sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Projecto: MOTHER (Mónica Cunha)

Criada para resolver os problemas de um mundo à beira do colapso, MOTHER é uma inteligência artificial que cumpriu exatamente aquilo a que se destinava. Mas, pelo caminho, retirou à humanidade o controlo das suas vidas e a liberdade de escolha. Muitos parecem estar felizes com a sua nova condição, mas há uma organização que não se resigna. E agora parece estar iminente a destruição da MOTHER. Tudo depende de Yeside e da sua capacidade de manter a serenidade no confronto final. Mas, quando as certezas se transformam em perguntas, será que a calma pode prevalecer?
Algo que importa começar por dizer sobre esta história é que é um conto muito breve. E isto é algo particularmente relevante tendo em conta que parece haver todo um mundo de contexto e de possibilidades que não é desenvolvido nestas poucas páginas, mas que, ainda assim, parece quase tangível. É possível imaginar, através do que é efetivamente narrado, a luta anterior, a transformação do mundo, a formação e as ações do grupo de resistentes. E, ainda assim, nada disto é contado, o que significa que fica uma peculiar mistura de sensações: uma certa curiosidade insatisfeita ante um enredo que talvez pudesse ser muito maior, mas também a sensação de que tudo o que é essencial está lá.
Outro aspeto particularmente notável tendo em conta a relativa brevidade é a capacidade de levantar questões pertinentes, tanto de uma perspetiva global como individual. O mundo à beira do colapso, os meandros do poder e a quem servem, a forma como a defesa de uma suposta liberdade individual se sobrepõe, por vezes, ao bem-estar coletivo e a forma como a visão coletiva parece condicionar a individualidade... tudo isto está presente nesta história. E, ao nível pessoal, a necessidade de afeto, de fazer algo de bom na vida, de lutar por algo maior ou de simplesmente pertencer. Também isto é visível, e com uma precisão surpreendente para as suas tão poucas páginas.
Quanto ao fim, fica novamente uma certa ambiguidade, que faz todo o sentido, tendo em conta o que está para trás. Todo este duelo, todo este confronto de vontades, vive do que move as personagens e do que as construiu. E, tendo em conta o que fica por dizer do passado, faz sentido esta conclusão ambígua, em que uma escolha absolutamente certa é algo que não parece existir e em que as boas ou más intenções... bem... têm sempre consequências.
Podia ser uma história muito mais vasta, mas a verdade é que resulta bem assim. E, entre a sua capacidade de empolgar, o surpreendente impacto emocional e a abundância de material para reflexão, consegue ser uma história completa, apesar do muito que deixa por dizer. Além de muito cativante, naturalmente.

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