinhas num barco para Cuba, e Amanda não tem a certeza se a mais nova poderá sobreviver. Opta, pois, por uma escolha impossível que a levará, bem como à pequena Lina, a um caminho de sucessivas perdas e abandono. Rumo a uma verdade que só no fim se tornará evidente.
Tendo em conta a forma como este livro começa, uma das primeiras coisas que importa salientar é que, embora sendo uma história totalmente independente da de A Rapariga Alemã, existe um claro elo de ligação. Assim sendo, será interessante conhecer os dois livros, independentemente da ordem de leitura, pois os discretos laços que unem as duas histórias dão forma a um todo mais vasto.
Quando ao percurso concreto deste livro, não será propriamente uma surpresa, tendo em conta o contexto, o forte impacto emocional. É fácil compreender o desespero de Amanda, o impacto das sucessivas perdas, até a forma como os múltiplos abandonos influem na vida de Lina ao ponto de a transformarem noutra pessoa. E, assim sendo, é fácil mergulhar nesta história, sentir com as personagens e querer saber mais sobre elas e de que forma os diferentes elos acabarão por convergir no final.
Sendo um percurso de perdas sucessivas, é inevitável que haja pontos e personagens a ficar para trás. Faz sentido que assim seja, até porque a história parte do protagonismo de Amanda para dar depois lugar à história da sua filha. É inevitável, claro, que fique uma certa curiosidade insatisfeita sobre os que vão ficando para trás: o que aconteceu a Julius, depois a Amanda, mais tarde a Henri. Todos eles justificariam um maior desenvolvimento do seu percurso após a separação da história principal. Mas a questão é mesmo essa: é que, tendo em conta o rumo da história principal, para não falar do contexto de guerra, é apenas natural que essas histórias fiquem para trás, pois também Elise não as conhece.
O que fica é, portanto, a impressão de uma leitura cativante e muito emotiva, que, embora não dando respostas a todas as perguntas, traça um marcante percurso de perda e de redenção. Elise e Amanda são, cada uma à sua maneira, duas figuras notáveis. E o seu percurso proporciona, sem dúvida alguma, uma leitura memorável.

Autor: Armando Lucas Correa
Origem: Recebido para crítica

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