John Cleaver, adolescente, sociopata e obcecado por serial killers, parece ter encontrado uma missão para ocupar os seus instintos mais negros. Depois do mais recente confronto com um demónio que andava a espalhar morte pela zona onde vive, John desafiou outro dos da sua espécie e está agora à espera de um sinal de que Ninguém - assim se chama o novo demónio - chegou e anda à sua procura. E a resposta não tarde. Um padre é encontrado morto, com as mãos e a língua cortadas e duas estacas nas costas, quase que evocando asas. John parece ter encontrado a primeira - e muito evidente - pista do seu inimigo. Mas as coisas nunca são assim tão simples. Primeiro, John precisa de estabelecer algumas relações para conseguir a informação que quer e a jovem Marci parece ser a aliada perfeita, até porque parecem ter interesses em comum e, surpreendentemente, John sente-se bem na sua companhia. E, além disso, nem todas as pistas são tão claras como a primeira parece ser. O perfil que John traçou para Ninguém pode estar errado... ou, então, parte da informação escapa ao seu entendimento.
Desde o primeiro livro desta série que um dos pontos mais cativantes é a forma como, partindo de um protagonista alegadamente incapaz de sentir empatia, o autor desenvolve uma figura carismática, complexa e capaz de despertar a simpatia do leitor. Neste terceiro livro, esses traços inesperados - tendo sempre em vista o facto de John ser, alegadamente, um sociopata - evoluem ainda um pouco mais. Os pensamentos macabros e a obsessão com a morte continuam presentes, mas tudo aquilo que o protagonista viveu desde a história do Assassino de Clayton mudou parte das suas prioridades e fê-lo evoluir. John surge agora como uma personagem muito mais humana e ainda mais complexa, o que só aumenta o seu carisma. Ao mesmo tempo, há também alguma evolução nos traços que lhe são inerentes, evidente em questões como a sua relação com Marci e na forma como encara a sua missão de caçador de demónios, e culminando num final que, particularmente intenso na conclusão dos acontecimentos, marca também pelo toque de emoção que acaba de o humanizar.
Ora, se é certo que grande parte da história vive de John, até, porque, além do protagonista, é ele o narrador, há ainda outros pontos fortes a acrescentar a esta muito bem conseguida caracterização. O primeiro é, obviamente, a construção do enredo, conjugando mistério e sobrenatural, numa história de ritmo viciante e com as medidas certas de acção e emoção, bem como um delicioso toque de humor negro. Junte-se a isto uma boa caracterização das restantes personagens, quer na forma como John as vê e lida com elas, quer no papel que elas desempenham na vida do protagonista (sendo de destacar, é claro, a mãe de John) e a força dos momentos mais emotivos sai reforçada, acontecendo o mesmo com os grandes momentos de acção.
Falta referir, ainda, a questão da falibilidade. Nem tudo é imprevisível neste livro, ainda que algumas das revelações sejam surpreendentes, mas o que acontece é que, ao seguir o raciocínio de John na tentativa de encontrar a sua adversária, o seu percurso de tentativa e erro acaba também por o tornar mais humano, tornando mais interessante seguir os seus passos, mesmo depois de instalada a suspeita de que as suas ideias talvez estejam erradas. Estas dúvidas e tentativas falhadas acabam também por intensificar o impacto do final que, sem deixar sem resposta qualquer questão essencial, deixa algumas possibilidades em aberto, insinuando uma continuidade para lá do fim.
Cativante, surpreendente e com alguns momentos realmente marcantes, Não te Quero Matar encerra, assim, da melhor forma uma história intensa e viciante, com um bom equilíbrio entre acção, mistério, emoção e humor e um protagonista carismático, surpreendente e inesperadamente humano. Muito bom, portanto. Recomendo.
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