Passaram seis anos desde que o inspector Gabriel Ponte deixou a Polícia Judiciária, na sequência de um caso por resolver e de algumas suspeitas relacionadas com a sua vida privada. Apenas há pouco tempo retomou o contacto com a ex-mulher, que lhe pediu ajuda na revisão de alguns processos antigos. Mas a morte algo macabra de um professor de Direito leva a que Patrícia lhe peça uma intervenção mais directa e, contrariado, Gabriel acaba envolvido na investigação de um crime que, apesar da violência com que foi cometido e que insinua ódio ou ciúme, tem também relações com um projecto que oculta um esquema de crime económico. A vítima era, aparentemente, pouco sociável e, por isso, todos aqueles com quem se relacionou são importantes. Mas qual das teorias está correcta? Morreu por ciúme ou porque sabia demais?
Crime e mistério, protagonizados por um conjunto de figuras interessantes num cenário que retrata com precisão alguns dos traços mais turvos da sociedade, fazem deste Morte com Vista para o Mar uma leitura que cativa desde as primeiras páginas e que, com o evoluir do enredo, se torna simplesmente viciante. Isto deve-se a um sólido conjunto de pontos fortes, que vão desde a caracterização das personagens e à forma como o enredo é construído, passando pelo equilíbrio entre o caso principal e os fantasmas do passado do protagonista - com tudo o que sobre o assunto parece haver, ainda, para dizer.
Ao acompanhar, ao longo do enredo, as acções e pontos de vista de diferentes personagens, o autor consegue, por um lado, manter o mistério e levar o leitor a tentar descobrir os culpados e, por outro, dar-lhe conhecimento que os protagonistas ainda não têm, criando a sensação de fazer também parte da investigação. Permite, também, conhecer as motivações das diferentes personagens, o que, tendo em conta os diferentes papéis que desempenham no caso, permite uma visão muito mais completa, quer das suas acções quer do contexto em que se movimentam.
Este conjunto de actos e motivações abre, também, caminho para uma percepção mais clara do que parece ser um traço comum a todas as personagens, mas que sobressai particularmente em Gabriel Ponte. Nem os investigadores são perfeitamente bons, nem os criminosos são vilões sem motivos. Gabriel é um homem com um passado, e com fantasmas poderosos, e isso reflecte-se na sua forma de agir. É, também, um homem de imperfeições, que se evidenciam tanto nesse mesmo passado como nos pequenos gestos (ou falta de acções) que se tornaram na sua rotina. Quanto aos investigados, as possíveis ligações entre o crime económico e o homicídio criam não só vários suspeitos, como suspeitos com identidades próprias e características (e perturbações) que os diferenciam.
No que respeita a Gabriel e ao seu passado, há possibilidades deixadas por encerrar - ou não fosse este o primeiro livro de uma série. Já no que diz respeito ao caso principal, tudo faz sentido no fim e a resolução do mistério consegue ser bastante surpreendente, mesmo tendo em conta o conhecimento que é dado ao leitor, mas não aos protagonistas.
Com protagonistas complexos e imperfeitos (e humanos, portanto), num caso que, além de interessante por si só, aborda, de forma certeira, alguns dos vícios e segredos da sociedade, Morte com Vista para o Mar abre da melhor forma uma série que promete muito de bom. Um livro intrigante, pois, muito bem escrito e de leitura compulsiva. Muito bom, em suma.
Nova série? Gostei do início da anterior, apesar de ainda não a ter lido toda. Fiquei com curiosidade em relação a este.
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