Dalya sempre acreditou que o seu destino era seguir as pisadas do pai e fazer sapatos em que as pessoas se sentissem confortáveis. Mas tudo muda naquela noite em que os nazis aparecem para os levar. Obrigada a deixar tudo para trás, incluindo o par de sapatos que tinha feito para o seu futuro casamento, Dalya perde em Sachsenhausen o que de mais importante lhe restava: a família. Eles estão mortos. Ela não. E essa será uma culpa que terá de carregar a vida inteira. Mas os seus sapatos, esses, estão destinados a cruzar outros caminhos. E, pelos pés de Ray e de Pinny, duas órfãs em fuga para Nova Iorque, as respostas que Dalya nunca conseguiu encontrar podem ir finalmente bater-lhe à porta...
História de acasos e de coincidências, e de como estas podem mudar o rumo de toda uma vida, este é um livro que cativa desde muito cedo e que não deixa de surpreender até ao fim. Porquê? Porque nos abre as portas para um momento tenebroso da história do mundo, para depois nos levar de viagem pela ternura e pelo sofrimento, pela amargura e pela inocência, pelos pontos mais negros da vida e pelos sonhos que nos mantêm de pé. Através das várias personagens que vão surgindo nesta história, e da forma como os seus percursos se entretecem, a autora olha para um mundo de uma forma tão completa como equilibrada. E isso - esse equilíbrio entre horror e ternura, entre mágoa e amor, entre bem e mal, mas sem uma linha inviolável a defini-los - é algo de profundamente comovente.
A história centra-se essencialmente em três personagens - Dalya, Ray e Pinny, ainda que haja outras cuja presença se torna especialmente relevante. Em comum, têm o tal par de sapatos que Dalya deixou para trás antes de tudo se desmoronar. Mas a forma como estas histórias se entrelaçam, de forma discreta, no início, mas com ramificações que se vão revelando a cada nova reviravolta, é toda ela cheia de surpresas. As ligações que unem as várias histórias nunca deixam de surpreender. Mas, mais do que isso, conjugam vários percursos pessoais e, do cruzamento entre eles, fazem surgir grandes lições. Ray, Pinny e Dalya, diferentes como são em percurso e personalidade, têm algo em comum, além do tal par de sapatos: a forma como descobrem a vida ao ritmo das experiências que vão vivendo.
E é fácil sentir com as personagens. Nos momentos de alegria, nos de frustração, nas grandes tragédias das suas vidas, na descoberta de uma ternura que já julgavam morta. Na forma como se vêem, na forma como o mundo as vê... Há tantas descobertas na jornada destas personagens, e tanta emoção, que é muito difícil ficar indiferente. E, se é certo que ficam algumas questões em aberto, também o é que essa sensação de possibilidade, de poder imaginar a felicidade a seguir, acaba por ser a mais adequada das conclusões.
Marcante, enternecedor, surpreendente... Qualquer destas palavras (ou a conjugação das três) seria uma boa forma de descrever este Acasos Felizes. Mas é, acima de tudo, uma viagem. Pelo tempo, pela juventude, pelas emoções. E uma viagem em que é fácil sentir e crescer com as personagens e, pelo caminho, ver um pouco melhor o que realmente importa. É, pois, um livro que fala ao coração. E isso é mais do que suficiente para que valha muito, muito a pena. Recomendo.
Título: Acasos Felizes
Autora: Suzanne Nelson
Origem: Recebido para crítica
Sem comentários:
Enviar um comentário