Cirurgião de sucesso, mas um fracasso enquanto pai de família, Kweku Sai encontra a morte de forma inesperada, junto a casa, ao amanhecer. Em vida, dedicou-se inteiro ao exercício da sua profissão, para se ver consumido por ela e, assim, lançado num exílio auto-imposto. Agora, a sua partida chega ao conhecimento daqueles que abandonou. A primeira mulher e os quatro filhos recebem a notícia com um coração pesado de memórias dolorosas. E, por tudo o que atravessaram, com ele e, principalmente, depois dele, o regresso para o último adeus é doloroso. Ainda que possa ser, também, o encerrar de assuntos inacabados.
Contada da perspectiva dos diferentes elementos da família e oscilando entre diferentes pontos da linha temporal, esta é uma leitura que nunca será fácil. Ao percorrer diferentes pontos da vida das personagens, não numa linha definida, mas saltando entre diferentes momentos, a história global revela-se aos poucos, à medida que os grandes acontecimentos emergem das pequenas coisas.
A primeira impressão é, inevitavelmente, de estranheza, com fragmentos de episódios a criarem alguma dispersão, como que semeando pistas para revelações que virão mais tarde. A história de Kweku, no momento da morte, do que viveu com a família, dos sonhos e do abandono, é feita de momentos, contados como que ao ritmo da memória, com avanços e recuos no tempo. Nesta fase, o que primeiro cativa é a fluidez da palavra, a forma como a autora molda impressões e emoções numa voz particular e cativante. Que basta para manter a vontade de saber o que se seguirá.
A partir da segunda parte, ultrapassa-se a estranheza e instala-se um equilíbrio de familiaridade e mistério. Familiaridade, porque o essencial de quem são as personagens já foi revelado, e mistério, porque abre-se o caminho para que as suas verdadeiras profundidades sejam exploradas. A história da família de Kweku, antes e depois da morte, torna-se agora o centro, com o passado a emergir com o conhecimento da morte. Revela-se assim toda uma teia de relações, de experiências marcantes, de uma ligação familiar com tanto de disfuncional como de comum.
E daqui emerge também a emoção, seja nos grandes momentos que definiram o rumo dos filhos de Kweku Sai, seja no que pensam e no que fazem para redimir ou ultrapassar o passado. Grandes momentos e pequenos gestos dão forma a um equilíbrio quase perfeito, em que marca tanto o episódio em si, como toda a base de causas e consequências que lhe estão associadas. E a escrita, ainda e sempre, bela, fluída e cativante, a tornar mais clara e mais completa a visão de uma vida com tanto de sombrio como de inocente.
Com uma escrita belíssima, personagens complexas e uma história que percorre todo um espectro de relações e de emoções, A Beleza das Coisas Frágeis pode não ser uma leitura fácil. Mas fica, sem dúvida, na memória. Muito bom.
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