Num mundo destruído, e a partir do isolamento das trevas, um rapaz cego acompanha uma caçada. Como, porquê, por que inefáveis meios, nada disso tem importância. A única coisa certa é que o rapaz aguarda uns olhos para que possa ao menos brincar a ver. Mas esse tipo de inocência implica uma brutalidade complementar. E o pouco que é dito, e o muito que é visto, contêm em poucas páginas uma lei da vida.
Não é propriamente fácil encontrar uma forma de descrever este livro. Visto em termos de narrativa, é muito breve, muito simples e assenta em pouco mais do que um percurso muito simples. Visto em termos estruturais, é totalmente diferente, sem nunca perder de vista, ainda assim, o facto de o percurso ser muito conciso. E visto como um todo, é um misto de interrogação ante tudo o que fica por dizer e de surpresa ante a precisão do que de facto reflete.
É descrito como um poema visual, e esta é uma expressão que adquire um estranho sentido. Por várias razões: primeiro, desde logo, porque em termos de ilustração, há toda uma construção complexa e fascinante que prende o olhar mesmo nos momentos mais macabros; depois, porque o contraste de perspetivas lhe confere um ar quase onírico, que acaba por ter, inevitavelmente, uma certa aura poética; e finalmente, porque esta brevíssima história consegue, na sua inexplicável simplicidade, refletir inocência e crueldade nas medidas exatas, e uma reflexão sobre como a vida é dos implacáveis.
Sendo tão breve, fica também uma estranha sensação da perspetiva emocional, algures entre o choque e a ambiguidade. Choque pelo tal contraste entre inocência e horror. Ambiguidade, porque é tanto o que não é dito, e são tantas as possibilidades que ficam em aberto, que é impossível evitar uma certa mistura de curiosidade insatisfeita e de contemplação sobre os possíveis futuros desta personagem.
Muito breve, funciona como um vislumbre de uma possibilidade maior. Mas inesperado na intensidade, surpreendente no contraste entre inocência e crueldade, e visualmente fascinante na mistura de inovação e repetição, não deixa de ser marcante na sua relativa brevidade. E memorável, à sua maneira.
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