Diziam que as mulheres Laguna estavam amaldiçoadas, condenadas a apaixonar-se e a sofrer por essas paixões, concebendo outras mulheres para perpetuar o seu legado de desamor. E, contudo, ao cruzar-se com o caçador andaluz, Clara Laguna não pôde impedir o amor de nascer no seu coração. Tal como quando, grávida e abandonada, não pôde silenciar a ânsia de vingança que passaria a ditar os seus actos. Nasceria assim a Casa Vermelha, o seu bordel, como exercício de vingança pessoal. E quando, por sua vez, a sua filha Manuela se encontra grávida e sozinha, é ainda o ódio a mover os seus actos na ânsia de recuperar a decência do seu nome a todo o custo. E, talvez, de quebrar a maldição.
É fascinante a forma como, ao longo deste livro, a autora entrelaça elos de inocência, amor, vingança e abandono, com uma precisão tal que cada acção é quase visível e cada sentimento quase palpável. Os elementos mágicos, principalmente no que às flores diz respeito, são discretos, mas de uma ternura tocante. As ligações de amor e de devoção marcam pela inocência e pela beleza quase pura de cada momento. E os momentos sombrios, os actos de vingança, as mortes inevitáveis, são intensos, obscuros e perturbadores, cada um na sua forma muito particular. E a autora liga todas estas emoções aparentemente contraditórias (mas que formam parte de um todo maior) de uma forma envolvente, comovente, por vezes, e, nalguns momentos, realmente divertida.
É uma história longa, percorrendo várias gerações. E cada novo elemento dessa tal família maldita reflecte uma personalidade que marca de diferentes formas, deixando diferentes impressões no leitor, ao mesmo tempo que os diferentes temperamentos em colisão condicionam também as diversas relações entre personagens. Haveria, seguramente, mais a dizer sobre cada um deles, já que ambos têm uma natureza complexa e uma história marcante, por si só. Mas é nas relações de amor e ódio (com todas as possibilidades intermédias) que a grande força desta história se manifesta. Basta pensar no turbilhão de situações e sentimentos (bem como nas mudanças por estes provocadas) que marcam a história de Olvido, e através dos quais esta marca os que com ela contactam.
Há algo de muito próprio no estilo de escrita da autora, e nas imagens que esta evoca. Momentos mágicos florescem por entre os traços de uma vida quotidiana com uma naturalidade impressionante, possível apenas graças à precisão com que a autora constrói cenários, figuras humanas e até mesmo linhas de pensamento. Toda esta beleza, poética sem se tornar ambígua, dá força a uma história, por si só, muito interessante.
Uma história de amores e desamores, plantada num cenário entre a magia e a realidade, e onde momentos de uma inocência quase idílica se cruzam com situações de dor e profunda perda. Uma leitura para sonhar, nalguns momentos... mas sempre com a realidade por perto.
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