Às vezes, o mundo frenético em que vivemos deposita sobre os nossos ombros o peso de expetativas demasiado pesadas. Outras, como nos estranhos dias que vivemos, a incerteza assume proporções colossais e é preciso aprender a lidar com coisas que jamais teríamos imaginado. E, no meio de tudo isto, há a nossa própria natureza, as nossas inseguranças, a forma como tentamos constantemente ser mais, fazer mais, viver mais... esquecendo a necessidade de ser simplesmente. Este livro contempla todas estas complexidades do mundo e volta-se para as coisas simples. Para o que em nós é suficiente, para os pequenos rasgos de beleza, para o que nos ilumina nas trevas. Para o que nos conforta, em suma. E o conforto pode estar nas coisas mais simples.
Parte da enorme beleza deste livro, e todo ele é beleza, vem da capacidade como, a partir da máxima simplicidade, nos consegue dar tanto com que nos identificarmos. Pode ser a frase simples que ecoa nos confins do nosso próprio sentimento e que nos faz sentir vistos, ou a abertura com que o autor nos fala das suas próprias dificuldades, e que nos lembra que não temos de nos envergonhar das nossas vulnerabilidades. Pode ser a forma como em poucas frases, ou às vezes numa só, diz tudo o que é preciso e fala diretamente ao coração. Ou podem ser as palavras que precisávamos mesmo de ouvir - e, sim, também contam se as encontrarmos num livro.
É um livro muito próximo, em termos estruturais, dos anteriores Razões para Viver e O Mundo à Beira de um Ataque de Nervos. (Já os leram, a propósito? Porque valem mesmo a pena.) E tal como nos anteriores, mas talvez ainda um pouco mais, tendo em conta que é de conforto que se trata, esta estrutura revela-se particularmente eficaz. Estrutura que o próprio autor aponta como não muito definida, oscilando entre textos mais extensos e outros muitíssimo breves, mas que parece ser já um estilo próprio. E que resulta, porque quando basta uma frase para se nos entranhar no pensamento, ou uma simples lista para refletir no que nos perturba, então é porque nada de essencial lhe falta. Além disso, este encadear de ideias, que forma um todo maior, mas em que cada texto é uma unidade completa, é perfeita para os múltiplos regressos a que este livro apela. Porque, se as palavras nos falam, então também sabemos onde as procurar quando precisarmos de as ouvir.
E há ainda um último ponto particularmente marcante. Quando pensamos em conforto, pensamos à partida em coisas boas, mas todos sabemos que a vida nem sempre são coisas boas. Ora este livro, na sua já repetidamente referida simplicidade, consegue ver esse lado complexo da vida: nem sempre nos sentimos confortáveis, felizes ou sequer serenos. Mas a lição destas páginas aponta-nos o caminho para procurarmos o conforto possível mesmo a partir do abismo. E isso é algo de verdadeiramente precioso.
Máxima beleza na maior simplicidade. Um registo pessoal, mas capaz de falar ao coração de todos. E uma visão do que é ser-se humano, do que é viver, com todos os seus meandros e tribulações, mas também com uma infinita força de aceitação e de esperança. Tudo isto faz parte deste livro. Tudo isto o torna único. E é tudo isto - e o que faz despertar em nós - que o torna tão prodigiosamente belo.
Sem comentários:
Enviar um comentário