Brás Cubas não teve uma vida extraordinária. E, ainda assim, morreu, chegou ao outro lado e decidiu contar a sua história. Mas que história é essa? A de um homem de ideias fixas e grandes ambições, a quem parte do percurso foi imposto e a outra parte foi conduzida pelas tais ideias fixas. Um homem que quase esteve noivo de uma mulher, mas que só a amou depois de casada com outro e que, de ambição em ambição mais ou menos falhadas, escreveu muita da sua vida através de negativas. E depois de morto? Bem, depois de morto, a história já é diferente, pois que, morto, encontrou a voz para as suas memórias.
Não é propriamente fácil resistir à premissa deste livro. A ideia de um morto que conta as suas memórias é, no mínimo, invulgar e desde logo desperta curiosidade para que memórias serão essas que perduram para além da vida. E se juntarmos a isto que o dito morto não foi propriamente uma grande figura em vida, bem, aí a curiosidade quanto ao que haverá para contar cresce ainda um bocadinho mais. E, sendo certo que não é propriamente uma leitura fácil, com todos os seus interlúdios filosóficos e introspectivos, também o é que as expectativas não saem em nada defraudadas.
Há duas grandes forças a destacar neste livro: a imprevisibilidade da narrativa e a solidez de uma escrita que, mesmo nos momentos mais densos, nunca deixa de cativar. E a forma como estes dois aspectos se conjugam é particularmente interessante tendo em conta que esses tais momentos mais densos (como as deambulações filosóficas de Quincas Borba) são também eles inesperados. Não há, afinal, nada de previsível neste livro. Nem as personagens, nem o rumo dos acontecimentos, nem a forma como determinado indivíduo reage a determinada situação... Há uma única certeza. Brás Cubas está morto quando conta a sua história. Excluído este facto, tudo o mais é possível.
Não é propriamente uma leitura compulsiva. Há no livro muitas peculiaridades - no pensamento das personagens, mas também nos vários saltos temporais ao ritmo da memória do narrador - que levam o seu tempo a assimilar, conferindo, assim, à narrativa um ritmo mais pausado. Mas também é verdade que todo o tempo dedicado à leitura acaba por valer a pena. Não, não é que se sintam grandes empatias ou paixões assolapadas pelas personagens: mas sente-se curiosidade e, a partir daí, fascínio por tudo aquilo que têm de invulgar. E isso é razão mais do que suficiente para querer conhecer estas tão estranhas figuras.
A ideia que fica é, portanto, a de um livro invulgar, tão invulgar, aliás, como as várias personagens que o povoam. E é toda essa peculiaridade, que, mesmo nos momentos mais estranhos, nunca deixa de exercer um certo fascínio, mantendo sempre viva a vontade de saber o que mais virá a seguir. Vale a pena, pois, conhecer estas muito interessantes Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Título: Memórias Póstumas de Brás Cubas
Autor: Machado de Assis
Origem: Recebido para crítica
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