sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

A Vingança das Vagas (José Teles Lacerda)

Bernardino Gávea habitou-se a adormecer embalado pelas histórias do seu velho avô. Histórias de ninfas e de piratas, de navios naufragados e de terras inóspitas por descobrir. Mas a sua história preferida sempre foi a de Santa Marta do Mar e de como, no ano de 1506, trinta e sete almas foram enviadas para colonizar essa ilha inóspita, numa viagem amaldiçoada e cheia de dificuldades. A história dessa viagem e, principalmente, de Martim Sancho, um sonhador grumete no navio que transportava os colonos, sempre inspirou sonhos na mente de Bernardino, fascinado pela história da tormentosa viagem e dos espíritos e criaturas a ela associados. Mas à narração das tragédias e aventuras dos colonos de Santa Marta do Mar junta-se uma jornada mais pessoal, a do crescimento de Bernardino e da forma como as suas próprias fantasias o protegem de uma realidade difícil. É que, por mais sonhos contidos que alimentem uma vida, mais cedo ou mais tarde é preciso crescer...
Alternando entre dois tempos diferentes, cada um com diferentes protagonistas, este é um livro que parte de um ritmo relativamente pausado, com alguns momentos de estranheza, para se entranhar, aos poucos, no pensamento do leitor. No início, há uma forte componente descritiva, que, aliada à caracterização de muitas personagens, cujas relações são ainda indefinidas, impõe uma certa lentidão ao desenrolar dos acontecimentos. Mas tudo muda a partir do momento em que as personagens se tornam familiares. Então, os seus medos e preocupações tornam-se fáceis de entender e é fácil sentir empatia para com as suas aventuras e dificuldades. Além disso, a ligação emocional começa a estabelecer-se não só pela compreensão das suas motivações, mas também pela intensidade de alguns momentos, quando situações de perda ou esperanças que se desvanecem são expostas de uma forma capaz de partir um coração em poucas palavras.
Além de uma boa contextualização do ambiente em que decorrem as duas histórias principais do livro, com uma caracterização bastante precisa quer da vida nas naus, quer das dificuldades económicas da vida piscatória, vários séculos mais tarde, há ainda um outro elemento a tornar o enredo particularmente interessante. Trata-se, claro, da presença de elementos sobrenaturais e das diferentes formas em que estes se revelam, quer nas fantasias mais ou menos inocentes das personagens, quer enquanto presença efectiva nalguns dos acontecimentos mais marcantes de todo o enredo. Cria-se, através destas presenças enigmáticas, um cativante tom de mistério que torna a história um pouco mais intrigante, acrescentando ao seu lado mais trágico um pouco de sonho e de fantasia.
Com muito de aventura e de mistério, quer na história de Martim, quer nas fantasias de Bernardino, nem tudo neste enredo encontra uma conclusão definitiva. Fica, ainda assim, a impressão de que ambiguidade no fim de algumas partes da história acaba por ser a conclusão mais adequada, deixando a quem lê a possibilidade de imaginar o que acontece depois, na vida das personagens depois da história.
Esta é, assim, uma história em que a realidade e a fantasia se misturam, num conjunto de aventuras e de tragédias que, de vida ou morte, ou de vida depois da perda, acabam por cativar tanto pelo mistério e pela magia como pelo impacto emocional das pequenas coisas. Trata-se, pois, de uma história envolvente, que, apesar do início um pouco confuso, acaba por se revelar uma boa leitura. Gostei, portanto.

1 comentário:

  1. Tens um selinho literário à tua espera no meu blog :) http://esmiucar-pag-a-pag.blogspot.pt

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