A guerra de Tróia prolonga-se por demasiados anos quando Pátroclo é morto, despertando a ira de Aquiles. Em resposta, este não hesita em vingar-se do assassino, num confronto que termina com a derrota e morte de Heitor. Mas a vitória não basta. Durante dias e dias, Aquiles arrasta o corpo do seu inimigo perante os olhos dos habitantes da cidade e, mesmo assim, a sombra que o consome parece não ser aplacada. Até que outro homem atormentado, Príamo, rei de Tróia, toma a impensável decisão de se apresentar perante o assassino do filho e pedir-lhe, como homem vencido, que lhe entregue o corpo em troca dos tesouros que leva consigo. Poucos acreditam que possa ser bem sucedido. Mas o encontro entre o líder destroçado e o rei que já foi escravo parece estar escrito na vontade dos deuses...
Poético e introspectivo, com uma linguagem elaborada e uma visão bastante complexa dos seus protagonistas, Resgate parte de um dos episódios mais conhecidos da Ilíada para construir uma história mais pessoal, centrada essencialmente em duas personagens (e com uma terceira também relevante, ainda que em menor grau) e nas sombras e necessidades que os atormentam. Aquiles, o mais imprevisível dos gregos, surge como um homem consumido pela perda e por ela levado à fúria. Todas as acções e pensamentos que lhe são atribuídos reflectem o seu tormento. Príamo, por sua vez, é apresentado primeiro como um rei limitado pelo protocolo, depois como a criança que foi durante uma experiência traumática, e, por fim, como homem e pai numa missão em que cada gesto é necessário. E, no caminho entre ambos, surge Sómax, personagem mais discreta, mas que, na sua humildade, completa a visão traçada pelo guerreiro e pelo nobre, revelando um mundo para lá do conhecimento de ambos.
Toda a história se desenvolve em torno de Príamo e Aquiles, e do que leva ao seu encontro. Assim, tanto o que se passa em torno de ambos, no contexto global da guerra, como qualquer experiência sem relação com esse encontro passam para segundo plano. Ficam, por isso, inevitavelmente algumas perguntas sem resposta quanto ao futuro, evocado apenas brevemente nas páginas finais. Mas há algo nessa ambiguidade de deixar conclusões apenas para a missão de Príamo - que é, afinal, o cerne da narrativa - algo que se torna bastante adequado, já que a história não é a da guerra de Tróia, mas, acima de tudo, a dessa mesma viagem. E, dessa, nada de essencial fica por dizer.
Não é propriamente um livro viciante. A escrita poética e bastante elaborada e uma certa tendência para a divagação impõem à narrativa um ritmo bastante pausado. Há, ainda assim, beleza na complexidade evocada para descrever acontecimentos e lugares e, ao dar a conhecer ao leitor os pensamentos e perturbações dos seus protagonistas, o autor está também a reforçar o impacto de ocasionais momentos emotivos, realçando assim a força que move as suas personagens.
Pausado, mas cativante e com muito de belo para descobrir, quer na poesia da linguagem quer na complexidade dos pensamentos e formas de agir das personagens, este é um livro que, não sendo de leitura compulsiva, exerce, ainda assim, um estranho fascínio, na forma como acrescenta algo de novo a partir de uma história intemporal. Vale a pena ler, portanto.
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