Com a subida de Hitler ao poder, todos os que contrariam a sua ideologia vêem-se, de súbito, convertidos em proscritos. É que o acontece com Ruth, Hans, Dora e Ernst Toller, o Grande Toller, como a intrépida Dora se lhe refere. Forçados ao exílio, recusam-se, ainda assim, a deixar morrer os ideais que defendem e a aceitar a brutalidade que ameaça tomar posse da Alemanha. Os meios são escassos e os inimigos estão por todo o lado. O que podem fazer é agir na clandestinidade, tentar levar as suas ideias o mais longe possível e tentar proteger os que partilham da sua missão. Mas o exílio não significa segurança e há entre os refugiados quem esteja disposto a mudar de lado, se for isso o que mais lhe convém...
Narrado na primeira pessoa pelas vozes de Ruth e Toller, o que primeiro surpreende nesta história é que, mesmo tendo ambos um papel fundamental no rumo dos acontecimentos, não cabe a nenhum deles o verdadeiro papel de protagonista. A história e também a deles - a das suas ideias, a da luta a que se dedicam - mas a verdade é que no centro de tudo está Dora, a corajosa e determinada adversária do regime, a que tudo fará para levar a verdade ao mundo.
Mas Dora, sendo vista pelos olhos dos dois narradores, não é uma figura que, desde logo, se torne familiar. Primeiro, é o mistério, já que a história é contada a partir das memórias de Ruth e Toller e, como tal, desvelada de forma gradual. Depois, revela-se a sua intervenção, mais intensa e marcante à medida que também as circunstâncias se tornam mais dramáticas. E é numa fase já bastante avançada do enredo que o verdadeiro impacto de tudo se revela, com as verdadeiras faces de todos - pessoas, instituições, partidos - a surgirem no papel que desempenham nos grandes momentos. Momentos da história do mundo - e da história de Dora.
Considerando todos os elementos que a constituem, desde a multiplicidade de personagens relevantes à caracterização gradual de personalidades e de contexto, sem esquecer, claro, a complexidade inerente a qualquer abordagem à época em que tudo decorre, é inevitável que o ritmo do enredo seja relativamente pausado. Para isso contribui também um certo tom de distância, perceptível principalmente na fase inicial, já que se dissolve à medida que o cenário se torna mais sombrio. Esta distância atenua-se, ainda assim, com o avolumar das dificuldades e o aprofundar das relações entre as personagens, abrindo caminho para momentos de grande intensidade e um final profundamente marcante.
O que fica, então, deste livro, é a impressão de uma leitura que, não sendo propriamente compulsiva, acaba por cativar pelo crescendo de emoção e de complexidade com que personagens e história são desenvolvidas. Um bom livro, em suma, com um final memorável.
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