segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Universos Paralelos (Abílio Brito)

E se deus não for um ser de infinita bondade? Se o acto da criação for uma sucessão de tentativas falhadas, de ambiguidade - ou inexistência - moral? Se deus e o diabo forem partes de uma mesma entidade e se a luta entre o bem e o mal se travar nas histórias deixadas por contar pelos escritores mortos? Esta é uma história do mundo, de um ponto de vista diferente, e da vida de um deus que, tal como os seus universos, se distancia do mundo conhecido. A história de um universo totalmente diferente, com gente diferente e valores também muito diferentes dos que regem a vida quotidiana. Ou será que não?
Escrito num estilo elaborado e com uma linha geral rica em ideias estranhas e rebuscadas, este não é um livro de leitura fácil. É também uma leitura que deixa sentimentos ambíguos, já que, a momentos e ideias realmente brilhantes associa-se uma dispersão por pensamentos filosóficos e divagações de algumas personagens, da qual resulta uma certa confusão e a impressão de que algumas das melhores ideias acabam por não ser tão desenvolvidas como poderiam. Mas vamos por partes.
No que diz respeito aos pontos fortes, destaca-se, desde logo, a caracterização de Queimâncio. Oposto, em muitos aspectos, ao nosso mundo conhecido, é apresentado como um mundo governado por regras inerentemente más, com organizações sociais que destroem em vez de ajudar e percursos individuais que se regem pela inveja, pelo desdém e pelo ódio à diferença. O que há de tão fascinante neste lugar que, inicialmente, parece tão estranho, é que acaba por ser fácil ver atitudes e formas de pensar que, não sendo absolutas na nossa realidade, estão, ainda assim, bem presentes. Surge, assim, uma muito interessante análise do mal na natureza humana, mesmo nos momentos de maior estranheza.
O outro grande ponto forte está na forma como a interacção das personagens com deus é desenvolvida, com momentos de aparente proximidade a contrastar com outros de indiferença total. Aqui, é o papel de Séfora o mais interessante, já que representa da melhor forma essa proximidade, associando-a também ao sofrimento que está na sua natureza. Mas também Moisés, um Moisés muito diferente da figura bíblica, tem os seus grandes momentos, ainda que, principalmente, no que é aos olhos dos outros.
Há, portanto, bastantes personagens, e bastantes questões a analisar nesta peculiar análise do mal. E aqui surge o principal problema. É que, quer o cenário que serve de base ao livro, quer as suas personagens principais, perdem destaque ante as longas divagações e teorias que vão sendo desenvolvidas ao longo do livro. Além disso, as sucessivas mudanças de perspectiva levam a que se perca de vista o que acontece depois a algumas dessas personagens, deixando a sensação de que ficam demasiadas questões sem resposta. É isto, essencialmente, que torna a leitura confusa e que faz com que, por vezes, a estranheza se sobreponha aos momentos mais cativantes do enredo, momentos estes que são, realmente, muito bem conseguidos.
A ideia que fica deste livro é, pois, um conjunto de impressões contraditórias. Há momentos muito bons e outros em que os excessos divagativos tornam difíceis de seguir as linhas essenciais da narrativa. São mais, ainda assim, os momentos bons que os menos bons, o que faz com que esta tenha sido, apesar dos momentos mais cansativos, uma leitura que apreciei.

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