Da vida no campo e do bulício das cidades. Das memórias do passado e dos futuros possíveis. Infância, juventude, envelhecimento. Homens, mulheres, animais, objectos. Tudo isto pode servir de base a uma história e serve, de facto, neste livro. Um livro em que cada conto é mais um fragmento de recordação ou de possibilidade do que propriamente uma longa história, mas em que há sempre algo de interessante para descobrir.
Um dos aspectos mais curiosos deste livro é que, lendo os contos pela ordem em que nos são apresentados, a impressão com que começa não é a mesma com que se termina. Dos primeiros, surge uma impressão quase que autobiográfica, em que cada conto é uma memória de um mesmo narrador. Depois, os protagonistas e narradores vão-se diversificando, as possibilidades vão-se expandindo e a imagem que fica do todo acaba por ser muito mais ampla. Continuam a ser fragmentos, mas já não apenas de memórias - ou, pelo menos, de memórias reais. À memória das pessoas junta-se a memória das coisas e, a partir de tempos, lugares e percepções diferentes, cada história acaba por ser um todo em si mesma - apesar de tudo o que deixa em aberto.
E é o que fica em aberto que deixa sentimentos ambíguos. Não é que as histórias não tenham o seu sentido tal como são, porque têm. Servem o seu propósito - nalguns casos de transmitir uma mensagem, noutros de simplesmente evocar um momento marcante - na sua brevidade. Mas fica sempre a vontade de saber mais, a dúvida sobre o que virá depois, ou o que aconteceu antes. No caso dos contos futuristas (uma surpresa particularmente agradável) a curiosidade insatisfeita quanto à forma como as coisas chegaram até ali. E é isto que deixa a sensação de que várias destas histórias podiam ter sido um pouco mais desenvolvidas, apesar de tudo o que é essencial estar lá.
Importa ainda falar da escrita, já que, apesar da brevidade dos contos, o tom é surpreendentemente pausado. Deve-se isto, em parte, à forte componente descritiva, que se entrelaça nas introspecções que parecem caracterizar a voz dos vários narradores. Ainda assim, há uma agradável fluidez neste recordar de locais e de momentos. E assim, entre a brevidade do texto e a ampla descrição dos ambientes, cria-se um estranho e cativante equilíbrio. Como se, apesar do que fica sem resposta e do foco nos locais que se recordam ou descobrem, tudo acabasse por ter a medida certa.
Trata-se, portanto, de um livro breve, mas cativante, em que cada história é uma viagem a outro tempo ou a outro lugar e em que poucas páginas bastam para dar vida a cada novo narrador. Interessante, bem escrito e agradável de ler. Gostei.
Título: Para Além dos Montes e Outras Histórias
Autora: Carla Mora
Origem: Recebido para crítica
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